Acórdão nº 462/06.2TTMTS.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 20 de Janeiro de 2010

Magistrado ResponsávelMÁRIO PEREIRA
Data da Resolução20 de Janeiro de 2010
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

S Privacidade: 1 Meio Processual: REVISTA Decisão: NEGADA A REVISTA Sumário : I - Tendo o acórdão da Relação negado provimento à apelação do Autor e mantido a sentença, que havia absolvido a Ré dos pedidos, não tinha esta, porque não vencida, legitimidade para interpor revista, conforme o disposto no art. 680.º, do CPC.

II - No descrito circunstancialismo apenas poderia a Ré, nos termos do art. 684.º-A, ns.º 1 e 2, do CPC – como, aliás, também o fez – ampliar, na sua contra-alegação, o objecto da revista interposta pelo Autor, aí discutindo o por si invocado erro de qualificação do contrato, alegadamente cometido pelo Acórdão recorrido, e a por si arguida nulidade do mesmo.

III - A arguição de nulidades do Acórdão da Relação deve ser feita, expressa e separadamente, no requerimento de interposição da revista, sob pena de ser inatendível e não conhecida pelo STJ, como resulta do disposto no art. 77.º, n.º 1, do Código de Processo do Trabalho (aplicável também aos acórdãos da Relação nos termos conjugados dos arts. 1.º, n.º 2, al. a), desse Código, e 716.º, n.º 1, do CPC).

IV - Enferma da nulidade prevista na al. c), do n.º 1, do art. 668.º, do CPC, o Acórdão da Relação que, divergindo do entendimento professado na sentença da 1.ª instância – que veio a considerar não ser laboral o vínculo existente entre Autor e Ré –, conclui que a relação contratual que existiu entre o recorrente e a recorrida entre 01.05.1986 e 31.10.2005, constituiu um contrato de trabalho mas que, por razões que não surgem explicitadas, se quedou por esse entendimento e afirmação, na fundamentação, que não traduziu na sua parte decisória, da qual ficou a constar a afirmação do não provimento do recurso interposto pelo Autor e da confirmação da sentença.

V - Estando em causa uma relação jurídica cuja execução perdurou de 1 de Maio de 1986 a 31 de Outubro de 2005 e não se extraindo da matéria de facto provada que as partes tivessem alterado, a partir de 1 de Dezembro de 2003, os termos em que, na prática, se executava essa relação jurídica, à sua qualificação aplica-se o regime jurídico do contrato individual de trabalho, aprovado pelo DL n.º 49 408, de 24 de Novembro de 1969 (LCT), não tendo aplicação, in casu, o Código do Trabalho, atento o disposto no art. 8.º, n.º 1, da Lei Preambular que o aprovou.

VI - O contrato de trabalho tem como objecto a prestação de uma actividade e, como elemento típico e distintivo, a subordinação jurídica do trabalhador, traduzida no poder do empregador de conformar, através de ordens, directivas e instruções, a prestação a que o trabalhador se obrigou.

VII - Diversamente, no contrato de prestação de serviço, o prestador obriga-se à obtenção de um resultado, que efectiva por si, com autonomia, sem subordinação à direcção da outra parte.

VIII - Tratando-se, em ambos os casos, de negócios jurídicos de natureza consensual, é essencial, para proceder à qualificação da relação jurídica em uma ou outra figura, averiguar qual a vontade pelas partes revelada, quer quando procederam à qualificação do contrato, quer quando definiram as condições em que se exerceria a actividade – ou seja, quando definiram a estrutura da relação jurídica em causa – e proceder à análise do condicionalismo factual em que, em concreto, se desenvolveu o exercício da actividade no âmbito daquela relação jurídica.

IX - A subordinação jurídica, característica basilar do vínculo laboral e elemento diferenciador do contrato de trabalho, implica uma posição de supremacia do credor da prestação de trabalho e a correlativa posição de sujeição do trabalhador, cuja conduta pessoal, na execução do contrato, está necessariamente dependente das ordens, regras ou orientações ditadas pelo empregador, dentro dos limites do contrato e das normas que o regem.

X - A subordinação deduz-se de factos indiciários, todos a apreciar em concreto e na sua interdependência, sendo os mais significativos: a sujeição do trabalhador a um horário de trabalho; o local de trabalho situar-se nas instalações do empregador ou onde ele determinar; existência de controlo do modo da prestação de trabalho; obediência às ordens e sujeição à disciplina imposta pelo empregador; propriedade dos instrumentos de trabalho por parte do empregador; retribuição certa, à hora, ao dia, à semana ou ao mês; exclusividade de prestação do trabalho a uma única entidade.

XI - Dado que os factos reveladores da existência do contrato de trabalho se apresentam como constitutivos do direito que, com base neles, se pretende fazer valer na acção, cabe ao Autor o respectivo ónus da prova, nos termos do artigo 342.º, n.º 1, do Código Civil.

