Acórdão nº 1164/07.8TTPRT.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 13 de Janeiro de 2010

Magistrado ResponsávelPINTO HESPANHOL
Data da Resolução13 de Janeiro de 2010
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

S Privacidade: 1 Meio Processual: REVISTA Decisão: NEGADA A REVISTA Sumário : 1. A decisão penal condenatória, transitada em julgado, no respeitante ao autor e à ré, que intervieram na acção penal, na qualidade, respectivamente, de arguido e de assistente, tem eficácia absoluta no tocante aos factos constitutivos da infracção, que não poderão, assim, voltar a ser discutidos dentro ou fora do processo penal, sendo o julgamento desses factos definitivos quanto ao arguido.

  1. A possibilidade de ilidir a presunção juris tantum estabelecida no artigo 674.º-A do Código de Processo Civil, conferida a terceiros, nunca é concedida ao arguido condenado, mas apenas aos sujeitos processuais não intervenientes no processo criminal, em homenagem ao princípio do contraditório.

  2. Provando-se que a falsificação da escrita, a viciação e destruição de documentos, ainda estava em curso quando, em Abril de 1992, se iniciou a auditoria promovida pela empregadora, que antecedeu a instauração do processo disciplinar, em 25 de Maio de 1992, não se verifica a invocada prescrição das infracções disciplinares.

  3. A factualidade apurada traduz uma violação continuada dos deveres de lealdade e de realização do trabalho com zelo e diligência, legitimando a conclusão de que tal conduta é idónea a quebrar de forma definitiva e irremediável a relação de confiança entre as partes, verificando-se, assim, justa causa para o despedimento.

    Decisão Texto Integral: Acordam na Secção Social do Supremo Tribunal de Justiça: I 1.

    Em 30 de Outubro de 1992, no Tribunal do Trabalho do Porto, AA instaurou acção declarativa, com processo comum ordinário, emergente de contrato individual de trabalho contra BB, pedindo que fosse declarado ilícito o seu despedimento e se condenasse a ré a pagar-lhe as retribuições vencidas e vincendas desde o despedimento até à data da sentença, bem como a reintegrá-lo no seu posto de trabalho e, ainda, a pagar-lhe a quantia de 356.400$00, acrescidas, esta e aquelas, dos respectivos juros de mora até efectivo e integral pagamento.

    Em suma, alegou que foi admitido ao serviço da ré, em 20 de Novembro de 1948, para exercer as funções de paquete da secretaria, e após sucessivas promoções assumiu, em 1980, o cargo de administrador da ré, sendo que, em 21 de Abril de 1992, recebeu ordem de suspensão preventiva e, posteriormente, foi despedido sem justa causa, reputando de falsas todas as imputações constantes na nota de culpa.

    A ré contestou, invocando que, por suspeita de irregularidades nas contas referentes ao exercício de 1989, decidiu mandar efectivar uma auditoria e, na sequência da mesma, despediu o autor com justa causa; mais aduziu que pagou, ao autor, a retribuição da totalidade das férias, proporcionais de férias, subsídio de férias e 13.º mês relativos ao trabalho prestado até à data do despedimento.

    Procedeu-se à elaboração de especificação e questionário, que foram objecto de reclamação, parcialmente atendida, sendo que, por despacho de 20 de Janeiro de 1998, foi suspensa a instância até ser proferida decisão no processo-crime instaurado contra o autor, por respeitar, essencialmente, aos mesmos factos da nota de culpa.

    Em 20 de Junho de 2007, após ter sido documentado o trânsito em julgado do acórdão condenatório do autor, proferido no processo n.º 9762/92.6JAPRT, da 4.ª Vara Criminal do Porto, foi declarada a cessação daquela suspensão, ordenando-se a prossecução da tramitação processual atinente aos presentes autos.

    Em sede de audiência de discussão e julgamento, o Ex.mo Juiz, ponderando o valor probatório da certidão do acórdão condenatório do autor, decidiu, sem oposição das partes, introduzir uma nova alínea à especificação, a alínea L), aí consignando os factos julgados assentes no citado processo penal, tendo simultaneamente ordenando a eliminação dos quesitos n.os 5 a 59, inclusive, do questionário.

    Na mencionada decisão foram explicitadas as considerações seguintes: «Conforme resulta da certidão de fls. 788 a 817, por decisão judicial transitada em julgado, proferida no Processo [n.º] 9762/92.6JAPRT da 4.ª Vara Criminal do Porto, em que era arguido o aqui autor (e outro) e assistente a aqui ré, o ora Autor foi condenado em pena de prisão pela prática dos factos aí enunciados, que aqui se dão por reproduzidos.

    Por outro lado, não obstante a lei processual penal em vigor não regule concretamente o caso julgado, tal não significa que tal instituto não seja considerado e relevante em processo penal (v. Ac. STJ de 15/03/2006, in www.dgsi.pt).

    Acresce que, apesar de se ter retirado à decisão penal condenatória a eficácia erga omnes que era consagrada no art. 153.º do Código Processo Penal de 1929, o art. 674.º-A do Código de Processo Civil, na reforma introduzida pelo D.L. 329-A/95, de 12/12, veio regular a eficácia probatória extraprocessual da sentença penal condenatória transitada em julgado.

