Acórdão nº 8/06.2TTAVR.C1.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 20 de Janeiro de 2010

Magistrado ResponsávelPINTO HESPANHOL
Data da Resolução20 de Janeiro de 2010
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

S Privacidade: 1 Meio Processual: REVISTA Decisão: NEGADA A REVISTA Sumário : 1. Não cabe ao Supremo Tribunal de Justiça sindicar a decisão proferida pelo Tribunal da Relação sobre a matéria de facto, fundada nos poderes conferidos pelo artigo 712.º do Código de Processo Civil, por tal extravasar os poderes cognitivos delimitados nos artigos 712.º, n.º 6, 722.º, n.º 2, e 729.º, n.º 2, do Código de Processo Civil, nem extrair ilações da matéria de facto assente, mas sim aplicar definitivamente o regime jurídico que julgue adequado aos factos materiais fixados pelo tribunal recorrido.

  1. Perante a factualidade dada como provada, não é possível concluir que a ré tenha empregue qualquer sugestão ou artifício com a intenção ou consciência de induzir ou manter em erro o autor, ao propor-lhe a celebração de um acordo de cessação do respectivo contrato de trabalho.

  2. Embora se tenha provado que o trabalhador, sem a deliberação de extinção da ré, não teria acordado a revogação do contrato de trabalho, a verdade é que a deliberação de extinção da ré foi efectivamente tomada e não se provou que tal deliberação visasse levar o autor a subscrever aquele acordo de revogação, termos em que a matéria de facto apurada não integra o invocado erro sobre o objecto do contrato e sobre os motivos, não sendo atendível o disposto nos artigos 251.º e 252.º, n.º 1, do Código Civil.

  3. Embora a deliberação de extinção da ré tivesse sido elemento essencial para que fosse acordada a revogação do contrato de trabalho e a deliberação de manutenção da actividade não fosse uma situação normal, após ser deliberada a sua extinção, o reconhecimento da validade do referido acordo não afecta gravemente os princípios da boa fé contratual, atendendo a que se verificou a extinção do núcleo essencial das funções que o autor vinha desempenhando e porque não se demonstrou que a deliberação de extinção da ré tivesse tido como objectivo fazer cessar os contratos de trabalho vigentes, para depois, retomada a actividade, celebrar apenas os contratos que fossem entendidos.

    Decisão Texto Integral: Acordam na Secção Social do Supremo Tribunal de Justiça: I 1.

    Em 3 de Janeiro de 2006, no Tribunal do Trabalho de Aveiro, AA instaurou acção declarativa de condenação, com processo comum, emergente de contrato individual de trabalho contra ASSOCIAÇÃO MUSICAL BB, pedindo que: (a) se reconheça ter existido a efectiva reintegração no respectivo posto de trabalho, condenando-se a ré a reconhecê-lo, a pagar as retribuições vencidas e vincendas e a colocar ao seu dispor as condições para o normal exercício da sua actividade profissional, nomeadamente facultando o acesso ao local de trabalho e aos respectivos meios; caso assim não se entenda, (b) se declare nulo o acordo revogatório do contrato de trabalho outorgado entre autor e ré face a reserva mental e abuso de direito; ou, assim não se entendendo, (c) seja o mesmo anulado por erro ou (d) seja o mesmo considerado resolvido em virtude de alteração anormal das circunstâncias; mas sempre com a condenação da ré (e) a reintegrá-lo no posto de trabalho, sem prejuízo da categoria e antiguidade, (f) a pagar-lhe as retribuições vencidas e vincendas, incluindo subsídios de Natal e férias, que deixou de auferir desde a data do acordo revogatório até ao trânsito em julgado da decisão a proferir, (g) a pagar-lhe € 5.000, a título de indemnização por danos não patrimoniais, (h) a pagar-lhe a quantia a apurar em execução de sentença pela actividade profissional exercida em favor da ré posteriormente ao acordo de cessação do vínculo laboral, (i) a pagar-lhe juros de mora, à taxa legal, até efectiva liquidação.

    Alegou, em suma, que a ré criou o organismo artístico designado «Orquestra Filarmonia BB», tendo sido admitido ao serviço da ré, em 2 de Fevereiro de 1997, para exercer as funções inerentes à categoria profissional de director executivo, sendo certo que, em 7 de Outubro de 2004, as partes subscreveram acordo escrito de cessação do vínculo laboral, recebendo € 36.006,96 como indemnização, acordo que apenas foi subscrito porque na assembleia-geral extraordinária da ré, realizada no dia anterior, fora deliberada a dissolução da ré, com a consequente extinção dos postos de trabalho; no entanto, em Julho de 2005, em assembleia-geral da ré, foi deliberado manter a aludida Orquestra, tendo, então, feito diligências para retomar o seu posto de trabalho, mas sem êxito, acrescentando que, não obstante a sobredita deliberação de dissolução, continuou a exercer, entre Outubro de 2004 e Março de 2005, a sua actividade profissional, sem auferir retribuição.

