Acórdão nº 1148/06.3TTPRT.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 03 de Fevereiro de 2010

Magistrado ResponsávelSOUSA PEIXOTO
Data da Resolução03 de Fevereiro de 2010
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

S Privacidade: 1 Meio Processual: REVISTA Decisão: NEGADA A REVISTA Sumário : 1. O que decisivamente releva para a qualificação do contrato é a forma como, na prática, o mesmo foi executado e não o nome que as partes lhe atribuíram, quando este tenha sido reduzido a escrito, mas essa denominação não pode ser absolutamente desconsiderada, no geral, devendo mesmo, em certos casos, ser-lhe atribuída uma especial relevância.

  1. É o que acontece quando o contrato é celebrado entre uma Fundação (ré) e um Mestre em Direito (autor), com largos anos de docência universitária e basta obra jurídica publicada, nos termos do qual este passou a exercer funções docentes num Instituto Superior universitário àquela pertencente.

    Decisão Texto Integral: Acordam na Secção Social do Supremo Tribunal de Justiça 1. Relatório Em 19 de Julho de 2006, AA propôs, no Tribunal do Trabalho do Porto, a presente acção declarativa contra a Fundação Bissaya-Barreto, pedindo que o despedimento de que foi alvo por parte da ré seja declarado ilícito e que a ré fosse condenada a pagar-lhe diversas prestações pecuniárias, a título de indemnização de antiguidade, de retribuição dos meses de Agosto e Setembro dos anos de 2003 e de 2004, de subsídios de férias e de Natal referentes aos anos de 2002, 2003, 2004 e 2005, de indemnização por danos patrimoniais (estes a liquidar) e não patrimoniais e de retribuições intercalares.

    Em síntese, o autor alegou que foi admitido ao serviço da ré em Setembro de 2002, para exercer funções docentes no Instituto Superior Bissaya Barreto, em regime de contrato de trabalho por tempo indeterminado, apesar dos contratos celebrados com a ré terem sido denominados de prestação de serviço, tendo sido por ela ilicitamente despedido em 31.7.2005.

    Subsidiariamente, o autor pediu que, na hipótese de se considerar que o contrato de trabalho era a termo, a cláusula 6.ª (referente ao termo do contrato) fosse declarada nula e a ré condenada a pagar-lhe as retribuições que ele teria auferido até 30.9.2007, uma vez que o contrato devia ter a duração de cinco anos, ou até ao trânsito da sentença, se aquela data ocorrer antes, bem como as demais prestações peticionadas no pedido principal a título de retribuição dos meses de Agosto e Setembro dos anos de 2003 e de 2004, de subsídios de férias e de Natal referentes aos anos de 2002, 2003, 204 e 2005, de indemnização por danos patrimoniais (estes a liquidar) e não patrimoniais.

    A ré contestou impugnando a natureza laboral do vínculo contratual estabelecido com o autor, alegando que o autor sempre exerceu as suas funções docentes em regime de contrato de prestação de serviço.

    Na 1.ª instância, a acção foi julgada totalmente improcedente e a ré foi absolvida de todos os pedidos, por se ter entendido que o contrato mantido entre as partes era de prestação de serviço e não de trabalho subordinado.

    O autor apelou da sentença, impugnando a qualificação jurídica atribuída ao contrato que vigorou entre as partes e também as respostas dadas aos quesitos 5.º, 7.º, 15.º e 16.º, mas o Tribunal da Relação do Porto julgou improcedente a impugnação da matéria de facto e, embora com um voto de vencido, confirmou a decisão recorrida.

    Mantendo o seu inconformismo, o autor interpôs recurso de revista, concluindo as respectivas alegações da seguinte forma: 1. A factualidade apurada nos autos justifica a conclusão de que o Recorrente e a Recorrida estavam vinculados por um contrato de trabalho ao qual a recorrida pôs termo, unilateralmente, sem motivo e sem precedência de processo disciplinar.

  2. O raciocínio decisório está inquinado por um pré-juízo que, embora inadvertidamente, determinou uma opção valorativa apriorística acerca do vínculo havido entre as partes.

  3. Apesar de isso ter sido enfatizado na apelação, o acórdão recorrido não atribuiu o devido significado às respostas dados aos quesitos 1°, 2°, 3° e 4° da base instrutória, já que, face a tais respostas e ao disposto nos n.os 1 e 2 do art. 17° do "regime do pessoal docente" (cfr. fls. 24 a 27), tendo sido dada como provada a contratação do Recorrente como assistente e em tempo parcial, ficou logo definida a natureza do vínculo, que é a de contrato de trabalho, estando prejudicada a hipótese de prestação de serviço.

  4. No iter decisório, quando ainda enunciava a linha divisória entre contrato de trabalho e prestação de serviço, o acórdão recorrido, a fls. 806, de modo abrupto, prematuro, apriorístico e acrítico, assumiu a sua adesão aos documentos de fls. 49 a 51 e de fls. 52 a 54, em especial a sua epígrafe, declarando que o teor desses documentos "quadra" com a prestação de serviços.

  5. Assim procedendo, ao dar prevalência ao nomen em detrimento da substância, nesse prematuro momento, o acórdão recorrido traçou aí o destino da apelação.

  6. Daí em diante, como resulta da leitura do resto do acórdão, todo o raciocínio se desenvolveu como se apenas estivesse em causa confirmar uma premissa enunciada a fls. 806 («O que quadra com o contrato de prestação de serviços»).

