Acórdão nº 362/07.9TTCBR.C1.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 13 de Janeiro de 2010
Magistrado Responsável | PINTO HESPANHOL |
Data da Resolução | 13 de Janeiro de 2010 |
Emissor | Supremo Tribunal de Justiça (Portugal) |
S Privacidade: 1 Meio Processual: REVISTA Decisão: NEGADA A REVISTA Sumário : 1. Resultando do teor literal das Cláusulas I.ª, n.º 1, e II.ª, n.os 1 e 2, do contrato de trabalho a termo certo firmado entre as partes a menção expressa dos factos que integram o motivo justificativo da contratação a termo, os quais permitem estabelecer a relação entre a justificação invocada e o termo estipulado, não se verifica a ofensa do disposto no artigo 131.º, n.os 1, alínea e), e 3, do Código do Trabalho de 2003.
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Na contratação de trabalhador a termo certo, com excepção das situações de estipulação de prazo inferior a 6 meses, o termo pode ser inferior ao necessário para a satisfação da necessidade temporária invocada como sua justificação, sendo certo que a lei se limita a impor que a duração do contrato não exceda a duração da justificação, mas não proíbe que fique aquém desta.
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No contexto da relação contratual de trabalho a termo certo ajustada entre as partes, não configura uma situação de despedimento a comunicação endereçada pela empregadora à autora, informando-a que não pretendia renovar o contrato de trabalho a termo celebrado, «pelo que este caducava a partir de Novembro de 2006, cessando as funções da autora, na ré, em 31 de Outubro de 2006».
Decisão Texto Integral: Acordam na Secção Social do Supremo Tribunal de Justiça: I 1.
Em 2 de Abril de 2007, no Tribunal do Trabalho de Coimbra, 2.º Juízo, AA instaurou a presente acção declarativa, com processo comum, emergente de contrato de trabalho contra ASSOCIAÇÃO DE DESENVOLVIMENTO DAS TERRAS DO REGADIO, pedindo: (a) se considere o contrato de trabalho celebrado entre as partes como sem termo e se declare a ilicitude do despedimento da autora pela ré, por inexistência de justa causa e de processo disciplinar; (b) se condene a ré a reintegrá-la no seu posto de trabalho, sem prejuízo da categoria, retribuição e antiguidade, ou, se assim vier a optar, a pagar-lhe a indemnização legal de antiguidade, no mínimo igual à retribuição de três meses, e, sempre, a pagar-lhe a quantia de € 1.793,09, a título de retribuições vencidas desde a data do despedimento e as retribuições que se vencerem até ao trânsito em julgado da sentença; sem prescindir, (c) caso se considere aplicável o disposto no artigo 440.º do Código do Trabalho, a condenação da ré a reintegrá-la, se o termo de dois anos ocorrer posteriormente ao trânsito em julgado da sentença, acrescida das retribuições que teria auferido desde a data do despedimento até à data de reintegração ou, caso contrário, a pagar a quantia de € 24.861,97, correspondente às retribuições que deixou de auferir desde a data do despedimento até ao termo, que seria em 31 de Outubro de 2006; em qualquer dos casos, (d) a condenação da ré a pagar-lhe a quantia de € 9.000, a título de indemnização pelos danos não patrimoniais emergentes de despedimento ilícito; (e) a condenação da ré a pagar-lhe juros de mora, à taxa legal, desde a data da citação até efectivo e integral pagamento.
Alegou, em resumo, que foi contratada para trabalhar ao serviço da ré como coordenadora do «Projecto i9-Tur», mediante a retribuição mensal ilíquida de € 1.712,66, acrescida de subsídio de almoço diário de € 3,83. Tal contrato foi celebrado pelo prazo de um ano, sujeito a renovação por igual período. Apesar dos esforços da autora no exercício das suas funções e dos resultados conseguidos, bem como de o Projecto em causa ter a duração prevista de dois anos, a ré manifestou formalmente a sua intenção de não renovar o contrato para além do primeiro ano de vigência, não invocando qualquer facto consubstanciador de justa causa de despedimento, nem organizando qualquer processo disciplinar, sendo que, por força de tal comunicação, a autora deixou de prestar serviço à ré ou a qualquer outra entidade a partir de 1 de Novembro de 2006, apesar daquele Projecto continuar em execução, tendo ficado chocada, indignada e frustrada com o comportamento da ré.
Ora, prossegue a autora, o contrato firmado, além de definir de modo excessivamente genérico o motivo justificativo da aposição de termo certo, não faz qualquer referência à relação entre a justificação invocada e o termo estipulado, pois, se o fosse, o termo necessariamente seria de dois anos e não de um, pelo que, por força do disposto no n.º 4 do artigo 131.º do Código do Trabalho, deve considerar-se inválida a estipulação do termo e o contrato reputar-se por tempo indeterminado, correspondendo a dispensa da autora a um despedimento ilícito.