    Mais invocou que a declaração de revogação do vínculo laboral é nula ou anulável porque contrária à sua vontade real, assentando num pressuposto errado, sabendo a ré que o autor só o assinou «por acreditar que a Ré iria efectivamente ser extinta», ao que acresce que a deliberação de dissolução apenas serviu para extinguir postos de trabalho para resolução de conflitos existentes, já com o intuito de mais tarde ser retomada a actividade «a partir do zero», sendo que as circunstâncias em que assentou o acordo de cessação se alteraram supervenientemente, e que a forma como viu ser deliberada a dissolução da ré causou-lhe tristeza, sentindo-se depois enganado, com ansiedade de voltar ao seu posto de trabalho e, porque impedido de tal, sentiu elevada angústia, mal-estar físico e psicológico, fortes dores de cabeça e insónias, preocupações, consternação e isolamento, bem como irritação e dificuldade em perspectivar um rumo a seguir face à sua situação vivencial.

    A ré contestou, invocando, por um lado, a prescrição do direito de acção, na medida em que o acordo de revogação do contrato de trabalho foi celebrado em 7 de Outubro de 2004 e a citação verificou-se mais de um ano depois, ao que acresce que, ainda que se considere o conhecimento do erro como início do prazo, o mesmo já decorrera aquando da instauração da acção; por outro lado, a deliberação de dissolução da ré teve por base a verificação de que a continuação da actividade não era possível, sendo a deliberação de continuação da actividade o culminar de um processo, que se iniciou após a dissolução, com vista a viabilizar o projecto. Acrescentou que o autor litiga de má-fé, pois sabe que a deliberação de dissolução da ré foi tomada por ser a única solução para a situação então existente e que não tem direito ao peticionado e, ainda assim, instaurou a acção, agindo em abuso do direito.

    Conclui que se deve julgar procedente a excepção invocada, condenando-se o autor como litigante de má fé, em multa a determinar e indemnização de € 25.000, acrescida de juros, ou, então, julgar-se improcedente a acção, condenando-se o autor como litigante de má fé, nos termos referidos.

    O autor respondeu, sustentando, por um lado, que a acção foi proposta em tempo e, por outro lado, que é a ré quem litiga de má fé, porquanto alega factos que sabe não serem verdadeiros, concluindo que a excepção deduzida deve ser julgada improcedente, tal como a alegação de abuso de direito e litigância de má fé, devendo a ré ser condenada como litigante de má fé, em multa e indemnização condigna.

    No despacho saneador, julgou-se improcedente a excepção de prescrição, relegando-se o conhecimento da excepção de caducidade para final.

    Realizado julgamento, com gravação da prova, foi proferida sentença que julgou a acção improcedente e absolveu a ré dos pedidos contra si formulados.

  4. Inconformado, o autor interpôs recurso de apelação, no qual impugnou a decisão do tribunal de 1.ª instância sobre a matéria de facto e sustentou a invalidade do acordo revogatório do contrato de trabalho ajustado entre as partes, sendo que a Relação julgou improcedente o recurso, confirmando a sentença impugnada.

    É contra esta decisão que o autor se insurge, mediante recurso de revista, ao abrigo das conclusões que se passam, de imediato, a transcrever: «1– O Acórdão proferido e ora recorrido omite pronúncia quanto a questões de direito de análise essenciais suscitadas, designadamente quanto a matéria respeitante a Abuso de Direito e/ou Dolo, Erro, e/ou Alteração Anormal das Circunstâncias.

    2– A vontade da Ré, enquanto pessoa colectiva, resulta das vontades dos seus associados, a Ré quando tomou a deliberação de dissolução, subsequente liquidação e consequente extinção estava consciente — ou tinha, pelo menos, obrigação disso — da possibilidade desta não vir efectivamente a acontecer.

    3– Não se pode indissociar que a análise do cidadão médio normal, diligente — como o A. — perante os factos em questão, não é quanto à conceptualização jurídica dos conceitos de dissolução e extinção da associação, mas sim quanto ao facto desta vir a encerrar e desaparecer, deixar de existir funcional, activa e efectivamente! 4– Não basta a mera referência legal ao modus operandi de extinção das associações, e desse modo concluir que foi cumprido o pressuposto do acordo revogatório, porquanto o que está em causa para um cidadão médio e diligente é precisamente o encerramento funcional definitivo da entidade.

    5– Isto é dizer que, sempre se pode evidenciar existência de dolo provocado por terceiro, no caso, associados da Ré — dolo que era ou devia ser cognoscível da Direcção — que ao deliberarem como deliberaram, tinham já ciente a possibilidade ou interesse de alguns na continuidade do projecto e a omitiram.

    6– O dolo pode decorrer de uma conduta omissiva, isto é, através do silêncio induzir em erro ou conformar-se com tal facto, vide Ac. TRC de 9-6-1976, CJ, 1.º – 291.

    7– Quando a Ré propôs ao A. o acordo de cessação do contrato de trabalho com base na extinção do seu posto de trabalho, tinha consciência de induzir ou manter em erro o A., porquanto o que transmitiu ser uma decisão definitiva, afinal, não o era ou veio a ser, sabendo a Ré, existir o intuito ou uma cadeia de opinião dos seus associados, do projecto subsistir ou renascer, ainda que noutros moldes.

    8– A Ré sempre terá agido no mínimo...

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