Acórdão nº 2662/05.3TBOAZ.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 03 de Novembro de 2009

Magistrado ResponsávelPAULO SÁ
Data da Resolução03 de Novembro de 2009
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

S Privacidade: 1 Meio Processual: REVISTA Decisão: NEGADA A REVISTA Sumário : I - A interpretação conjugada dos arts. 10.º e 13.º da Lei n.º 23/96, de 26-07, aponta no sentido de que a caducidade é, aqui, de conhecimento oficioso.

II - A caducidade extingue os efeitos jurídicos do direito em virtude de um facto jurídico stricto sensu, independentemente de qualquer manifestação de vontade.

III - Se o legislador quisesse aplicar apenas a regra da caducidade à energia fornecida em baixa tensão, numa solução mais inteligente e de expressão mais adequada do seu pensamento – que devemos presumir à luz do art. 9.º, n.º 3, do CC – teria dito, no n.º 3 do art. 10.º da Lei n.º 23/96, que o disposto nos números anteriores só se aplicava ao fornecimento de energia eléctrica em baixa tensão.

IV - As expressões “alta tensão” e “média tensão”, não se confundindo ou sobrepondo, deverão valer com o sentido correspondente aos preexistentes e quase contemporâneos (à Lei n.º 23/96) conceitos constantes dos DL n.ºs 182/95, 184/95, 185/95 e 186/95, todos de 27-07.

V - Consequentemente, o prazo semestral de caducidade previsto no n.º 2 do art. 10.º da Lei n.º 23/96, não está abrangido pela excepção do seu n.º 3, a qual se aplica apenas ao fornecimento de energia em alta tensão (e, por maioria de razão, à muito alta tensão), operando o seu efeito extintivo sobre o direito accionado pela autora/recorrente.

Decisão Texto Integral: Acordam no Supremo Tribunal de Justiça: I – AA Distribuição – Energia, S.A. intentou, no Tribunal da Comarca de Oliveira de Azeméis, acção declarativa de condenação, com processo comum, sob a forma ordinária, contra BB – Produtos Têxteis, L.da e CC – Indústria de Poliuretanos, L.da, na qual peticionou a condenação das RR. a pagarem-lhe a quantia de 17.584,94 €, referente à energia e potência fornecida e não paga, acrescida de 1.902,29 €, correspondente aos juros de mora vencidos em 25.07.2005, bem como da quantia correspondente aos juros de mora vincendos, até integral pagamento e ainda nas custas.

Para tanto alega, em síntese: Celebrou com a “BB” um contrato de fornecimento de energia eléctrica às instalações desta, sitas em Nogueira do Cravo.

Por erro de contagem, desde Julho de 2001 até Fevereiro de 2004, foram emitidas facturas nas quais, erradamente, se fez constar e se aplicou o factor multiplicativo 1, razão pela qual a R. foi pagando apenas 1/4 da energia que consumiu, pelo valor facturado.

Detectado o erro, verificou-se que se encontrava em dívida a quantia de € 17.584,94, por cujo pagamento responsabiliza solidariamente ambas as rés, sendo a Ré BB, como titular do contrato de fornecimento, e a ré CC, na qualidade de arrendatária do espaço em causa e de consumidora da energia fornecida.

Devidamente citadas, cada uma das R.R. apresentou a sua contestação.

A ré CC invocou, desde logo, a compensação, para o caso de vir a ser condenada no pagamento de energia eléctrica, pelo valor do seu prejuízo, resultante de ter calculado o preço dos produtos que fornece no âmbito da sua actividade com base em diversos factores, em que um deles é o preço que paga pela energia eléctrica.

A ré BB invocou, a título de excepção, a caducidade do direito da demandante, por aplicação do disposto nos art.os 887.º e 890.º, do Código Civil. Invocou, igualmente, em caso de condenação, a compensação pelo valor correspondente ao direito da ré BB sobre a ré CC, em virtude de esta ter contratualmente assumido a responsabilidade por quaisquer prejuízos provenientes do posto de transformação.

Dispensada a audiência preliminar, foi proferido despacho saneador, onde se conheceu parcialmente da excepção da caducidade levantada pela R. BB, considerando-se inaplicável ao caso o disposto nos invocados art.os 887.º e 890.º, do Código Civil, mas onde também se relegou para final a discussão e a eventual aplicação do art.º 10.º, da Lei n.º 23/96, de 26 de Julho, assim deixando em aberto a decisão sobre a referida excepção da caducidade, bem como da excepção da compensação.

Foram fixados os factos assentes e os controvertidos, tendo sido apresentadas reclamações, parcialmente atendidas Arroladas e admitidas as provas, teve lugar a audiência de julgamento, com observância do formalismo legal e registo da prova oralmente produzida.

Concluída a discussão da causa, foi respondida à matéria da base instrutória, sem que tivesse havido qualquer reclamação.

A final, veio a ser proferida sentença que, tendo como invocada, pela R. BB, a caducidade do direito de acção, dela conheceu, e tomando posição na querela jurisprudencial em torno da interpretação do art.º 10.º da Lei n.º 23/96 de 26 de Junho, teve como verificado o prazo de caducidade de seis meses, previsto no n.º 2 do art.º 10.º da Lei n.º 23/96, de 26 de Junho, e que a caducidade não estava excluída pelo disposto no n.º 3 do mesmo normativo, pelo que, consequentemente, julgou procedente a excepção peremptória da caducidade do direito da A. e absolveu as R.R. do pedido.

