Acórdão nº 6824/03.0TBB.G1.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 25 de Fevereiro de 2010

Magistrado ResponsávelCUSTÓDIO MONTES
Data da Resolução25 de Fevereiro de 2010
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

S Privacidade: 1 Meio Processual: REVISTA Decisão: NEGADA A REVISTA Sumário : 1. A concordata entre Portugal e a Santa Sé reconheceu à Igreja Católica o poder de se organizar livremente de harmonia com as normas do Direito Canónico, e constituir por essa forma associações ou organizações a que o Estado Português reconhece personalidade jurídica, bastando que, depois de canonicamente erectas, seja feita participação escrita à Autoridade competente pelo Bispo da Diocese, onde as mesmas tiverem a sua sede.

  1. Sendo o A. uma pessoa de natureza canónica pública, os seu bens pertencem à Igreja, regendo-se a sua disposição pelo direito canónico e pelos estatutos da instituição.

  2. O Papa goza do poder temporal e espiritual sobre toda a Igreja, cabendo-lhe os actos de administração ordinária e extraordinária.

  3. Os actos de administração extraordinária – compra e venda, promessa de compra e venda de bens imóveis, com tradição, de valor superior ao montante estabelecido na CEP – Conferência Episcopal Portuguesa – só são válidos se licenciados pela Santa Sé.

  4. Uma credencial passada pelo Vigário Geral da Diocese não é título bastante que substitua aquela autorização.

  5. A permuta da promessa de compra e venda de lotes de terreno na quinta sede do A. pela promessa de compra e venda de três quintas, de valor superior ao estabelecido pela CEP carece de licença da Santa Sé, só dessa forma se formando a vontade do A.

  6. A falta de vontade por inexistência dessa licença torna o negócio jurídico ineficaz, não produzindo qualquer efeito.

Decisão Texto Integral: Acordam Supremo Tribunal de Justiça Relatório O Colégio de AA Intentou contra BB, Lda, CC e mulher, DD, EE – Sociedade de Construções, S.A. e FF – Imobiliária, S.A.

, Acção declarativa de condenação sob a forma ordinária Pedindo se declare .

ineficaz ou, subsidiariamente, inválido um contrato de compra e venda celebrado entre si e a 1ª Ré e .

inexistentes, ineficazes ou inválidos três contratos-promessa por si igualmente celebrados, - um deles com o 2º Réu marido, - o outro com a 3ª Ré e - o outro com a 4ª Ré.

Alegou, em síntese, que esses contratos padecem de vários vícios, que discrimina, que afectam a sua validade ou a produção dos efeitos que lhes são típicos.

Citados, os RR contestaram impugnando os pretensos vícios do negócio e pugnando, em conformidade, pela improcedência da acção; em reconvenção, pedem se declarem rectificados os lapsos de que alegadamente enfermavam os contratos promessa juntos com a petição inicial como documentos números 9 e 10 e que determinaram as rasuras a que os mesmos foram sujeitos.

Houve réplica.

Efectuado o julgamento, foi a acção julgada improcedente e absolvidos os RR dos pedidos formulados pelo A. e procedentes os pedidos reconvencionais, condenando-se, em consequência, o A. a reconhecer que mediante os contratos promessa juntos com a petição inicial como documentos números 9 e 10, celebrados com a “EE – Sociedade de Construções, Lda” e CC, respectivamente, aquele prometeu vender a estes, que, por sua vez, prometeram comprar-lhe, nas condições previstas nos respectivos clausulados, os lotes de terreno para construção designados pelos números “A4”, o primeiro, e “A2”, “A5”, “A6” e 42 a 52, o segundo, da urbanização da Quinta .......”.

O A.

apelou com sucesso, declarando-se a nulidade dos contratos em causa e julgando-se os pedidos reconvencionais improcedentes.

Pedem revista apenas as RR.

EE – Sociedade de Construções, S.A. e FF – Imobiliária, S.A.

, terminando as suas alegações com as seguintes Conclusões I. Ao contrário do que vem dito no Acórdão recorrido, a credencial que autoriza a celebração do negócio pelo Presidente do Conselho de Administração do Colégio Autor encontra-se subscrita pelo ORDINÁRIO DO LUGAR, no caso o Monsenhor Cónego GG, na qualidade de Vigário Geral da Arquidiocese de Braga, como, de resto, foi cabalmente explicitado e narrado em sede de produção de prova e decorre do direito canónico II. O Estado Português reconhece personalidade jurídica às associações ou organizações constituídas com base nas normas de Direito Canónico mediante simples participação escrita, III. No entanto, atento o regime jurídico aplicável, independentemente da natureza eclesiástica da Autora, a sua capacidade e personalidade civil deve ser aferida de acordo com as regras estipuladas para as demais entidades jurídicas com a mesma natureza de instituição particular de solidariedade social, ou seja, o regime constante do Decreto-Lei n.º 119/83.

