Acórdão nº 3404/07.4TVLSB.L1.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 23 de Fevereiro de 2010

Magistrado ResponsávelALVES VELHO
Data da Resolução23 de Fevereiro de 2010
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

S Privacidade: 1 Meio Processual: REVISTA Decisão: NEGADA A REVISTA Sumário : - É irregular o endosso de um cheque em que como beneficiária e endossante figura uma sociedade comercial anónima, cuja firma é constituída por denominação e nome, se este elemento pessoal não corresponde no endosso ao da beneficiária/tomadora indicada no título.

- A responsabilidade do banco apresentante (tomador) e/ou do banco sacado decorrente do pagamento ao detentor de cheque com endosso irregular depende da verificação do concurso dos requisitos gerais da responsabilidade civil de direito comum, não encontrando resposta específica no direito cambiário; - O banco que se encarrega da cobrança de um cheque é garante da sua regularidade e, portanto, deve usar da diligência exigível ao profissional médio para averiguar se a legitimação do portador corresponde à situação jurídica do proprietário do título, devendo, em caso de dúvida, recusar o mandato para cobrança ou a aquisição do cheque.

- Existindo irregularidades no título que, de acordo com o comportamento que lhe é exigível, deviam levar o banco a certificar-se da regularidade da posse do portador e se, apesar disso, ele adquire o cheque responde, nos termos gerais, pelo prejuízo causado ao proprietário.

- Sobre o banco sacado impendem também idênticos deveres de verificação formal da legitimidade do endossante, sob pena de, verificada a omissão dos normais deveres de diligência na análise da regularidade do título, incorrer em responsabilidade pelo pagamento ao não titular legítimo.

- O regime regulamentar do SICOI – Regulamento do Sistema de Compensação Interbancária – não afasta o regime de responsabilidade legalmente aplicável em resultado de violação de normas da LUCH ou de direito comum, pelo menos nas relações das instituições bancárias com terceiros ou com clientes (externas).

Decisão Texto Integral: Acordam no Supremo Tribunal de Justiça: 1. - AA e BB intentaram contra “Caixa de Crédito Agrícola Mútuo de Alenquer, CRL” e contra “Banco BPI, SA”, acção declarativa de condenação, pedindo que as Rés fossem condenados a pagarem-lhes a quantia de 24.000,00€, que a 2.ª Ré lhes debitou, acrescida dos juros que, em relação à mesma quantia, esta R. já lhes debitou ou vier a debitar.

Alegaram para tanto, em síntese, que, em execução de um empréstimo contraído pelos AA. perante a R. “BPI, SA”, esta emitiu um cheque, do montante de 24.000,00€, directamente à ordem de “J.A. S...C... – Projecto e Construção, SA”, credor dos mesmos AA., que, remetido a esta Sociedade, foi desviado do destinatário e veio a ser indevidamente pago pelas RR., que não verificaram a irregularidade do endosso, nomeadamente quanto à denominação e assinatura, sendo que, apesar disso, a 2.ª R. considera os AA. devedores do montante inscrito no aludido cheque, debitando os correspondentes juros.

As RR. contestaram, alegando a regularidade do endosso aposto no cheque e imputando-se reciprocamente a responsabilidade pela verificação da regularidade do endosso, invocando o Regulamento do Sistema de Compensação Interbancária – SICOI. O Banco BPI esclareceu ter entregue o cheque em mão à A. mulher, sendo o alegado envio do cheque à beneficiária através dos CTT da exclusiva opção dos AA..

A Caixa de Crédito Agrícola requereu a intervenção principal de CC, a pessoa em cuja conta o cheque foi creditado.

Admitida a intervenção, o Chamado contestou, dizendo ter recebido o cheque em pagamento do preço de um negócio celebrado com um indivíduo (um tal engenheiro Santos) que se intitulou representante da beneficiária inscrita no cheque.

Em saneador/sentença concluiu-se pela ilegitimidade das RR. e do Interveniente, que foram absolvidos da instância.

A Relação revogou a decisão e, conhecendo do mérito da causa, condenou as Rés Bancos no pedido e absolveu o Interveniente CC.

Interpuseram recurso de revista as Rés condenadas, pedindo a revogação do acórdão e a reposição do decidido na 1ª Instância.

Para tanto, a Ré “Caixa de Crédito Agrícola” argumentou nas conclusões da sua alegação:

  1. Conforme resulta da correcta aplicação da lei substantiva, mormente do artigo 35° e 19 ° da LUCH, o endosso dever-se-á ter como regular; B ) Assim, o sendo e considerando que o mesmo decorre de cheque aceite ao balcão da aqui Ré , caixa, para depósito em conta á ordem, por endosso no seu verso" em branco", seria o seu portador, o legitimo detentor dum cheque endossável, qualidade que esta Ré, considerou o Interveniente, tendo pois tão somente operado mandato para tal fim, a cobrança de cheque; C) Sendo cheque truncado (pelo seu valor) circulou sua imagem no Sistema de Compensação Interbancária (SICOI) - Instrução 25/2003 do Banco de Portugal, a qual nos termos do ponto 14.1 do citado regulamento, foi remetida ao banco sacado ( BPI) D) Dispõe o mesmo regulamento (SICOI) no seu ponto 14.1 a) que é delegado, atendendo ao ponto 17.2 do mesmo ao banco tomador (a aqui Ré), pelo participante sacado, a responsabilidade enunciada no artigo 35° da LUCH, e este dispõe tão somente á verificação da regularidade da sucessão dos mesmos, mas não a assinatura dos endossos.

