Acórdão nº 1102/03.7TBILH.C1.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 03 de Dezembro de 2009

Magistrado ResponsávelLOPES DO REGO
Data da Resolução03 de Dezembro de 2009
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

S Privacidade: 1 Meio Processual: REVISTA Decisão: CONCEDIDA A REVISTA Sumário : 1.Intentada acção de reivindicação de um prédio rústico, provando-se nela , por via da presunção não ilidida do art. 7º do CRP, o direito de propriedade do reivindicante e constando do processo documentos autênticos - escritura de compra e venda e alvará de loteamento – que definem a área do prédio reivindicado, a entrega da totalidade do prédio ao reivindicante só pode ser obstada com base em qualquer relação obrigacional ou real que legitime a recusa de restituição do imóvel por parte do demandado.

  1. Oposta à pretensão do reivindicante contra-direito, fundado em invocada acessão industrial imobiliária, o pedido reconvencional deduzido só pode proceder se, para além do preenchimento dos requisitos especificamente previstos no CC, a aquisição potestativa originária da propriedade, potenciada pelo instituto da acessão, não implicar violação de normas imperativas, reguladoras da edificação e do ordenamento do território, as quais, visando proteger interesses de ordem pública, constitucionalmente consagrados, vinculam o Estado e, obviamente, também os Tribunais.

  2. Não pode considerar-se verificada a aquisição por acessão do direito de propriedade sobre uma parcela de prédio alheio, envolvendo aquisição de áreas diferentes dos lotes, tal como estes se mostram definidos em alvará de loteamento, sem que dos autos conste a prova, a produzir pelos réus por se tratar de elemento constitutivo do direito de que se arrogam, de que a alteração dos lotes é lícita face às normas imperativas que regem o procedimento e a execução do loteamento.

    Decisão Texto Integral: Acordam no Supremo Tribunal de Justiça: 1.AA e BB intentaram acção de reivindicação, processada na forma ordinária, contra os réus CC e marido, DD, EE e FF e mulher, GG, pedindo o reconhecimento da propriedade do prédio rústico que identificam e a condenação dos réus a restituírem as parcelas de terreno que ocupam, integrantes do referido prédio, adquirido pelos AA., livres e desocupadas de quaisquer construções.

    Todos os RR. contestaram, invocando, nomeadamente que, quando adquiriram os respectivos lotes ao anterior proprietário, já estes se encontravam fisicamente delimitados nas suas confrontações actuais, tendo a ocupação parcial do prédio reivindicado sido autorizada pela sociedade que procedera ao loteamento – pelo que esta ( cuja intervenção acessória foi requerida ) não poderia ter ulteriormente transmitido ao património dos AA. o direito de propriedade sobre as parcelas reivindicadas; deduziram ainda a 2ª e os 3ºsRR. pedido reconvencional, fundado na aquisição por acessão industrial imobiliária das parcelas por eles detidas .

    Seguiram-se os demais articulados, em que as partes reiteraram as suas posições sobre a matéria em litígio, e – após saneamento e condensação do processo – teve lugar a audiência final, sendo proferida sentença a julgar a acção parcialmente procedente, reconhecendo aos AA. o direito de propriedade sobre o prédio reivindicado, absolvendo os RR. dos demais pedidos e julgando procedentes os pedidos reconvencionais, reconhecendo às partes que os formularam o direito a adquirirem por acessão as parcelas detidas, mediante pagamento do respectivo valor, apurado nos autos.

    Inconformados, apelaram os AA. para a Relação de Coimbra que julgou o recurso improcedente, confirmando a decisão recorrida.

  3. É desta decisão que vem interposto o presente recurso de revista, que os recorrentes encerram com as seguintes conclusões: 1 - A decisão de que mais uma vez se recorre não só é surpreendente, como deveres injusta.