  1. Ora, o Decreto-Lei nº 89/85 de 1 de Abril revogou este artigo 32.º do DL 119/83, apresentando como justificação que "O artigo 32. º do Decreto-Lei n. º 119/83, de 25 de Fevereiro, dispõe que as instituições particulares de solidariedade social carecem de autorização dos serviços competentes, designadamente quanto aos actos de aquisição de bens imóveis a título oneroso e alienação de imóveis a qualquer título" e que "a prática tem demonstrado que a referida disposição não tem tido a eficácia prevista e que, por outro lado, cerceia de algum modo a natureza privada das instituições, que importa, acima de tudo, salvaguardar".

  2. Ou seja, a partir de 6 de Abril de 1985 (data de entrada em vigor do diploma em mérito) deixou de ser exigido às instituições de solidariedade social Qualquer autorização para a celebração de quaisquer actos.

  3. Assim, não resta senão concluir que, em face do nosso ordenamento jurídico, não estava o Colégio Autor obrigado a qualquer autorização por parte de qualquer entidade para a celebração dos negócios em causa nos presentes autos.

  4. Resulta claramente da matéria de facto provada que todos - Administração da Autora, Vigário Geral e Arcebispo - conheciam as negociações em curso e a forma como iria formalizar-se o negócio, designadamente todos sabiam que o negócio teria duas fases: a primeira a aquisição da Quinta da Naia pela Autora, dando em troca a promessa de venda dos lotes da Quinta de Madre de Deus; e uma segunda, através da alienação dos lotes da Quinta de Madre de Deus.

    VIII, Assim, o Ordinário do lugar (in casu o Vigário Geral), emitiu a credencial referida no ponto 11º da matéria de facto provada apenas para a aquisição da Quinta da Naia por ser o único acto sujeito a escritura pública que seria celebrado naquela data.

  5. Dessa forma, o Ordinário do Lugar (por inerência de funções de Vigário Geral, como já vimos) deu cabal cumprimento ao disposto no art. 35º dos Estatutos do Colégio Autor.

  6. O que vale por dizer que, a ter-se por boa a tese de que o negócio carece de autorização (que não carece), nos termos do disposto no art. 35º dos Estatutos do Colégio Autor, sempre será forçoso concluir que esse formalismo foi inteiramente respeitado, porquanto se encontra assente nos presentes autos que o negócio foi celebrado com o consentimento e conhecimento do Vigário Geral que, inclusivamente outorgou a credencial que permitiu a sua celebração.

  7. Pelo que mal andou o Tribunal a qua, designadamente por ter declarado a nulidade dos negócios de permuta da Quinta da Naia pelos lotes da Quinta de Madre de Deus nos termos que constam das actas do Colégio Autor.

  8. Além disso, ainda que fosse exigível a autorização, os Estatutos da Autora não são oponíveis às Rés.

  9. Com efeito, os Estatutos da Autora NUNCA foram publicados e, por via disso, não são oponíveis a terceiros, não podendo ser exigido às Rés na presente demanda, designadamente a necessidade da obtenção de uma eventual autorização que alegadamente resulta directamente das normas estatutárias.

  10. Para que fosse oponível às Rés a falta de autorização teria de se demonstrar que as Rés sabiam ou não podiam ignorar que o negócio em causa estava alegadamente sujeito a uma autorização por parte de entidades eclesiásticas externas ao Colégio de AA, o que não sucedeu.

  11. Além disso, o próprio Notário verificou e declarou efectivamente na escritura que estavam verificados os poderes do representante orgânico da Autora para a celebração dos negócios em causa "em representação daquela instituição [Colégio de AA) com os necessários poderes para este acto que lhe foram conferidos na reunião da aludida direcção realizada em vinte e três de Julho corrente, poderes esses que constam da respectiva acta, de que apresenta pública-forma; a qualidade de presidente da direcção consta de credencial passada pelo Ordinário da Diocese, que apresenta e arquivo".

  12. Todos se conformaram e confiaram que o negócio estava a ser válida e eficazmente celebrado - como efectivamente estava -, em respeito por todas as regras de Direito aplicáveis, o que foi verificado e declarado pelo Notário presente no acto.

  13. Assim sendo, forçoso se torna concluir que - ainda que se verificasse a falta de autorização (e já vimos que não se verifica) - sempre seria impunível às Rés as eventuais limitações à celebração daquele contrato que resultassem dos Estatutos do Colégio Autor.

  14. Ao que parece, o fundamento para a declaração da nulidade dos negócios celebrados foi encontrado pelo Tribunal a quo na disposição do art. 294º do CCiv., que dispõe que: "Os negócios celebrados contra disposição legal de carácter imperativo são nulos, salvo nos casos em que outra solução resulte da lei" (sublinhado nosso).

  15. Ora, as disposições estatutárias não são normas jurídicas e muito menos se tratam das "normas jurídicas imperativas" a que se refere o art. 294º do CCiv ..

  16. Os Estatutos do Colégio Autor e os Decretos da Conferência Episcopal Portuguesa não são, à face da nossa Constituição, actos normativos e muito menos normas de carácter imperativo.

  17. Ou seja, a interpretação (constante do Acórdão Recorrido) de que "as disposições estatutárias relativas à necessidade de autorização são actos normativos com eficácia externa é claramente contrária e violadora dos princípio basilares do nosso Estados de Direito, designadamente os princípios constitucionais da tipicidade dos actos normativos, da segurança jurídica e da protecção da confiança dos cidadãos.

  18. De tudo quanto se...

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