Acórdão nº 48/04.6TBVNG.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 27 de Janeiro de 2010

Magistrado ResponsávelSILVA SALAZAR
Data da Resolução27 de Janeiro de 2010
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

S Privacidade: 1 Meio Processual: REVISTA Decisão: NEGADA A REVISTA Sumário : I - A definição dos limites do direito à liberdade de expressão por via da comunicação social, quando conflituem com outros direitos fundamentais e com igual dignidade, como o direito de qualquer pessoa à integridade moral e ao bom nome e reputação, obedece a determinados princípios consagrados na jurisprudência deste Tribunal, do TC, bem como do Tribunal Europeu dos Direitos do Homem, e sempre dependendo da análise das circunstâncias do caso.

II - Entre estes princípios são de salientar, na divulgação de informações que possam atingir o crédito e bom nome de qualquer cidadão, o cumprimento das regras deontológicas que regem a profissão de jornalista, designadamente procedendo de boa fé na sua recolha e na aferição de credibilidade respectiva antes da sua publicação.

III - Uma dessas regras deontológicas é a que vincula o jornalista a comprovar os factos que relate, ouvindo as partes com interesses atendíveis no caso, como resulta até do n.º 1 do denominado Código Deontológico dos Jornalistas Portugueses, por estes aprovado em 04-05-1993. Ou seja, as empresas que desenvolvem a actividade jornalística e os jornalistas que nelas operam, devem ser rigorosos e objectivos na averiguação da veracidade dos factos ou acontecimentos relatados, sobretudo quando sejam susceptíveis de afectar direitos de personalidade.

IV - Em caso de colisão de direitos, o sacrifício de um dos bens só pode admitir-se pela verificação de uma causa justificativa, e essa causa justificativa deve respeitar o princípio da proporcionalidade, necessidade e adequação do meio.

V - A boa fé, nesse sentido objectivo, deve considerar-se afastada sempre que o autor da notícia não realiza, podendo fazê-lo, todas as diligências tendentes à sua comprovação e se demonstre não corresponderem tais factos à verdade, sendo noticiados em consequência dessa falta de diligência.

VI - Embora a liberdade de imprensa deva respeitar, no seu exercício, o direito fundamental do bom nome e da reputação, o jornalista não está impedido de noticiar factos verdadeiros ou que tenha como verdadeiros em séria convicção, desde que justificados pelo interesse público na sua divulgação, podendo este direito prevalecer sobre aquele, desde que adequadamente exercido, nomeadamente mediante exercício de um esforço de objectividade com recurso a fontes de informação fidedignas por forma a testar e controlar a veracidade dos factos.

Decisão Texto Integral: Acordam no Supremo Tribunal de Justiça: Em 10/12/03, Jure Honores - Associação para a Defesa dos Direitos do Homem e do Cidadão, veio propor, na Vara Mista de Vila nova de Gaia, contra SIC - Sociedade Independente de Comunicação, SA, AA e BB, acção com processo ordinário, que acabou por ser distribuída ao 3º Juízo Cível de Oeiras por ter sido o Tribunal dessa comarca julgado territorialmente competente, pedindo: se declare que com a publicação, divulgação e difusão das peças jornalísticas a que se alude nos artigos 105° a 144º da petição inicial, os réus agiram em violação dos deveres legais a que estavam obrigados, ofendendo gravemente, de modo leviano e irresponsável, o bom nome e a reputação da autora (a); seja a primeira ré condenada a abster-se de publicar, divulgar ou difundir, por qualquer meio ou instrumento, as peças jornalísticas a que se alude nos ditos artigos 105° a 144º, ou por qualquer outro meio fazer alusão ao nome da autora ligando-a aos factos aí tratados ou outros que, directa ou indirectamente, estejam com ele relacionados, que sejam de natureza ou características semelhantes aos tratados nos presentes autos (b); seja a primeira ré condenada a teledifundir no seu canal de televisão, nos programas em que foram apresentados os factos a que se alude nos artigos 105° a 144° da p.i., com o mesmo destaque e durante igual período de tempo, leitura e transcrição de extracto da sentença que vier a ser proferida nos presentes autos (c); sejam os réus condenados a publicar integralmente a sentença que vier a ser proferida nos presentes autos, numa página inteira das respectivas páginas principais, em dois jornais semanários de divulgação nacional e em dois dos jornais diários mais lidos de Lisboa e Porto, com faculdade de substituição pela autora, no seu incumprimento pelos réus (d); sejam os réus solidariamente condenados a pagarem à autora, a título de indemnização por danos de natureza não patrimonial, quantia não inferior a €600.000,00, acrescida de juros desce a citação e até efectivo e integral pagamento (e); esejam os réus condenados solidariamente a pagarem à autora indemnização por danos de natureza patrimonial que se vierem a apurar em execução de sentença (f).

