Acórdão nº 556/07.7TTALM.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 24 de Fevereiro de 2010

Magistrado ResponsávelVASQUES DINIS
Data da Resolução24 de Fevereiro de 2010
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

S Privacidade: 1 Meio Processual: REVISTA Decisão: NEGADA A REVISTA Sumário : I - Versando a aplicação no tempo do Código de Trabalho de 2009, o artigo 7.º da Lei n.º 7/2009, de 12 de Fevereiro (que procedeu à sua aprovação), dispõe, no n.º 1, que ficam sujeitos ao seu regime os contratos de trabalho celebrados antes da sua entrada em vigor, salvo quanto a condições de validade e a efeitos de factos ou situações totalmente passados anteriormente àquele momento; e o n.º 5 do mesmo artigo estatui que o dito regime não se aplica a situações constituídas ou iniciadas antes da sua entrada em vigor relativas a: duração do período experimental, prazos de prescrição e caducidade, procedimentos para a aplicação de sanções, bem como para a cessação do contrato de trabalho, e duração do contrato de trabalho a termo certo.

II - Interpretando, conjugadamente, o artigo 7.º da Lei n.º 7/2009 e o artigo 12.º, n.º 2, do Código Civil, não pode deixar de concluir-se que o n.º 1 daquele artigo 7.º, ao mandar aplicar o regime do Código de 2009 aos contratos de trabalho celebrados antes da data da sua entrada em vigor, se refere a contratos subsistentes naquela data, e o n.º 5 do mesmo artigo, limita-se a consagrar excepções àquela regra, afastando a aplicação do novo regime em determinadas matérias, não podendo, retirar-se de tal norma o sentido de que o novo regime se aplica a contratos extintos antes da sua entrada em vigor.

III - Tendo a relação laboral em apreço vigorado entre Julho de 2004 e Fevereiro de 2007, a disciplina aplicável é a do Código de 2003.

IV - No âmbito do Pacto de Permanência, o legislador do Código de 2009 não conferiu, expressamente, à norma do artigo 137.º o carácter de lei interpretativa da correspondente norma do artigo 147.º do Código de 2003.

V - Nos termos do artigo 147.º do Código de 2003, o valor a considerar, em caso de desoneração, é o valor correspondente às despesas realmente efectuadas e demonstradas, não sendo minimamente detectável na letra da lei o escopo de impedir a aplicação das normas de direito comum que disciplinam os efeitos de uma cláusula penal (artigo 812.º do Código Civil).

VI - Se o artigo 137.º do Código de 2009 parece apontar para solução diferente daquela, quando, por um lado, já não usa a expressão «despesas extraordinárias comprovadamente feitas» e, por outro lado, se reporta ao montante das despesas referidas no acordo, não se lhe pode conferir natureza interpretativa, pois tal solução não estava compreendida nos termos da lei antiga.

VII - A norma do artigo 147.º do Código de 2003 que visa proteger o legítimo interesse do empregador no reembolso das despesas efectuadas e compatibilizar essa protecção com o princípio da liberdade de trabalho, nada dispõe no sentido de impedir a redução de eventual cláusula penal – matéria que não é, directamente, objecto da norma – quando esta se apresente manifestamente excessiva e designadamente se a obrigação assumida, quanto à estabilidade do contrato, tiver sido parcialmente cumprida.

VIII - O estabelecimento da cláusula penal destina-se, principalmente, a evitar dúvidas futuras quanto à determinação da indemnização, funcionando a pena convencionada, na falta de estipulação em contrário, como limite máximo do ressarcimento do dano adveniente do incumprimento da correlativa obrigação (artigos 810.º, n.º 1, e 811.º do Código Civil), não podendo, no entanto, porque a tal se opõem fortes razões de ordem moral e social, ser entendida como sanção irredutível (pena fixa), ainda que a vontade das partes se dirija nesse sentido, quando o onerado não observar o comportamento a que estava obrigado.

IX - Não se tendo provado o valor exacto dos encargos de formação do Réu – sendo que tal prova incumbia ao Autor, por se tratar de facto constitutivo do direito que invocou –, não merece censura o recurso às operações de cálculo de que lançou mão o Tribunal da Relação a fim de estabelecer o valor aproximado dos referidos encargos, uma vez que a média dos valores encontrados para as várias hipóteses não enfermam de qualquer erro, tanto mais que a restituição a que se refere a parte final do n.º 1 do artigo 147.º do Código de 2003, não pode deixar de medir-se pela proporção do tempo em falta relativamente à duração do contrato que foi garantida pelo pacto.

Decisão Texto Integral: Acordam na Secção Social do Supremo Tribunal de Justiça: I 1.