A ré contestou, alegando que a prestação profissional da autora esteve longe de corresponder às expectativas da ré e dos parceiros do Projecto, com os quais a autora criou frequentes conflitos e incompatibilidades pessoais, sendo que a própria autora já havia comunicado, anteriormente, a diversos elementos da direcção da ré, a sua desmotivação para continuar a desenvolver as funções para que fora contratada; doutro passo, aduziu que a minuta do contrato foi entregue antecipadamente à autora antes de o assinar, para que fosse examinada por uma sua irmã advogada, não se vendo razões para que questione agora a sua validade ou rigor técnico-jurídico, uma vez que o termo aposto se encontra devidamente justificado, obedecendo a todos os requisitos legais, inexistindo fundamento para qualquer dos pedidos da autora.
Após o julgamento, foi proferida sentença que julgou a acção improcedente.
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Inconformada, a autora apelou, tendo o Tribunal da Relação de Coimbra confirmado inteiramente a sentença impugnada, negando provimento ao recurso.
É contra esta decisão que a autora se insurge, mediante recurso de revista, em que formula as seguintes conclusões: «1ª – A única referência constante do contrato de trabalho a termo celebrado entre a A. e a R. pelo prazo de um ano para justificar o termo estipulado é a seguinte: “alínea g) do n.º 2 do art. 129.º do CT, para desenvolver funções no âmbito do Projecto i9 – Tur (PIC EQUAL, Acção 2)”.
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– Esta justificação não satisfaz as exigências do disposto no art. 131.º, n.º 1, alínea e), e n.º 3 do Código do Trabalho, aprovado pela Lei 99/2003 de 27/8, devendo ser considerado o contrato de trabalho sem termo por força do disposto no art. 131.º citado, n.º 4. Na verdade, 3ª – A formalidade exigida pelas disposições legais citadas na conclusão anterior é "ad substantiam", não podendo a falta ou insuficiência de justificação do termo ser suprida por outros meios de prova e só podendo ser considerados como motivo justificativo do termo os constantes do próprio contrato, sendo irrelevantes os factos provados em audiência de julgamento que não tenham expressão no texto do contrato.
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– Os factos 32. e 33. elencados no Acórdão recorrido, a que o Tribunal "a quo" recorreu para conhecer a duração do Projecto e a data do seu início, não podem ser invocados para preencher a lacuna da justificação constante do contrato, que omite a duração do projecto e a data do seu início, não sendo por isso possível, com base no texto do próprio contrato, estabelecer o nexo de causalidade entre duração do motivo justificativo e a do próprio contrato.
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– A insuficiência do motivo justificativo converte o contrato de trabalho a termo celebrado entre a A. e a R. em contrato sem termo e a comunicação de não renovação do contrato realizada pela R. em despedimento ilícito por inexistência de justa causa e de processo disciplinar, com as consequências peticionadas (art.s 129.º, 131.º, n.º 1, al.
e), n.os 3 e 4, 383.º, 384.º, 387.º, 396.º, 411.º a 416.º, 429.º a 440.º do Código do Trabalho).
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– Mesmo que se admita, no que se não concede, que a descrição do motivo justificativo constante do contrato de trabalho é suficiente, a circunstância de o Projecto previsto no contrato ter a duração de 24 meses e ter tido início em 1 de Novembro de 2005 e de no contrato de trabalho se haver estipulado o prazo de apenas 12 meses e de o mesmo contrato ter cessado em 1 de Novembro de 2006 por iniciativa unilateral e não motivada da R., quando ainda estava em curso de execução o Projecto e estavam programadas actividades que se prolongavam por 2007 até à conclusão do previsto prazo de 24 meses, tornam a estipulação do termo ilícita e fazem com que a caducidade provocada pela R. se reconduza a um despedimento ilícito por força dos princípios da segurança no emprego, da proibição do despedimento sem justa causa e do direito ao trabalho consagrados nos art.s 53.° e 58.° da Constituição da República.
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– A conjugação dos referidos princípios constitucionais impõe que a contratação a termo tenha carácter excepcional, que a lei ordinária respeite tais princípios e que a interpretação da lei seja conforme aos imperativos constitucionais.
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– Os preceitos dos art.s 129.º, 131.º, n.º 1, al.
e), n.os 3 e 4, e 142.º do Código do Trabalho são inconstitucionais na interpretação que deles faz a sentença de 1.ª Instância e o Acórdão recorrido no sentido de que, sendo transitório o motivo justificativo do contrato de trabalho a termo, não há limite, para além do constante do art. 142.º citado e do da duração da actividade justificativa da contratação, para a fixação do termo, que não pode ser superior ao de duração dessa actividade, mas pode ser inferior e ser operada a caducidade do contrato mesmo que a actividade justificativa perdure para além da caducidade do contrato.
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– A questão não se coloca só na dicotomia entre o contrato de trabalho sem termo, que melhor realiza os mencionados princípios constitucionais, e o contrato de trabalho a termo, de carácter excepcional; põe-se também entre, por um lado, a interpretação que legitima a contratação a termo e a caducidade do contrato por iniciativa do empregador mesmo que o motivo justificativo tenha uma duração prevista superior ao termo convencionado e perdure para além do termo convencionado e ou da caducidade do contrato e, por outro lado, a interpretação que correlaciona de modo mais estrito a duração do termo com a duração do motivo...
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