Acórdão nº 330/04.2JAPTM-B.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 17 de Dezembro de 2009

Magistrado ResponsávelSOUTO DE MOURA
Data da Resolução17 de Dezembro de 2009
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

S Privacidade: 1 Meio Processual: RECURSO DE REVISÃO Decisão: NEGADA A REVISÃO Sumário : I - Os fundamentos do recurso extraordinário de revisão de sentença vêm taxativamente enunciados no art. 449.º do CPP, e visam o compromisso entre o respeito pelo caso julgado, e com ele a segurança e estabilidade das decisões, por um lado, e a justiça material do caso, por outro.

II - O fundamento a que alude o n.º 1, al. d), da citada norma legal exige que se descubram novos factos ou meios de prova. Essa descoberta pressupõe obviamente um desconhecimento anterior, de certos factos ou meios de prova, agora apresentados; a questão que desde o início se coloca quanto à interpretação do preceito, é a de se saber se o desconhecimento relevante é do tribunal, porque se trata de factos ou meios de prova não revelados aquando do julgamento, ou se o desconhecimento a ter em conta é o do próprio requerente, e daí a circunstância de este não ter levado ao conhecimento do tribunal os factos, ou não ter providenciado pela realização da prova, à custa dos elementos que se vieram a apresentar como novos.

III -A linha seguida, mais recentemente e praticamente sem discrepância, por este Supremo Tribunal é a de que não é necessário esse desconhecimento por parte do recorrente, bastando que os factos ou meios de prova não tenham sido tidos em conta, no julgamento que levara à condenação, para serem considerados novos.

IV -Orientação esta que deverá ser perfilhada, mas com uma limitação: os factos ou meios de prova novos, conhecidos de quem cabia apresentá-los, serão invocáveis em sede de recurso de revisão, desde que seja dada uma explicação suficiente, para a omissão, antes, da sua apresentação. Por outras palavras, o recorrente terá que justificar essa omissão, explicando porque é que não pôde, e, eventualmente até, porque é que entendeu, na altura, que não devia apresentar os factos ou meios de prova, agora novos para o tribunal.

V - Há um elemento sistemático de interpretação que não pode ser ignorado a este propósito e que resulta da redacção do art. 453.º, n.º 2, do CPP: o legislador revelou claramente, com este preceito, que não terá querido abrir a porta, com o recurso de revisão, a meras estratégias de defesa, nem dar cobertura a inépcias ou desleixos dos sujeitos processuais. Tal teria, na verdade, por consequência, a transformação do recurso de revisão – que é um recurso extraordinário –, num expediente que se poderia banalizar. Assim se prejudicaria, para além de toda a razoabilidade, o interesse na estabilidade do caso julgado, e também se facilitariam faltas à lealdade processual VI -Quando a lei se refere a “novos” factos ou meios de prova, não pôde deixar de incluir, obviamente, aqueles que não foram considerados no julgamento porque eram desconhecidos da parte interessada em invocá-los. Mas não só.

VII - Na verdade, quanto aos novos meios de prova já conhecidos da parte interessada e ulteriormente invocados (e, necessariamente, quanto aos factos a que tais meios se reportam e de que se pretende convencer o julgador), o art. 453.º, n.º 2, do CPP, explicita que só serão admitidos como novos meios de prova, tratando-se de testemunhas, desde que o requerente justifique que se dera o caso, de as mesmas terem estado impossibilitadas de depor.

VIII - Ora, se assim é em relação a testemunhas nunca ouvidas, por maioria de razão terá que o ser em relação a quem esteve presente no julgamento, testemunha ou não, e pôde prestar todas as declarações que quisesse.

IX -Qualquer outro entendimento levaria a que, caso, por ex., os arguidos, durante o julgamento, se tivessem remetido ao silêncio, ao verem-se condenados, sempre poderiam vir interpor recurso de revisão, alegando que agora já pretendiam pronunciar-se sobre os factos. Ou possibilitaria que testemunhas já ouvidas viessem alterar ou acrescentar o depoimento prestando, servindo isso para fundamentar o pedido de revisão.

X - Muito embora a recorrente tenha fundamentado o seu pedido de revisão, naquilo que pessoas vivas e com paradeiro conhecido têm para dizer, não lançou mão da possibilidade de pedir a respectiva audição, facultada pelo art. 453.º do CPP. Optou, sim, por apresentar como novos elementos de prova “… documentos originais probatórios …”.

XI -É indefensável pensar que, através de uma interpretação do n.º 2 do art. 453.º do CPP, precipitadamente a contrario, se não estiverem em causa testemunhas nunca ouvidas no processo, não haveria limites, para admissão do que quer que fosse, como “prova nova”.

XII - Concretamente, o facto de a suposta prova nova ter sido apresentada sob a forma de declarações escritas, as quais têm que ser encaradas, formalmente, como prova documental, em nada impede que se tenham que estabelecer restrições à sua apresentação, pelo contrário. Porque, indiscutivelmente, com a mediação resultante de uma audição, levada a cabo pela autoridade judiciária, poderá aferir-se, muito melhor, a relevância da nova prova apresentada, e, a partir dela, a eventual injustiça da condenação.