  7. Assim se explica que o acórdão recorrido tenha desvalorizado sucessivamente os inúmeros indícios que apontam para a existência de um contrato de trabalho e, em contrapartida, tenha enfatizado os pouquíssimos indícios que poderiam apontar para um contrato de prestação de serviço.

  8. Acresce que, sempre condicionado pelo dito pré-juízo, o acórdão recorrido não deu importância ao facto de o documento de fls. 52 a 54 fixar em 31/07/2004 o seu limite temporal e, apesar disso, o Recorrente ter continuado a prestar a sua actividade para a Recorrida durante mais um ano lectivo (2004/2005), até 31 de Julho de 2005.

  9. Durante esse ano lectivo, o Recorrente prestou a sua actividade sob a autoridade e direcção da Recorrida, sujeito às directivas e instruções desta, cumprindo os horários lectivos por esta definidos, cumprindo os calendários de exame por esta fixados, sujeito à avaliação do seu desempenho, sujeito ao controle de assiduidade feito pela Recorrida e sujeito ao respectivo poder disciplinar, isto é, em termos típicos de um contrato de trabalho, o que confirma a subordinação jurídica do Recorrente face à Recorrida e, assim, a existência de contrato de trabalho.

  10. A conduta da Recorrida, como resulta dos factos provados, foi ilícita, injustificada e inesperada, causando ao Recorrente danos não patrimoniais que, pela sua gravidade, merecem a tutela do direito e sempre justificariam a condenação da Recorrida em conformidade, nos termos peticionados.

  11. Mostra-se violado o disposto no art. 1.º do DL n.º 49 408, de 24/11/1996 (LCT), em vigor à data do início da relação contratual (actualmente, art. 11° do Código do Trabalho, com referência ao art. 12°) e ainda o disposto nos arts. 2°, 3°, 9°, 12°, 17°, 19° e 22° do "regime do pessoal docente" do Instituto Superior Bissaya Barreto (cfr. fls. 24 a 27), bem assim o art. 496° do Código Civil.

    A ré contra-alegou defendendo o acerto da decisão recorrida.

    A Ex.ma Procuradora-Geral-Adjunta pronunciou-se pela procedência do recurso, em parecer a que as partes não reagiram.

    Colhidos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir.

  12. Os factos Os factos dados como provados na 1.ª instância e que a Relação manteve inalterados são os seguintes: 2.1. A ré é o órgão instituidor do Instituto Superior Bissaya Barreto (adiante designado por ISBB), o qual é um estabelecimento de ensino superior particular, que tem sede em Coimbra e exerce a respectiva actividade no âmbito do ensino superior universitário. (A)) 2.2. Uma das licenciaturas ministradas no ISBB é a licenciatura em Direito, cujo início ocorreu no ano lectivo de 2000/2001, sendo então director científico do curso o Senhor Professor Doutor Ferrer Correia. (B)) 2.3. No início de Setembro de 2002, o autor – que aguardava a discussão pública da sua dissertação de mestrado, discussão realizada em 08/11/2002, perante um júri integrado pelos Senhores Professores Doutores Miguel Teixeira de Sousa, João Calvão da Silva e Manuel Henrique Mesquita (que presidiu ao júri e foi orientador da tese) – foi convidado para ir leccionar para o ISBB. (D)) 2.4. O convite referido em 2.3. foi para que o autor assumisse a regência da disciplina de Direito Processual Civil I, que iria ser ministrada pela primeira vez na licenciatura nesse ano lectivo 2002/2003. (1.º) 2.5. O primeiro contacto tendente à contratação do autor foi feito pelo Senhor Professor Doutor Manuel Henrique Mesquita, professor da Faculdade de Direito de Coimbra e também do ISBB, que actuou com o conhecimento e mediante solicitação do Senhor Professor Doutor Ferrer Correia, bem assim do Presidente do Conselho Directivo do ISBB, Senhor Professor Doutor Fernandes de Carvalho. (E)) 2.6. Em Outubro de 2002, o autor foi contratado pela Ré para exercer funções docentes no ISBB, na licenciatura em Direito que aí era ministrada, funções que exerceu durante três anos lectivos consecutivos, entre Outubro de 2002 e 31 de Julho de 2005. (C)) 2.7. O ISBB contratou o autor como docente, tendo em vista o início do 3.º ano da licenciatura em Direito e a necessidade de confiar a regência de Direito Processual Civil I a docente com, pelo menos, o grau de mestre na área. (2.º) 2.8. Tendo em vista a iminente obtenção do título de mestre, o autor foi contratado com a categoria de assistente. (3.º) 2.9. Na ocasião, o autor, além de exercer advocacia, também era docente noutra Universidade, e as suas funções docentes no ISBB foram contratadas em regime de tempo parcial, tendo uma carga horária semanal de 5 horas (3 de aulas teóricas e 2 de aulas práticas). (resposta ao 4.º) 2.10. Com data de 18/09/2002, a então Ex.ma Secretária-Adjunta do ISBB, Dr.ª BB, sob a epígrafe “Contrato de trabalho”, enviou ao autor a carta cuja cópia consta a fls. 34, que aqui se dá por reproduzida, solicitando-lhe elementos para a “elaboração do contrato de trabalho para prestação de serviço docente no Instituto Bissaya Barreto”, o que este satisfez. (resposta ao 6.º) 2.11. Autor e ré assinaram...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO
1 temas prácticos
1 sentencias

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT