Acórdão nº 177/07.4PBTMR.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 05 de Novembro de 2009

Magistrado ResponsávelISABEL PAIS MARTINS
Data da Resolução05 de Novembro de 2009
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

S Privacidade: 1 Meio Processual: RECURSO PENAL Decisão: PROVIDO O RECURSO Sumário : I - O legislador, para além de determinar a obrigatoriedade de fundamentação, de facto e de direito, de todos os actos decisórios proferidos no decurso do processo (art. 97.º, n.º 5, do CPP), a qual decorre de imperativo constitucional (art. 205.º, n.º 1), instituiu, para as decisões que conheçam, a final do objecto do processo, uma exigência de fundamentação acrescida.

II - A sentença proferida após a realização da audiência a que se refere o art. 472.º do CPP, com a específica finalidade de determinação da pena única no caso de conhecimento superveniente do concurso, está submetida aos requisitos gerais da sentença enunciados no art. 374.º do CPP.

III -No que respeita aos factos provados deve conter todos os factos que interessam à comprovação da situação de concurso de crimes e à determinação da pena única; por isso, os factos provados devem demonstrar, por um lado, que se mostram preenchidos os pressupostos indicados no art. 78.º, n.ºs 1 e 2, do CP, e, por outro, devem ser suficientes para a determinação da pena única.

IV -O nosso sistema rejeita uma visão atomística da pluralidade dos crimes e obriga a ponderar o seu conjunto, a possível conexão dos factos entre si e a relação da personalidade do agente com o conjunto dos factos: assim, a fundamentação de facto da sentença a proferir após a realização da audiência a que alude o art. 472.º do CPP e para os efeitos do art. 78.º do CP deve conter a indicação das datas das condenações e do respectivo trânsito, a indicação das datas da prática dos crimes objecto dessas condenações e das penas que, por eles, foram aplicadas, a caracterização dos crimes que foram objecto dessas condenações e todos os factos que interessam à compreensão da personalidade do condenado neles manifestada.

V - Se assim não se proceder, para além da decisão não cumprir o requisito da “enumeração dos factos provados” que interessam à decisão fica irremediavelmente prejudicada a própria fundamentação da medida da pena.

VI -A especificação dos fundamentos que presidiram à escolha e à medida da pena integra-se no dever de fundamentação das razões de direito da decisão, a que se refere o art. 374.º, n.º 2, e a omissão de tal especificação determina a nulidade da sentença (art. 379.º, n.º 1, al. a), do CPP).

VII - A falta de referência ao trânsito das decisões é, pura e simplesmente, a omissão de um pressuposto da realização do cúmulo, por conhecimento superveniente do concurso.

VIII - Tal nulidade afecta a validade da audiência de julgamento, na medida em que o seu suprimento passa pela obtenção de elementos – v. g., relatório social, cabal esclarecimento dos antecedentes criminais e a real indicação da data da prática dos crimes –, que a motivação de facto do acórdão não demonstra que tenham sido obtidos pelo tribunal.

Decisão Texto Integral: Acordam, em conferência, no Supremo Tribunal de Justiça I 1.

Realizada a audiência, nos termos do artigo 472.º do Código de Processo Penal [CPP], para realização do cúmulo jurídico das penas em que o arguido AA, devidamente identificado nos autos, foi condenado nos processos 177/07.4TBTMR, do 3.º juízo do Tribunal Judicial de Tomar, 194/07.4GBTMR (àquele apensado) e 139/07.1GAFZZ, do Tribunal Judicial de Ferreira do Zêzere, por acórdão de 29/06/2009, foi decidido condená-lo na pena única de 11 (onze) anos de prisão.

  1. Inconformado, o arguido veio interpor recurso para este Tribunal, rematando a motivação apresentada com a formulação das seguintes conclusões: «1ª) A pena única de que ora se recorre é manifestamente excessiva face ao quantum que poderia resultar da boa aplicação do art. 77°, n.° 2 do CP.

    «2º) Se é certo que os factos praticados pelo arguido revestem alguma gravidade, não menos certo é que aqueles ocorreram num contexto de toxicodependência do recorrente.

    «3ª) Aqui chegados, importaria concluir que tão importante como punir, seria tratar, curar, assistir o recluso/doente.

    «4ª) Ora, convenhamos que uma pena de prisão de onze anos será um período excessivo para essa "terapêutica", hipotecando-se toda e qualquer possibilidade de ressocialização do agente.

    6ª) (1) Com a decisão proferida foram violados os art. 40° e 77° do CP.