Tudo isto em virtude de, segundo sustenta, ela autora ser uma associação que se dedica à defesa dos Direitos do Homem, de todas as pessoas vítimas de injustiças que façam perigar gravemente a sua integridade física, moral, familiar ou económica, para além da defesa da Constituição Portuguesa, das outras Constituições europeias e dos direitos constitucionais e de cidadania de todas as pessoas, que granjeou grande credibilidade e seriedade junto do público, o que levou já os Tribunais por duas vezes a confiar-lhe a guarda e cuidado de menores; ora, no Verão de 2002 corria termos no Tribunal Judicial da Comarca de Ovar uma acção de regulação do exercício do poder paternal no âmbito do qual a mãe do menor BB, cidadã canadiana a residir no Canadá, pretendia cumprir uma decisão de um Tribunal canadiano e confirmada em Portugal que lhe confiou a guarda e cuidado do filho, pretendendo a mesma levá-lo para o estrangeiro;a A. foi contactada pelo avô paterno do menor e decidiu patrocinar o menor, que lhe veio a ser confiado provisoriamente pelo Tribunal; em tal processo veio a ser proferida decisão final que confiou o menor à guarda e cuidado do pai, tal como a A. e o seu associado (pai do menor), haviam sustentado nesses mesmos autos; a 3ª R. procurou a A. em finais de Janeiro de 2003 intitulando-se jornalista da 1ª R., que pretendia fazer uma reportagem acerca das notícias vindas a público sobre o CC; a vice-presidente da A. concedeu-lhe, então, uma entrevista, autorizando a recolha de imagens e sons; a 3ª R. solicitou ainda uma outra entrevista ao presidente da A., que acedeu na condição de ser utilizada a língua francesa e de a 3ª R. o informar previamente das questões que pretendia abordar, mas, uma vez por o presidente da A. não ter disponibilidade e outra vez por não ter autorizado a captação de voz e imagem, tal entrevista não se veio a concretizar; em 13/2/2003 a A. recebeu um fax subscrito pela 3ª R., no qual se dizia que tinha entrevistas com várias pessoas que se sentiam burladas pela A. em virtude de esta ter aceitado representá-las em problemas jurídicos, solicitando uma entrevista ao presidente da A. sobre tal assunto; em 16/02/2003 o presidente da A. solicitou à 3ª R. que lhe identificasse as pessoas em questão, concretizasse os factos em que se fundavam essas queixas, e repudiou as imputações que foram feitas à A. tendo a 3ª R. recusado; comunicou a A. à 3ª R. que a sua vice-presidente não autorizava a divulgação pública das imagens e sons colhidos pela 3ª R.; disponibilizou-se o presidente da A. para conceder uma entrevista; contudo, veio a ser transmitida pela 1ª R., no “Jornal da Noite” do dia 17/02/03, uma notícia afirmando que havia queixas graves de pessoas que se diziam enganadas pela A., emitindo-se dizeres na parte inferior das imagens onde se podia ler “queixas graves’’ e “associação de defesa dos direitos do homem sob suspeita”; seguiu-se uma reportagem, constituída por uma peça de vídeo e som, elaborada pela terceira ré, sob a supervisão e orientação do segundo, onde foram apresentadas três entrevistas com associados da autora; numa delas a terceira ré afirmou em “voz off”, referindo-se ao entrevistado: “Andou a ser empatado e iludido durante um ano. Só depois de ter €1.500,00, 300 contos, é que a Jure Honores lhe disse a verdade”, e na entrevista seguinte, disse “Quem procura a Jure Honores vai na expectativa que o serviço é gratuito pois apresenta-se como uma associação sem fins lucrativos. A verdade é que as pessoas só são atendidas depois de desembolsarem urna quantia (...) o presidente da Associação não tem formação jurídica. É formado em Matemáticas. Mas fala como se fosse Advogado.”; seguiu-se o excerto da entrevista concedida pela Vice-Presidente da DD; posteriormente a 3ª R., também em “voz off”, disse: “Apesar de ter recebido já há vários meses queixas em relação à Jure Honores, só quando a Sic contactou a Câmara de Vila Nova de Gaia é que EE rescindiu o protocolo com a associação. No próprio dia. E recusou todos os pedidos de entrevista que a SIC lhe fez para comentar esta situação. Quanto ao francês FF, depois de ter agendado uma entrevista com a SIC, recuou. Depois impôs condições inadmissíveis e agora ameaça com o recurso aos Tribunais.’’; no decurso da transmissão do programa, de permeio com reportagens de outras notícias, por três vezes, o locutor afirmou, chamando a atenção para o desenvolvimento da notícia de abertura: “Dizem ter sido burlados por quem os devia ajudar. Portugueses desesperados. Daqui a pouco.’’; pelas 20.54h, o locutor retomou a notícia, reproduzindo o texto de abertura, seguido da aludida reportagem, mais extensa; aí a 3ª R., em “voz off”, disse: “Depois te deambular durante mais de uma década pelos Tribunais, MM caiu nas mãos da associação Jure Honores”, e acrescentou: “Há vários meses que a Câmara tem muitas queixas de pessoas que se sentiram enganadas, mas só no dia em que foi contactada pela SIC rescindiu o protocolo com a Jure Honores. A Ordem dos Advogados tem também a correr um processo de investigação às actividades da Associação.”; fez diversas outras afirmações acerca da A. e da pessoa do seu presidente, nas quais se referiram várias vezes as expressões “burla’’, “engano”, “suspeita” e ‘‘queixas...

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