    2 - A sentença proferida em 28.08.2008, pelo Círculo Judicial de Aveiro, depois confirmada pelo Venerando Tribunal da Relação de Coimbra, julgando parcialmente procedente, por parcialmente provado, o pedido formulado pelos AA., a) Reconheceu aos AA. o direito de propriedade sobre o prédio identificado no ponto 1 da matéria de facto, a saber "o prédio rústico sito na crasta do meio, freguesia da Gafanha da Encarnação, concelho de Ílhavo, destinado a Reserva Agrícola, com a área de €2.200m2, a confrontar actualmente, do Norte com os RR. CC e marido, e EE e outros; do Sul com HH; do Nascente com caminho e outro; e do Poente com os RR. FF e mulher, inscrito na matriz predial rústica sob o artigo 1.393a, com o valor tributário de 26.163$00 (€130,50) e descrito na Conservatória do Registo Predial de Ílhavo a favor dos AA. sob o na ..........

    1. Absolveu os RR. dos demais pedidos formulados pelos AA.

    Mais, julgou as reconvenções deduzidas pelos RR. procedentes, por provadas, e em consequência: a) Reconheceu aos reconvintes FF e mulher GG o direito a adquirirem a parcela com cerca de 352m2, por acessão, mediante o pagamento da quantia de €1.232,00; b) Reconheceu à reconvinte EE o direito a adquirir a parcela com cerca de €256 m2, por acessão, mediante o pagamento da quantia de €700,00.

    Mais determinou, uma vez que se mostrem pagas as supra referidas quantias, a rectificação do registo predial respectivo a cada um dos prédios referidos em 4 e 5, de modo a que para além da área do lote passe a constar também a área adquirida por acessão.

    3 - Ambos os Acórdãos, merecem a nosso ver os maiores reparos, pois sufragam uma situação ilegal, contrária a todas as leis vigentes que regulam os loteamentos e condicionantes da Reserva Agrícola Nacional (RAN).

    4 - A Decisão da Primeira Instância, depois confirmada pelo Tribunal da Relação de Coimbra, absolveu os RR. CC e marido dos pedidos formulados pelos AA., porquanto entende que, contrariamente ao estipulado no alvará de loteamento, ficou demonstrado que o prédio dos AA. à data da celebração da escritura de compra e venda tinha apenas a área de 1570m2, e que o dos RR., por força da ocupação da parcela da parcela sobrante que lhes foi cedida, sempre possuiu a área de 800 m2, muito embora tal entendimento dissinta do que consta do alvará de loteamento aprovado pela Câmara Municipal de Ílhavo, violando assim as normas jurídicas constantes do artigo 5°, nº 3 do Decreto Lei n.º 448/91, de 29 de Novembro, o artigo 1376°, nQl do Código Civil, e ainda o artigo 8º e seguintes do Decreto Lei n-196/89, de 14 de Junho (na redacção que lhe foi dada pelo Decreto Lei 278/95, de 25 de Outubro), pois os RR. CC e marido edificaram os seus anexos e arrumos em área pertencente à Reserva Agrícola Nacional (RAN), onde não é permitido construir (pelo menos sem parecer favorável daquela entidade, bem como da respectiva Câmara Municipal.

    5 - Ademais, o documento através do qual os RR. CC e marido foram autorizados a ocupar mais 200m2 para além da área do lote n.º1, trata-se de uma mera declaração particular, sem qualquer eficácia jurídica como elemento constitutivo ou apto a transmitir o direito de propriedade sobre a parcela aqui em causa, a que acresce o facto de não ter ainda decorrido o prazo legal da usucapião.

    6 - Violaram assim também as Doutas Decisões recorridas o disposto no artigo 875Q do Código Civil, sendo por isso nula a referida declaração e consequentemente, nulo o negócio jurídico que a mesma pretendia titular.

    7 - Ora, os AA. adquiriram um prédio rústico, correspondente à parcela sobrante do prédio mãe, inscrito na matriz predial respectiva sob o artigo 1393 e descrito na Conservatória do Registo Predial de Ílhavo, a seu favor, sob o n.º000000000, o qual possui, por força da operação de loteamento a que o referido prédio mãe foi sujeito, a área de 2.200m2.

    8 - Entretanto, verificaram os AA. que os RR. CC e marido, EE e FF e mulher ocupam respectivamente as áreas de 77,10m2, 200m2 e 349m2 daquela área. Tal...

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