    Termina pedindo que, no provimento do recurso, lhe seja aplicada uma pena única próxima do mínimo legal previsto no artigo 77.º do Código Penal [CP].

  2. O Ministério Público, na 1.ª instância, respondeu ao recurso no sentido da confirmação do acórdão recorrido.

  3. Admitido o recurso, foram os autos remetidos a esta instância.

  4. Na oportunidade conferida pelo artigo 416.º, n.º 1, do CPP, o Exm.º Procurador-geral-adjunto foi de parecer de que o recurso não merece provimento e pronunciou-se, ainda, pela correcção dos lapsos materiais detectados no acórdão – e que evidencia –, nos termos do artigo 380.º, n.os 1, alínea b), e 2, do CPP.

  5. Cumprido o disposto no artigo 417.º, n.º 2, do CPP, o recorrente não respondeu.

  6. Por não ter sido requerida a realização de audiência (artigo 411.º, n.º 5, do CPP), foi decidido, no exame preliminar, julgar o recurso em conferência.

    Colhidos os vistos, com projecto de acórdão, realizou-se a conferência.

    Dos trabalhos da mesma procede o presente acórdão.

    II 1.

    Na consideração das conclusões extraídas pelo recorrente da respectiva motivação, pelas quais se define o objecto do recurso (artigo 412.º, n.º 1, do CPP), a questão trazida à discussão pelo recorrente circunscreve-se à medida da pena única, que o recorrente tem por excessiva.

  7. A análise do acórdão recorrido mostra o que passaremos a referir.

    2.1.

    Foi dada por assente a seguinte matéria de facto: « AA foi condenado: «1- Nos presentes autos, por decisão proferida a 19.05.2004 e por factos de Setembro de 2003 de 1997 pela prática de: «Dois crimes de condução sem habilitação legal (artigo 3º, n.º 1, do Decreto-lei n.º 02.98 de 03.01 e 75º e 76º do C.Penal) na pena de dezoito meses de prisão, para cada um.

    «Dois crime de roubo (p. e p. pelos art.ºs 75º e 76º, 210º nº1 do C.Penal) na pena de dois anos e seis meses de prisão, para cada um.

    «2- Nos autos de processo comum colectivo comum colectivo 139/07.1GAFZZ por decisão proferida a 19.05.2004 e por factos de Setembro de 2003 de 1997 pela prática de: «Um crime de condução sem habilitação legal (artigo 3º, n.º 1, do Decreto-lei n.º 02.98 de 03.01) na pena de dezoito meses de prisão.

    «Um crime de condução de veículo em estado de embriaguez (artigo 292º, n.º 1, do Código Penal) na pena de seis meses de prisão.

    «Um crime de roubo (p. e p. pelos art.ºs 73º, 210º nºs 1 e 2, al. b), com referência ao disposto no art. 204º nº 2 al. a) e f) na pena de cinco anos de prisão.

    «Um crime de detenção de arma proibida (p e p nos art.ºs. 86º, n.º 1 alínea d), da Lei 5/2006 de 23 de Fevereiro, por referência aos art. 2º, n.º 1 alínea l), art. 3º, n.º 2, alínea f) e art. 4º, n.º 1 e 2 do mesmo diploma) na pena de um ano de prisão.

    «3- Nestes autos, do seu CRC consta que: «José Luís Maurito foi condenado, em cúmulo jurídico operado no âmbito dos autos de Processo Comum Colectivo, nº 274/00.7PCCBR da Vara de competência Mista, 2ª secção de Coimbra, pela prática de crime de furto simples, p.p. pelo artigo 203º, nº1CP(A), um crime de tráfico de estupefacientes, de menor gravidade p.p. pelo artigo 25, al. a) do DL 15/93 de 22.01, um crime de desobediência qualificada, p.p. pelo artigo 348ª, nº1 e nº2 CP, um crime de condução sem habilitação legal, p.p. pelo artigo 3º, nº2 do DL 2/98 (B), um outro crime de furto, p.p. pelo artigo 203º, nº1 CP, um crime de condução perigosa de veículo automóvel, p.p. pelo artigo 291º, nº1. al. b) CP, um crime de resistência sobre funcionário p.p. pelo artigo 347º CP (C), um crime de condução de veículo em estado de embriaguez, p.p. pelo artigo 292º CP e um crime de condução sem habilitação legal, p.p. pelo artigo 3º, nº2 do DL 2/98 (D), na pena única de cinco anos e seis meses de prisão.

    «No âmbito deste processo, o arguido foi colocado em liberdade definitiva, com extinção da pena, em...

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