A autora interpôs recurso de tal despacho, admitido como apelação, mas sem êxito, uma vez que a Relação julgou improcedente o recurso interposto, confirmando a sentença recorrida.

De tal acórdão, veio a A. interpor recurso de revista, recurso que foi admitido como tal.

A A. recorrente apresentou as suas alegações, formulando, em síntese, as seguintes conclusões: 1. Os Srs. Juízes não podiam conhecer essa caducidade.

  1. Trata-se duma caducidade que não está estabelecida em matéria excluída da disponibilidade das partes.

  2. Efectivamente, as partes podem renunciar à caducidade, bastando para o efeito reconhecer a dívida ou proceder ao seu pagamento.

  3. Assim, a caducidade não é do conhecimento oficioso, nos termos do art.º 333.º, 1, do Cód. Civil.

  4. A caducidade para ser conhecida tem que ser invocada pelas partes nos termos do art.º 303.º do C.C., o que não aconteceu.

  5. Nestas circunstâncias deve revogar-se o Acórdão recorrido e proferir-se nova decisão que não conheça da caducidade e julgue o crédito actual.

  6. A matéria de facto dada como provada evidencia que a instalação em causa é em tudo idêntica às instalações eléctricas superiores a 45 kV e em tudo distintas das instalações de baixa tensão.

  7. Efectivamente, foi dado como provado que: – A instalação está dotada de um posto de transformação privativo (resp. ao quesito 6); – Quer a instalação de consumo, quer o posto de transformação da Ré “BB” têm um técnico responsável pela sua exploração, com formação em engenharia electrotécnica e que tem por obrigação acompanhar, com regularidade, aquela exploração (resp. ao quesito 7); – O técnico responsável, aludido em 7, tem por obrigação assegurar o funcionamento em segurança da instalação de consumo e do posto de abastecimento e pode aconselhar a Ré “BB” na adopção do melhor sistema tarifário (resp. ao quesito 8); – A contagem de energia exige um equipamento de medida, compreendendo um contador de energia activa de tripla tarifa, um contador de energia reactiva de dupla tarifa e transformadores de medida (resp. ao quesito 9); – A equipa de medida encontra-se instalada no posto de transformação privativo da Ré “BB” (resp. ao quesito 10); – Que o transformador de potência que foi instalado em 6/7/2001 era de 315 kVA, marca motra, tipo 55544 A, com o n.º 23454, do ano de 1978, de 15.000/400 (resp. ao quesito 11); – Que até 6/7/2001 a equipa de medida que se encontrava no posto de transformação privativo da Ré “BB” era a seguinte: A – Contadores Características Activa Reactiva Número 53574250 12884,728 Intensidades 100/5A 100/5A Tensão 220/380 220/380 B – Relógio Número 122,47 C – Transformadores de Intensidade Marca Frapil Tipo TI 1A Intensidade 100/5A (resp. ao quesito 13); – A instalação de consumo solicitada à A. pela R. “BB” exige transformador de intensidade que impõe factores de multiplicação ao valor lido nos contadores para se obter o consumo real (resp. ao quesito 18); – Na situação referida em 18 a energia consumida determina-se pela multiplicação do montante lido pelo factor de multiplicação (resp. ao quesito 19) – Em face dos novos transformadores de intensidade instalados, aos valores de leitura era necessário aplicar um factor de multiplicação para se determinar o consumo real (resp. ao quesito 20).

  8. Ora, de tal matéria de facto resultam características típicas de uma instalação de alta tensão.

  9. O fornecimento de energia eléctrica efectuado à recorrida pela recorrente integra o conceito de Alta Tensão previsto no n.º 3 art.º 10.º da Lei 23/96.

  10. Trata-se de uma exclusão às regras de caducidade previstas nesse diploma legal.

  11. Efectivamente, o fornecimento de energia eléctrica foi efectuado em média tensão, integrando este o conceito amplo de Alta Tensão. Neste sentido, Ac. do STJ de 6.1.00, no âmbito do proc. n.º 738/99; Ac. do STJ n.º 1754/01, 2.ª Secção, de 22.6.01-2, Ac da Rel. do Porto de 7/12/2006, no processo n.º 0635954 e 7/12/2006, no proc. 5954/06-3, 3.ª Secção e Ac. da Rel de Lisboa de 30/05/2006, no processo n.º 3218/06-7, da 7ª secção, bem como o Parecer dos Ilustres Professores Doutores Rui de Alarcão e Joaquim de Sousa Ribeiro, junto com as alegações de direito e que se dá por reproduzido.

  12. O Acórdão recorrido tem um entendimento diferente da Jurisprudência dominante, obliterando que a noção de “alta tensão” prevista no n.º 3 do art.º 10.º deve levar em linha de conta, nomeadamente, a economia da Lei n.º 23/96, em lugar de se bastar com a aplicação “mecânica” do pacote legislativo de 1995.

  13. Ao aplicar-se o critério superiormente sustentado pelo STJ deverá decidir-se pela exclusão da caducidade do crédito da recorrente, considerando-se o mesmo actual e exigível.

  14. Entre a alta tensão e a média tensão “não se detecta qualquer traço distintivo, nem quanto às condições técnicas do fornecimento, nem quanto ao perfil funcional e dimensional dos utentes, que seja significante para esse ponto de vista em que se apoia a diferenciação dos regimes de caducidade”.

  15. ”Pelo contrário, desse prisma...

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