XIII - A simples diferença no suporte formal das declarações ou depoimentos veiculados, não tem qualquer relevância para efeito de restrições à admissibilidade de prova nova. O que está em causa, no caso, é o que as pessoas têm para dizer, e, sobretudo, porque é que o vêm fazer só tardiamente. Não o instrumento que usam para o fazer. A não ser assim, estaria encontrada uma forma muito simples de ser ignorada a razão de ser, e de ser ladeado o próprio comando do n.º 2 do art. 453.º do CPP. Em vez de indicar testemunhas o requerente juntava “um documento” com o respectivo depoimento escrito.

XIV - Assim, não tendo sido apresentados novos factos ou elementos de prova que possam levantar fortes dúvidas sobre a justiça da condenação, nega-se a revisão.

Decisão Texto Integral: REVISÃO DE SENTENÇA Em processo comum com o nº 330/04.2 JAPTM, por tribunal de júri, e no 1ª Juízo Criminal da Comarca de Portimão, a 11/11/2005, juntamente com o co-arguido seu irmão, foi condenada AA, na pena conjunta de 20 anos e 4 meses de prisão, pela prática de dois crimes p. e p. respectivamente nos art.ºs 131º e 132º nº 1 e 2 al a) e b) do C. P. [homicídio qualificado] e no art.º 254º nº 1 al. a) [ocultação e profanação de cadáver].

Interposto recurso para este S.T.J., a condenada obteve parcial provimento, sendo-lhe aplicada a pena única de 16 anos e 8 meses de prisão, por decisão de 20/4/2006, entretanto transitada em julgado a 6/7/2006 (Pº 363/06 desta mesma 5ª Secção).

A arguida interpõe agora recurso extraordinário para revisão de sentença, nos termos da al. d) do nº 1 art.º 449º do C.P.P., ou seja, por “Se descobrirem novos factos ou meios de prova que, de per si ou combinados com os que foram apreciados no processo, suscitem graves dúvidas sobre a justiça da condenação”.

A - PEDIDO Transcreve-se o pedido formulado: “AA, condenada nos autos supra referenciados, vem por este meio interpor Recurso Extraordinário de Revisão de Sentença, com base na alínea d) do n° 1 do artigo 449 do Código de Processo Penal ("Se descobrirem novos factos ou meios de prova que, de per si ou combinados com os que foram apreciados no processo, suscitem graves dúvidas sobre a justiça da condenação"), juntando em anexo para o efeito sete documentos originais probatórios num total de dezoito páginas, e dois documentos exactamente conformes os originais num total de três páginas. E assim procede com base legal no artigo 29 n° 6 da Constituição da República Portuguesa, e nos artigos 449, n° 1 ai. d) e n°s 2 a 4, 450 n° 1 al. c), 451, 452, 453, 454, 455, 457, 459, 461, 462 e 466, todos do Código de Processo Penal.

Recurso Extraordinário de Revisão de Sentença para o Supremo Tribunal de Justiça Excelentíssimos Juízes Conselheiros: AA, condenada nos autos supra referenciados, vem por este meio apresentar Recurso Extraordinário de Revisão de Sentença, com base na alínea d) do n° 1 do artigo 449 do Código de Processo Penal ("Se descobrirem novos factos ou meios de prova que, de per si ou combinados com os que foram apreciados no processo, suscitem graves dúvidas sobre a justiça da condenação"), juntando em anexo para o efeito sete documentos originais probatórios num total de dezoito páginas, e dois documentos exactamente conformes os originais num total de três páginas. E assim procede com base legal no artigo 29 n° 6 da Constituição da República Portuguesa, e nos artigos 449, n° 1 ai. d) e n°s 2 a 4, 450 n° 1 ai. c), 451, 452, 453, 454, 455, 457, 459, 461,462 e 466, todos do Código de Processo Penal.

Pelo que passa a motivar em cumprimento dos termos legais.

  1. INTRODUÇÃO1ºAA, doravante designada por Recorrente, foi condenada como co-autora do crime de homicídio qualificado, previsto e punido pelos artigos 131 e 132 n°s 1 e 2 alíneas a) e b), do Código Penal, na pena de 16 anos de prisão, e ainda condenada pelo crime de ocultação e profanação de cadáver, previsto e punido no artigo 254, n° 1, ais. a) e b), do mesmo diploma legal, na pena de 2 anos de prisão, sendo que em cúmulo jurídico foi condenada na pena única de 16 anos e 8 meses de prisão efectiva. O Tribunal da matéria de facto que condenou por último a Recorrente foi o Tribunal Judicial da Comarca de Portimão, no âmbito do Processo n° 330/04.2JAPTM do Tribunal de Júri do 1º Juízo Criminal, cujo acórdão foi alvo do Processo n° 363/06-5 no Supremo Tribunal de Justiça, tendo daqui resultado com trânsito em julgado a condenação e penas mencionadas. O homicídio a que a Recorrente foi condenada teria como suposta vítima a sua filha desaparecida BB.

    1. A decisão proferida pelo último Tribunal da matéria de Direito (Supremo Tribunal de Justiça) a apreciar o processo não foi unânime, tendo dois Insignes Juízes Conselheiros, num total de cinco (diferença de apenas um voto), votado expressamente contra a condenação da Recorrente por homicídio da filha BB, por considerarem que o Tribunal de Júri "violou o princípio da presunção de inocência" e que como tal a condenação...

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