Acórdão nº 1614/05.8TJNF.S2 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 02 de Fevereiro de 2010

Magistrado ResponsávelSEBASTIÃO PÓVOAS
Data da Resolução02 de Fevereiro de 2010
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

S Privacidade: 1 Meio Processual: REVISTA Decisão: CONCEDIDA A REVISTA Sumário : 1) Como regra, o Banco está obrigado, nos termos da convenção que celebrou com o sacador (titular da provisão) a pagar à vista a soma inscrita no cheque desde que a conta do sacador tenha fundos disponíveis.

2) A revogação do cheque consiste na declaração do sacador ao Banco para que não o pague, apesar do título já ter entrado em circulação.

3) O instituto da revogação rege-se pelo artigo 32.º da Lei Uniforme Relativa ao Cheque, sendo controversa a vigência da segunda parte do artigo 14.º do Decreto n.º 13004 de 12 de Dezembro de 1927, uma vez que Portugal não opôs qualquer reserva ao artigo 17.º das Resoluções da Conferência da Haia de 1912 que consagrou a possibilidade de derrogação do regime de irrevogabilidade relativa (alínea a) do artigo 16.º do Anexo III) e o citado artigo 32.º só acolheu a 1.ª parte do corpo daquele artigo 14.º.

4) A ordem de revogação pelo sacador tem de especificar – clara e inequivocamente – os motivos que a determinaram (v.g., desapossamento fraudulento ou aquisição com falta grave) não sendo suficiente a mera alegação genérica de não coincidência entre a vontade real do emitente e o declarado no titulo.

5) O regime da revogação ilícita deve acolher-se nos princípios comuns da responsabilidade civil extracontratual.

6) O portador do cheque que vê o seu pagamento recusado por revogação tem de alegar e provar os pressupostos da responsabilidade civil aquiliana: ilícito, culpa, nexo causal e dano.

7) Ao aceitar uma revogação sem causa legitima, o Banco comete um acto ilícito pois recusa o pagamento do título com esse fundamento, impedindo a sua ulterior, e nova, apresentação a pagamento, retirando-o indevidamente da circulação.

8) Se a conta do sacador não apresentar saldo permissivo do pagamento, o Banco deve recusá-lo, mas por falta de provisão, dando cumprimento ao artigo 1-A do Decreto-Lei n.º 454/91, de 28 de Dezembro, na redacção do Decreto-Lei n.º 316/97, de 19 de Novembro e comunicando ao Banco de Portugal para inclusão na listagem a que se refere o artigo 3.º daquele diploma.

9) O facto de o cheque não ter provisão, mas ser recusado por revogação indevida, não exonera a responsabilidade do Banco, por irrelevância negativa da causa virtual, mas o dano do portador deve ser por ele demonstrado, ou seja deve alegar e provar que sem o facto operante (cancelamento) o pagamento ser-lhe-ia efectuado na sequência da notificação ao sacador para provisionar a conta ou pagar-lhe directamente, da inclusão na listagem do Banco de Portugal (que sempre funciona como forma de pressão) ou da possibilidade de, em momento ulterior, voltar a apresentar o cheque a pagamento, assim surgindo a relevância, agora positiva, da causa virtual.

Decisão Texto Integral: Acordam, no Supremo Tribunal de Justiça: “AA – Têxteis e Acabamentos, S.A” intentou acção, com processo ordinário, contra “BB, Vestuário Desportivo, Limitada” e “Banco Português de Investimento – BPI, S.A, Sociedade Aberta” pedindo a sua condenação solidária a pagarem-lhe a quantia de 46.400,00 euros acrescida de juros.

Invocou ser portadora de quatro cheques, no montante de 11.600,00 euros cada um, sacados pela primeira ré sobre o Banco réu, mas que, apresentados a pagamento, foram devolvidos com a indicação de “cheque revogado — falta ou vício na formação da vontade”.

Tal declaração resultou de conluio entre os réus, – tanto mais que o Banco réu não podia aceitar uma ordem de revogação de cheques sem averiguar o que estava por trás dessa ordem de revogação, que era evitar a rescisão da convenção de cheque que vigorava entre eles; daí resultarem prejuízos para a autora nesse montante.

Contestou apenas o Banco réu, sustentando, em resumo, que se limitou a observar a ordem de revogação dos cheques dada pela primeira ré e negando qualquer conluio.

Proferido despacho saneador que decidiu não haver excepções nem nulidades secundárias, foi enumerada a matéria de facto, desde logo dada por assente, e elaborada a base instrutória, de que ninguém reclamou.

Oportunamente, teve lugar audiência de discussão e julgamento, tendo sido decidida a matéria de facto sujeita a instrução, após o que foi proferida sentença que julgou a acção parcialmente procedente e condenou o Banco réu no pagamento à autora da quantia pedida como capital, acrescida de juros legais sobre o montante titulado por cada um dos cheques referidos desde as datas da sua devolução.

A primeira ré foi absolvida do pedido.

O Réu apelou para a Relação do Porto que confirmou o julgado.

O Acórdão veio a ser anulado por este Supremo Tribunal, em sede de revista, para que a matéria de facto fosse reapreciada tal como tinha sido requerido.

Cumprido o determinado, a Relação confirmou, de novo, a sentença recorrida.

O Banco réu pediu revista, assim concluindo a sua alegação: “- Ao contrário do sustentado no acórdão a quo, a devolução dos cheques agora em causa surgiu sem qualquer influência do gerente da BB, que a (nova) gerência de Vizela do Banco BPI, ao tempo, nem sequer conhecia.

- Pelo contrário, essa decisão foi tomada de acordo com a orientação seguida, nesse domínio, pelo Banco BPI e sem qualquer intenção reservada e/ou menos correcta e, bem assim, sem conhecimento da sua (hipotética) ilicitude.

- Logo, sem culpa por parte de quem a praticou, que, no caso, não se presume.

- A par de ter, como suporte legal, o previsto, na matéria, pelo SICOI, Regulamento difundido pelo Banco de Portugal para aplicação no sistema bancário, que o Banco BPI, que o integra deve observar, como é reconhecido por esse Alto Tribunal.

- O acórdão uniformizador de jurisprudência n.º 4/2008, de 28.02. p.p., considerou um conjunto de situações, que engloba a ‘falta ou vício de vontade’, que não se enquadram na previsão do art. 32 da LUC.

- Nesta senda, o caso dos autos não deve ser considerado como uma revogação, já que se trata de uma hipótese de ‘falta ou vício de vontade’, prévia e devidamente justificada pela sacadora dos cheques em questão, consubstanciadora de justa causa para assim proceder.

- Deste modo, a actuação do Banco BPI no transe foi séria, fundada e legítima, não suscitando, nem devendo merecer, censura.

- A absolvição da BB, por alegada falta de ‘culpa’ e de produção de ‘danos’, impõe que o Banco BPI seja, também e por maioria de razão, alvo de idêntico tratamento.

- Já que, se colocadas lado a lado, a responsabilidade daquela sociedade, como mandante, foi/é muito superior à imputável ao agora recorrente, como mero executor de ordem emanada e recebida do gerente daquela.

- E...

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