Acórdão nº 270/09.9YFLSB de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 18 de Novembro de 2009

Magistrado ResponsávelSANTOS CABRAL
Data da Resolução18 de Novembro de 2009
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

S Privacidade: 1 Meio Processual: FIXAÇÃO DE JURISPRUDÊNCIA Decisão: FIXADA JURISPRUDÊNCIA Sumário : A discordância do Juiz de Instrução em relação á determinação do Ministério Público, visando a suspensão provisória do processo, nos termos e para os efeitos do nº1 do artigo 281 do Código de Processo Penal, não é passível de recurso.

Decisão Texto Integral: Acordam no Supremo Tribunal de Justiça O Magistrado do Ministério Público no Tribunal da Relação de Guimarães veio, ao abrigo do artº 437° nº 1 e 4 do Código de Processo Penal, interpor recurso extraordinário para fixação de jurisprudência, para o pleno das secções criminais, invocando as seguintes razões: 1. O acórdão recorrido interpreta o art. 281, nº1 do CPPenal entendendo que a posição de concordância, ou discordância, do JIC relativamente ao propósito do MºPº em suspender provisoriamente o processo constitui um despacho judicial nos termos previstos no art. 97, nº5 e art. 206 da CRP.

  1. Ao assim proceder, contudo, não considera os objectivos de política criminal que presidiram e presidem à definição da suspensão provisória do processo prevista no mencionado art. 281.

  2. A decisão de suspensão provisória do processo é da exclusiva competência do MºPº, assumindo a posição do JIC um seu poder discricionário, posicionando-se ao mesmo nível da concordância que é exigida ao arguido e ao assistente.

  3. Assim sendo, porque se está perante um "acto dependente da livre resolução do tribuna!", a posição discordante emitida pelo JIC relativamente à proposta de suspensão provisória do processo emitida pelo MºPº não admite recurso.

  4. O disposto no art. 281, nº1, no art. 97, n° 5 e artigos 399 e 400, nº1, al. b), todos do CPPenal foram violados na decisão impugnada.

  5. Deve, por isso, ser revogado o acórdão recorrido e porque é manifesto o antagonismo entre ele o que serve de fundamento a este recurso tratando a mesma questão jurídica de forma diametralmente oposta, surgir decisão, eventualmente uniformizadora com o seguinte sentido: "O acto de discordância proferido pelo JIC no cumprimento do disposto no art. 281, nº1 do CPPenal, sendo acto dependente da livre resolução do tribunal, é irrecorrível".

    Respondeu o Ministério Público junto deste Supremo Tribunal de Justiça, nos termos do disposto no art. 439.° nº 1 do Código de Processo Penal, requerendo o prosseguimento dos autos.

    No exame preliminar considerou-se admissível o recurso e existente a invocada divergência entre o acórdão recorrido e o acórdão para fixação de jurisprudência.

    Oportunamente realizou-se a conferência a que alude o artigo 441.º do Código de Processo Penal na qual se decidiu ser o recurso admissível, atenta a oposição de julgados, e se determinou o prosseguimento dos autos nos termos dos artigos 442º e seguintes do Código de Processo Penal, considerando a necessidade de fixar jurisprudência.

    O Ministério Público apresentou alegações, subscritas pelo ExºMº Procurador-Geral-Adjunto, defendendo o entendimento de que: 1. O Código de Processo Penal de 1987 estabeleceu uma clara distinção entre o tratamento da pequena e média criminalidade, por um lado, e da criminalidade grave, por outro lado, devendo privilegiar-se soluções de consenso, quanto à pequena e média criminalidade.

  6. A consagração de soluções de simplificação, aceleração e consenso, relativamente à pequena e média criminalidade, teve em conta as experiências de direito comparado e as recomendações do Conselho da Europa sobre esta matéria, salientando-se a Recomendação nº R (87) 18 do Comité de Ministros do Conselho da Europa, adoptada em 17-09-1987.

  7. O instituto da suspensão provisória do processo, consagrado no artigo 281° do C. P. Penal, reconduz-se ao principio da "legalidade aberta", não sendo a sua aplicação um acto discricionário, pelo que o Ministério Público e o Juiz de Instrução se encontram constituídos no poder-dever de suspender o processo sempre que se verifiquem os respectivos pressupostos.

  8. A semelhança do que acontece em grande parte dos restantes sistemas jurídicos, a intervenção do Juiz de Instrução, relativamente à suspensão provisória do processo, não se encontrava prevista na Proposta de Lei nº 21/IV, que deu origem ao C. P. Penal de 1987, 5. Tendo sido introduzida, na redacção final do nº 1 do artigo 281°, a expressão "com a concordância do juiz de instrução", na sequência da declaração de inconstitucionalidade, em sede de fiscalização preventiva, "dos nºs 1 e 2 do artigo 281°, por violação dos artigos 206° (actual 202° nº 2) e 32° nº 4 da CRP “- Ac. do Tribunal Constitucional nº 7/87.

  9. A inconstitucionalidade declarada pelo Tribunal Constitucional não radica exclusiva, nem necessariamente, na falta de intervenção de um juiz, mas na extrema gravidade das injunções e regras de conduta que podem ser impostas ao arguido.