Decisão Texto Integral: Acordam na Secção Social do Supremo Tribunal de Justiça: I - O autor AA intentou, em 11 de Maio de 2006, acção comum, emergente de contrato individual de trabalho, no TT de Matosinhos, contra a ré BB, Lda, alegando, em resumo, que foi admitido ao serviço da ré, em 01.05.1986, data em que ambos subscreveram um contrato intitulado "contrato de prestação de serviços"; que exerceu as funções de cobrança dos valores constantes da facturação da ré, de forma subordinada; e que, em 15.10.2005, foi pressionado a assinar um "acordo de cessação de contrato de prestação de serviços", com efeitos a partir de 31.10.2005, tendo recebido, como compensação global, a quantia de € 95.000,00.

Concluiu, pedindo que seja: - Declarado que o contrato celebrado entre Autor e Ré é um contrato de trabalho que vigora desde 1 de Maio de 1986; - Declarado nulo o acordo de revogação do contrato de prestação de serviços, por violar o artigo 280.°, n.°s 1 e 2 do CC, ou, caso assim se não entenda; - Declarado anulado, por erro, o mencionado acordo de cessação do contrato de prestação de serviços; - A ré condenada a reintegrá-lo com todos os direitos adquiridos, ou caso ele assim não opte, a pagar-lhe uma indemnização correspondente a 45 dias de retribuição base (1.600,00 €) e diuturnidades por cada ano completo ou fracção de antiguidade, decorrido desde a data do início do contrato até ao trânsito em julgado da decisão judicial; - A ré condenada a pagar-lhe as retribuições que deixou de auferir desde o dia 31 de Outubro de 2005 até ao trânsito em julgado da decisão judicial; - A ré condenada a pagar à Segurança Social todas as contribuições (quotizações) em dívida, que lhe deveriam ter sido entregues por força de entre as partes vigorar um contrato de trabalho, remetendo-se quantificação do pedido para sede de execução de sentença, por força da aplicação do artigo 661.°, n.° 2 do CPC; - A ré condenada a pagar-lhe os montantes devidos, a título de subsídio de refeição, pelos dias de trabalho, também a liquidar em sede de execução de sentença; - Em alternativa, no caso de se entender que o Autor teria de entregar à Ré, em consequência da anulabilidade do negócio, a quantia recebida pela celebração do acordo de cessação do contrato de prestação de serviços, julgar-se procedente por provada a compensação de créditos que invoca; - A ré condenada no pagamento dos juros de mora, à taxa legal, contados desde a citação até ao integral pagamento.

A ré contestou.

Em sede de excepção, invocou a incompetência material do Tribunal do Trabalho quanto ao pedido de condenação da R. a pagar as contribuições à Segurança Social, e a prescrição dessas contribuições.

Em sede de impugnação, além do mais, negou a existência de qualquer contrato de trabalho com o autor.

Concluiu no sentido da aludida incompetência e pela sua absolvição quanto aos demais pedidos.

O autor respondeu, defendendo a improcedência das excepções e concluindo como na p.i..

Foi proferido despacho saneador que, no que aqui interessa, julgou o Tribunal do Trabalho materialmente incompetente para conhecer do pedido de condenação da ré a pagar as contribuições em dívida à Segurança Social e julgou prejudicada a apreciação da excepção de prescrição de tais contribuições.

Instruída e discutida a causa, foi proferida sentença que julgou a acção improcedente e absolveu a R. dos demais pedidos.

Da sentença apelou o A., pedindo a alteração da matéria de facto e a procedência da acção quanto aos pedidos nela decididos.

Por seu douto acórdão, a Relação do Porto desatendeu a alteração da matéria de facto, entendeu que era contrato de trabalho o que vinculava as partes e decidiu, a final, “negar provimento ao recurso e manter a decisão recorrida”.

II - Irresignadas, as partes interpuseram recursos.

A R. fê-lo pelo requerimento de fls. 481 a 483, em que também arguiu a nulidade do acórdão recorrido, pelas razões dele constantes, depois repetidas nas conclusões 1ª a 6ª da respectiva alegação de recurso, que adiante serão reproduzidas.

O A. fê-lo pelo requerimento de fls. 484.

Nos recursos, que foram admitidos como revistas (ver fls. 490 e 602), foram formuladas as seguintes conclusões: Na revista da ré: 1ª. Na acção que deu origem ao recurso à margem identificado, o então Autor pediu, entre outros, que fosse declarada a existência de um contrato de trabalho entre si e a então Ré.

  1. A sentença proferida em primeira instância considerou, e bem, não ter existido qualquer contrato de trabalho e, consequentemente, julgou a acção totalmente improcedente, por não provada, e absolveu a ora Recorrente de todos os pedidos contra si formulados.

  2. Um dos fundamentos do recurso que o então Autor interpôs para o Tribunal da Relação, foi precisamente o de considerar que existiu um contrato de trabalho entre si e a então Recorrida, pedindo a consequente alteração da sentença recorrida.

  3. O acórdão de que agora se recorre negou provimento ao recurso e manteve na totalidade a decisão recorrida, mas, em contradição com tal decisão, concluiu pela existência de um contrato de trabalho entre o então Recorrente e a Recorrida.

  4. Ora, se o acórdão ora recorrido concluiu pela existência de um contrato de trabalho entre o então Recorrente e a Recorrida, alterou nessa parte a sentença proferida em primeira instância, o que está em contradição com a decisão...

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