    Assim, face ao disposto em tal normativo, a condenação definitiva proferida em processo penal constitui relativamente a terceiros presunção ilidível no que concerne à existência dos factos que integram os pressupostos da punição e os elementos do tipo legal, as formas do crime, em quaisquer acções cíveis em que se discutam relações jurídicas dependentes da prática da infracção.

    Consequentemente, relativamente àqueles que intervieram no processo penal, (designadamente arguido e assistente), a decisão tem eficácia absoluta quanto aos factos constitutivos da infracção e a culpa, que não poderão assim voltar a ser discutidos dentro ou fora do processo penal, sendo o julgamento desses factos e da culpa sempre definitivos quanto ao arguido (v., neste sentido, Ac. Relação de Coimbra de 28/11/2006, Ac. Relação de Évora de 29/04/2004, Ac. S.T.J. de 09/12/2004 e Ac. S.T.J. de 13/11/2003, todos in www.dgsi.pt).

    Assim, os factos constitutivos da infracção e os relativos à culpa do arguido, aqui autor, não poderão ser objecto de novo julgamento, devendo ser atendidos como factos provados nos termos decididos na sentença penal, não podendo, por isso, constar do questionário (v., neste sentido, o Ac. do S.T.J., de 09/12/2004, citado).

    Em conformidade com todo o exposto, e melhor agora analisada a questão relativa à relevância da sentença penal condenatória em concreto junta aos autos, importa introduzir uma nova alínea na especificação, contendo os factos considerados provados naquela decisão, e eliminar os quesitos do Questionário respeitantes à mesma questão já julgada.» Ainda na mesma audiência de discussão e julgamento, as partes transigiram parcialmente quanto ao objecto da causa, concretamente no que dizia respeito ao pedido de pagamento da quantia de 365.400$00, transacção que foi julgada válida, determinando-se a extinção da instância no tocante àquele pedido.

    Após o julgamento, foi proferida sentença, que julgou a acção improcedente e, em consequência, absolveu a ré dos restantes pedidos formulados pelo autor.

  4. Inconformado, o autor interpôs recurso de apelação, tendo o Tribunal da Relação do Porto negado provimento ao recurso, sendo contra esta decisão que o autor se insurge, mediante recurso de revista, em que alinha as seguintes conclusões: «1. Dispunha o art. 12.º, n.º 4, do DL 64-A/89, que “Na acção de impugnação judicial do despedimento, a entidade empregadora apenas pode invocar factos constantes da decisão (...)” proferida no processo disciplinar.

  5. E dispunha o art. 10.º, n.º 9, do mesmo diploma, que na decisão disciplinar apenas poderiam ser considerados os factos constantes da nota de culpa.

  6. O alcance daquelas determinações legais limita igualmente a decisão judicial, ou seja, que o Tribunal apenas pode atender na sentença aos factos que constem da nota de culpa e/ou da decisão disciplinar.

  7. Ainda como corolário das regras supra mencionadas, mas não só, não poderia nem pode uma eventual condenação em processo-crime condicionar ou influenciar uma decisão em processo laboral, sendo ainda pacífica a inexistência entre ambas as acções de qualquer relação de prejudicialidade.

  8. Relativamente a práticas imputadas ao recorrente, o Tribunal de primeira instância considerou provado apenas o seguinte: “Por sentença transitada em julgado proferida no Processo n.º 9762/92.6JAPRT da 4.ª Vara Criminal do Porto, conforme certidão de fls. 788 a 817, em que eram arguidos o aqui Autor e CC e assistente a aqui Ré, o aqui Autor foi condenado em pena de prisão, pela prática de um crime de abuso de confiança agravado previsto e punido pelo art. 300.º, n.os 1 e 2, do Código Penal de 1982, pelos seguintes factos que aí foram julgados provados (...)”, tendo em seguida transcrito os factos julgados provados no referido processo-crime.

  9. Em primeira instância, a única prova produzida no processo laboral relativamente a essa matéria foi precisamente a junção aos autos da sentença proferida no processo-crime, o que, tendo em conta o facto de inexistir entre a acção penal e a acção laboral qualquer relação de prejudicialidade, foi manifestamente inadequado.

  10. Ao considerar a prolação da sentença no processo-crime para efeitos de avaliação da ilicitude do despedimento no presente processo, alicerçara-se o Tribunal de primeira instância num facto que não constava da acusação e/ou da decisão disciplinares, em clara inobservância do disposto no art. 12.º, n.º 4, do DL n.º 64-A/89, de 27 de Fevereiro.

  11. O Tribunal da Relação tentou emendar a falha atrás identificada aditando à decisão de facto da primeira instância, sob o n.º 12, um novo facto provado, o qual foi o seguinte: “A decisão de despedimento, referida sob o n.º 9, invocou, para tanto, os seguintes factos: (...)”, tendo em seguida transcrito os factos constantes da decisão no âmbito do processo disciplinar.

  12. Ora, com todo o respeito, trata-se de matéria que é em primeiro lugar insusceptível de consubstanciar qualquer facto e que, em qualquer circunstância, enferma das mesmas insuficiências e irregularidades imputadas anteriormente ao expediente observado pelo tribunal de...

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