No Tribunal do Trabalho de Almada, em acção com processo comum, intentada em 17 de Julho de 2007, AA - Airways, SA demandou BB, pedindo que fosse declarado: a) Que, na vigência do contrato de trabalho entre Autora e Réu, o demandado, por carta dirigida à demandante, datada de 3 de Janeiro de 2007, o denunciou por sua livre iniciativa, unilateral e culposamente, fazendo cessar a relação laboral com efeitos a 3 de Fevereiro de 2007; b) Que, à data da referida denúncia/cessação, vigorava o pacto de permanência estipulado por Autora e Réu no Acordo de Formação Profissional, que passou a fazer parte integrante do dito contrato individual de trabalho, designadamente o que especificamente haviam consignado na cláusula 6.ª do dito Acordo; c) Que, na execução do referido Acordo de Formação Profissional, e no pressuposto da observância do pacto de permanência mínimo nele estabelecido, a Autora, a suas expensas exclusivas, facultou ao Réu um curso, incluindo voo assistido em linha, que ele concluiu com aproveitamento, que o habilitou/qualificou para o desempenho das funções inerentes à categoria profissional de Oficial Piloto nos equipamentos/aviões AIRBUS - A310-300 e A310-600, curso que objectivamente se traduziu num significativo enriquecimento pessoal e profissional do demandado; d) Que, por efeito, da referida denúncia/cessação e por aplicação, designadamente, do disposto no artigo 147.º do Código do Trabalho e nas disposições contratuais supra citadas, o Réu se constituiu na obrigação de indemnizar a Autora no montante de € 40.000,00, o que não fez até hoje, pese embora ter sido, interpelado para tanto pela demandante; em consequência do que deve o Réu ser condenado a: e) Pagar à Autora a importância de € 40.000,00, a que acrescem juros vencidos nos termos e à taxa legal desde a interpelação para o pagamento, no valor de € 460,00, à data da propositura da acção, bem como juros vincendos até integral pagamento.

Alegou, em síntese, que celebrou um contrato de trabalho com o Réu, em cujo âmbito foi estabelecido um acordo de formação profissional, através do qual este se comprometia a prestar a sua actividade de piloto de linha aérea durante três anos, sob pena de a ressarcir dos custos da formação, a forfait calculados em € 40.000,00; menos de dois anos antes de concluída a formação, o Réu pôs termo ao contrato de trabalho e foi prestar a sua actividade para a TAP Air Portugal, beneficiando da formação ministrada em Airbus A310-300, quer para o ingresso, quer para as perspectivas futuras de evolução na carreira; a Autora interpelou-o para pagar os custos aludidos, mas o R. eximiu-se a tal.

O Réu contestou, a pugnar pela absolvição do pedido, dizendo, em síntese, que, com a extinção da Yes e sua substituição pela Autora, AA, o acordo de formação (pacto de permanência) celebrado com aquela se extinguiu; nada beneficiou com a formação ministrada, já que estava habilitado a pilotar os aparelhos da empregadora e foi apenas no interesse desta — quando substituiu os velhos Lockheed pelos também ultrapassados mas mais fiáveis Airbus A310 — que recebeu formação para com estes operar, formação inútil para outras empresas, nomeadamente a TAP, já que os A310 estão em phase out (desmantelamento) em grande parte das companhias aéreas; por isso, o Réu não foi em nada valorizado profissionalmente (e de nada lhe serviu tal formação no concurso de admissão à TAP); resulta, pois, abusiva a cláusula 6.ª do acordo de formação, que deve ter-se por não escrita; acresce que o Réu foi confrontado com o dito “acordo de formação” sem que tivesse qualquer oportunidade de negociar o seu conteúdo, apenas lhe restando o desemprego se não se conformasse, o que o torna nulo por usurário, nos termos dos artigos 282.º e 286.º, Código Civil; aliás, o valor de € 40.000,00 fixado não tem correspondência com os encargos efectivos e não é justificado pela Autora; também é excessiva a duração do pacto, considerando que apenas tinha um contrato a termo de duração inferior; de todo o modo, completou 20 meses e 7 dias dos 36 meses, pelo que por força da equidade e da proporcionalidade, considerando que apenas auferia € 1.830,00, nada mais deverá pagar.

Respondeu a Autora para afirmar que não houve extinção da Yes, mas mera mudança de designação; o contrato de trabalho manteve-se entre as partes; o Réu não esteve por qualquer forma privado de condições para celebrar o acordo de formação, o qual nunca pôs em causa senão agora. Concluiu pela improcedência das excepções.

Após audiência de julgamento, foi proferida sentença que, julgando a acção parcialmente procedente: a) Declarou que o demandado por carta dirigida à demandante, datada de 3 de Janeiro de 2007, denunciou por sua livre iniciativa, fazendo cessar o contrato laboral que mantinha com a Autora em 3 de Fevereiro de 2007, data em que vigorava o pacto de permanência em cujo âmbito a Autora facultou ao Réu um curso que o habilitou a pilotar aviões AIRBUS - A310-300 e A310-600; e, em consequência, b) Condenou o Réu a pagar à Autora a quantia de € 8.000,00, acrescida de juros de mora, à taxa anual de 4%, desde a data do trânsito da sentença e até integral pagamento.

  1. O Réu interpôs recurso de apelação, nele suscitando a nulidade da sentença e impugnando-a, por não ter declarado a invalidade/ilicitude da cláusula de permanência.

    Seguiu-se a interposição de recurso subordinado pela Autora, a pugnar pela total procedência da acção, ou, quando assim não se entendesse pela condenação do Réu na importância de € 30.684,02.

    A ambos os recursos foi negado provimento pelo Tribunal da Relação de Lisboa...

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