  2. De igual modo dispõe ainda ponto 18.1, b) do SICOI que "o participante tomador é responsável pela verificação do (...) da regularidade; b) da sucessão de endossos, apondo no verso do cheque, unicamente nos casos em que não exista endosso, a expressão" valor recebido para crédito em conta do beneficiário.

  3. Que à aqui Ré, Caixa, na qualidade de instituição tomadora, de acordo com o SICOI, só lhe era possível proceder á devolução do cheque, e apenas e quando o participante sacado (banco BPI) tivesse invocado... para cheques truncados (o caso em apreço), os motivos de falta de requisito principal, saque irregular, endosso irregular, falta de imagem do cheque, falta de carimbo/referência de apresentação/ inexistência de endosso , o que não sucedeu, tendo o referido cheque sido regularmente pago pelo banco sacado ( BPI) .

  4. E bem assim, atendendo ao preconizado no Douto Acórdão d STJ proferido em 24.01.2006, vide em www.dgsi.pt ou Revista 3852/05, "tendo o banco verificado que o cheque continha a assinatura de um endossante, endosso em “branco” uma vez que não tinha designado o beneficiário do mesmo, a mais não estava obrigado, uma vez que não recebeu do sacador qualquer informação do extravio do mesmo”, não lhe podendo pois ser assacada responsabilidade pelo pagamento a terceiro do dito cheque, tendo actuado de acordo com o disposto no artigo 35° da LUCH.

  5. Aliás posição também do ASTJ de 09.02.1995, entendendo que “compete ao banco sacado o ónus de verificar a sequência dos endossos constantes de um cheque, antes de proceder ao seu efectivo pagamento, sem que por qualquer irregularidade possa ser responsabilizado o banco que se limita a creditar numa conta existente num seu balcão a quantia nele inscrita, recebida do banco sacado”.

  6. E ainda pelo preconizado no ASTJ datado de 25.09.2003, Processo 03B1952, in www.dqsi.pt .

  7. Concluindo que “como banco encarregado da cobrança (a Caixa) do cheque, não pode ser responsabilizado por qualquer anomalia dos endossos já que o ónus da verificação da regularidade da sucessão dos mesmos, cabe, (...) ao banco sacado” (BPI). E a tal não obsta o Regulamento SICOI e o vínculo entre as instituições (aqui Rés), no caso tomador (Caixa) e sacado (BPI).

  8. Não restam dúvidas que à Caixa, Ré, não pode ser imputada, na qualidade responsabilidade no pagamento do cheque.

    Normas violadas: Artigos 350º e 19º da LUCH, artigo 409, nº 4 do Código das Sociedades Comerciais, artigo 217º do Código Civil.

    Por sua vez, a R. “BPI, S.A.”, concluiu: A. A solicitação telefónica do A. BB o Banco emitiu o cheque em causa à ordem de J. A. S...C...-Projecto e Construção, S. A ..

  9. O cheque foi entregue em mão à Mulher, também A. nos presentes autos.

  10. Posto isto, o envio por CTT foi da exclusiva opção e risco dos AA. pelo que o não recebimento do cheque pelo promotor a favor de quem o mesmo estava emitido é da exclusiva responsabilidade dos AA..

  11. O artigo 35º da Lei Uniforme dos Cheques preceitua que “O sacado que paga um cheque endossável é obrigado a verificar a regularidade da sucessão de endossos, mas não a assinatura dos endossantes”.

  12. O Banco que recebe para cobrança cheque cruzado por endosso e o cobra do Banco sacado através duma Câmara de Compensação, por conta de um cliente, é responsável à luz das normas de direito comum.

  13. No atendimento personalizado que a irregularidade tem condições para ser detectada e não na compensação, com o envio da imagem.

  14. Quanto à irregularidade do endosso, “indispensável para que a sociedade se obrigue para com terceiros é a assinatura dos gerentes com a indicação (expressa ou tácita) dessa qualidade: arts. 260º-4 do Cód. Soc. Com. e 217º do Cód. Civil”.

  15. Há indicação tácita “(…) quando se deduz de factos que, com toda a probabilidade, a revelam”, situação essa que não podia ser do conhecimento do Banco 2º Réu, apenas por lhe ter sido facultada a imagem do cheque; I. A obrigação contida no artigo 35º da LUCH é delegada automaticamente no Banco Tomador que a aceita.

  16. Esta delegação é expressamente mencionada na Instrução do Banco de Portugal nº. 25/2003, que regulamenta o Sistema de Compensação Interbancária - SICOI -, que vincula todas as Instituições de Crédito.

  17. Dispõe o nº 17.2 da Instrução em apreço, (Procedimentos Gerais) “com a adesão a este subsistema, o participante sacado delega automaticamente no participante tomador, e este aceita, a responsabilidade enunciada no artigo 35º. da Lei Uniforme Relativa ao Cheque, relativamente à verificação da regularidade dos endossos.

    L. O nº. 18.3 (Procedimentos e responsabilidades do participante apresentante/tomador), expressamente refere a responsabilidade da Instituição tomadora.

  18. A alínea b) do citado número menciona ser da responsabilidade do tomador a verificação, para todos os cheques e documentos afins que lhe sejam apresentados, da regularidade da sucessão dos...

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