  10. A intervenção fiscalizadora do Juiz de Instrução visa assegurar que as medidas impostas mediante o acordo, a que alude o artigo 281º do C. P. Penal, não contendem como os direitos civis e políticos e com a dignidade deste - cf. Acórdãos do Tribunal Constitucional nº 67/2006, 116/2006 e 144/2006.

  11. Ao intervir, no exercício dos seus poderes de garante da verificação dos pressupostos e da legalidade de tal acordo, o Juiz de Instrução está vinculado a parâmetros claramente definidos na lei, devendo a declaração de não verificação ser fundamentada e poder ser reapreciada em sede de recurso.

  12. As clarificações e os aditamentos introduzidos no nº 1 do artigo 281° do C. P. Penal, pela Lei nº48/2007, de 29-08, reforçam a interpretação, que já decorria da redacção anterior dessa norma, de que a aplicação da suspensão provisória do processo reveste a natureza de um poder-dever e dá direitos acrescidos ao arguido e ao assistente, a que hão-de corresponder as acções e os expedientes necessários à sua concretização e, designadamente, o direito ao recurso - artigos 20° e 32° nº 1 da Constituição.

  13. A decisão de discordância do juiz de instrução com a suspensão provisória do processo não é um acto de mero expediente e também não depende da livre resolução do tribunal, porquanto não decorre do uso legal de um poder discricionário, sendo passível de recurso, ao abrigo do princípio geral da admissibilidade de recurso dos acórdãos, das sentenças e dos despachos, sempre que tal irrecorribilidade não esteja prevista na lei - artigo 399° do C. P. Penal.

  14. A norma do nº 5 do artigo 281° do C. P. Penal tem um fundamento óbvio, já que a suspensão provisória do processo parte da iniciativa do Ministério Público, com a concordância do arguido e do assistente, pelo que os mesmos carecem de legitimidade ou interesse em impugnar.

  15. Tendo em vista alargar a aplicação da suspensão provisória do processo e dos restantes institutos de diversão e consenso, a lei nº 51/2007, de 31¬08, veio dispor que o Ministério Público deve reclamar ou recorrer, nos termos do C. P. Penal, das decisões judiciais que não acompanhem as suas promoções destinadas a prosseguir esse e os restantes objectivos e prioridades de política criminal previstos nessa lei, sendo patente a intenção do legislador no sentido da admissibilidade da impugnação das decisões judiciais que recusem a aplicação ou não dêem a sua concordância à suspensão provisória do processo e aos restantes institutos de diversão e consenso - cf. artigos 17° e 12° nº 1, alíneas a), b) e f) da lei nº 51/2007 e Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 13¬02-2008, Processo 07P4561.

  16. Termos em que: a) O acórdão recorrido deverá ser mantido, resolvendo-se o conflito que se suscita no sentido do decidido no mesmo.

    1. Propondo-se, para tal efeito, a seguinte redacção: A decisão de discordância do Juiz de Instrução com a suspensão provisória do processo, nos termos e para os efeitos do artigo 281 do C. P. Penal, é passível de recurso.

      O recorrido e arguido AA igualmente se pronunciou referindo que: 1-0 recorrido sufraga em absoluto a posição adoptada no acórdão proferido pelo Tribunal da Relação de Guimarães no sentido de considerar que a decisão de discordância do Meritíssimo Juiz de Instrução com a opção pelo Ministério Público pela suspensão provisória do processo é passível de recurso.

      2- A decisão de concordância ou discordância proferida pelo JIC com a determinação do M.P. da suspensão provisória do processo não se traduz num despacho de mero expediente, nem no exercício de um poder discricionário.

      3- A concordância e a discordância do juiz de Instrução não podem deixar de estar vinculadas pelo princípio da legalidade, daí que a sua decisão do Meritíssimo Juiz de Instrução deva obedecer aos requisitos fixados na lei.

      4- Verificados cumulativamente todos os pressupostos legais, consagrados no art° 281 nº1 do C.P.P. o Juíz tem que dar a sua concordância. Faltando alguns dos pressupostos, o juiz de instrução manifestará fundadamente a sua discordância.

      5- Trata-se de um despacho jurisdicional decisório.

      6-0s despachos jurisdicionais decisórios são susceptíveis de impugnação, em conformidade com o 399°, porquanto a sua irrecorribilidade não está prevista no art. 400° do C. P. P. nem em qualquer disposição dispersa do C.P.P.

      7-0 art° 281 do C.P.P, norma em que o Ex Mº Procurador Geral Adjunto fundamenta o seu entendimento, não consagra uma inimpugnabilidade absoluta, uma vez que este n° 5 circunscreve a inimpugnabilidade da decisão de suspensão apenas aos casos em que se verifica a determinação da suspensão provisória do processo pelo M. P. com concordância do juiz de instrução.

      8-lsto é, desde que se trate de decisões que não estejam abrangidas pelo art° 400° do C. P. P. ou cuja irrecorribilidade esteja prevista numa norma dispersa do Código, todas as demais decisões são recorríveis.

      9-Deste modo, é convicção do recorrido de que a decisão de discordância do Juiz de Instrução com a decisão do M. P. de suspender provisoriamente o processo é uma decisão passível de recurso.

      10-Dai, não merece censura alguma o acórdão proferido pelo Tribunal da Relação de Guimarães, uma vez que julgou...

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