Acórdão nº 1074/00.0JFLSB.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 21 de Outubro de 2009

Magistrado ResponsávelSANTOS CARVALHO
Data da Resolução21 de Outubro de 2009
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

S Privacidade: 1 Meio Processual: RECURSO PENAL Decisão: PROVIDO EM PARTE Sumário : I - Dos factos provados resulta, inequivocamente, que o recorrente ameaçou com a prisão da Sr.ª “B”, em momentos distintos, tanto o pai dela como a própria, caso não lhe fosse entregue a mesma e determinada importância que não lhe era devida (4.500 contos), conseguindo que o pai da “B” emitisse dois cheques que totalizavam tal importância e, depois, que a “B” levantasse tal dinheiro no Banco e lho entregasse, de modo a não deixar marcas da sua intervenção.

II - Está, assim, muito claramente expresso que o recorrente, com intenção de conseguir para si um enriquecimento ilegítimo, constrangeu duas pessoas, por meio de ameaças com mal importante.

III - As ameaças foram claramente formuladas, sem subterfúgios e de um “mal importante”. Na verdade, o recorrente, fazendo-se prevalecer da sua qualidade de Inspector da PJ, que tratou de exibir perante os ofendidos, disse que prendia a “B”, caso não fosse entregue determinada quantia em dinheiro. Ora, esta ameaça séria de prisão, feita por agente policial de uma corporação reconhecidamente determinante na investigação de delitos criminais graves, provoca um grande e compreensível sofrimento no ameaçado, como é óbvio, pela perspectiva de ser retirada a liberdade a si mesmo ou a familiar muito directo.

IV - E, sendo uma ameaça de um procedimento judicial é, no caso, ilícita e censurável a todos os títulos, pois, quanto à situação mencionada pelo recorrente aos ofendidos, não havia qualquer processo crime, nem mandado de captura, nem algo que juridicamente fosse válido para determinar a prisão da B naquelas circunstâncias, o que só o recorrente sabia, mas que os ofendidos julgavam ser credível, dada a conduta alegadamente delituosa daquela. Tanto mais que esta até tinha pendente um outro processo crime, pelo qual, mais tarde, esteve em prisão preventiva.

V - Também é inquestionável que, estando em causa a liberdade, que é um dos direitos fundamentais do indivíduo, a ameaça de prisão era de um mal adequado a fazer “dobrar” a vontade dos ameaçados, tanto para o juízo do homem comum, como para os ameaçados em concreto.

VI - Como no crime de extorsão se protegem simultaneamente bens patrimoniais e pessoais, no caso de serem vários os sujeitos passivos atingidos pelo constrangimento perpetrado pelo agente criminoso, só haverá concurso de crimes de extorsão se cada uma das vítimas for atingido tanto nos seus bens patrimoniais como pessoais, verificando-se um outro crime para quem apenas for vítima de crime contra a sua pessoa.

VII - Como o recorrente, com intenção de conseguir para si enriquecimento ilegítimo, constrangeu duas pessoas, por meio de ameaça com mal importante, a uma disposição patrimonial que acarretou, só para uma delas, prejuízo, cometeu um único crime de extorsão (na pessoa do pai da “B”), em concurso efectivo com um outro crime contra a pessoa da “B”, o crime de coacção agravada.

Decisão Texto Integral: Acordam no Supremo Tribunal de Justiça 1. A, foi julgado, juntamente com outros, na extinta 9ª Vara Criminal de Lisboa (o processo depois distribuído à 1ª Vara Criminal de Lisboa), sob acusação do Ministério Público e posterior pronúncia, ficando-lhe imputado um crime de corrupção passiva para a prática de acto ilícito, p. e p. pelo art.º 372.º, n.º 1, dois crimes de extorsão agravada, p. e p. pelo art.º 223.º, n.ºs 1 e 3, al. a), em concurso aparente com o crime de coacção, p. e p. pelos art.ºs 154.º e 155.º, n.º 1, al. d e um crime de abuso de confiança, p. e p. pelo art.º 205.º, n.º 4, al. b), todos do C. Penal.

Na sequência da audiência de discussão e julgamento, foi dado conhecimento a esse arguido e a outros, nos termos e para os efeitos do disposto no art.º 358.º, n.ºs 1 e 3, do Código de Processo Penal, que se poderia vir a considerar que incorreram na prática de crimes de burla simples e qualificada, p. e p. pelos art.ºs 217.º, n.º 1 e 218.º, n.ºs 1 e 2 do C. Penal, no mesmo número dos crimes de abuso de confiança de que vinham pronunciados.

Após julgamento, foi decidido, por acórdão de 16/04/2007, condenar o arguido A, pela prática dos seguintes crimes: - 1 (um) crime de corrupção passiva para a prática de acto ilícito, p. e p. pelo art.º 372.º, n.º 1, do C. Penal, na pena de 3 (três) anos de prisão; - 2 (dois) crimes de extorsão agravada, p. e p. pelo art.º 223.º, n.ºs 1 e 3, al.) a), em concurso aparente com o crime de coacção, p. e p. pelos art.ºs 154.º e 155.º, n.º 1, al. d), todos do C. Penal, nas penas parcelares de 4 (quatro) anos de prisão por cada um desses crimes; - 1 (um) crime de burla, p. e p. pelo art.º 218.º, n.º 2, al. a), do C. Penal, na pena de 2 (dois) anos e 6 (seis) meses de prisão.

- Em cúmulo jurídico daquelas penas, condenar o arguido A na pena única de 6 (seis) anos de prisão.

- Absolvê-lo da prática de 1 (um) crime de abuso de confiança, p. e p. pelo art.º 205º, nº 4, al. b), do C. Penal, de que também vinha pronunciado.

Tendo este arguido interposto recurso do acórdão condenatório da 1ª instância para o Tribunal da Relação de Lisboa, colocando questões de facto e de direito, ficou aí decidido, por acórdão de 26/03/2009, conceder parcial provimento ao recurso, decidindo-se alterar, nos termos indicados no ponto II-12.4.

, a matéria de facto provada, mas, no mais, mantendo o acórdão recorrido.

  1. Recorre agora o mesmo arguido para o STJ e formula as seguintes conclusões:

    1. O Supremo Tribunal de Justiça, solicitado por força da lei antiga, pode revogar o Acórdão da Relação por não ter feito uso da regra da racionalidade na apreciação da prova e no sentido de reenviar o feito a novo julgamento do recurso de 1° grau.

    2. Com efeito, o raciocínio do Acórdão recorrido continua a infringir as regras da experiência comum ao não ter problematizado sequer a dúvida que decorre em beneficio do arguido das circunstâncias de os extorquidos manterem, como não é natural, relações de afabilidade com o extorsor, após a extorsão, acontecimento que a prova da Audiência revela.

    3. Do mesmo jeito, quando o Acórdão recorrido não teve em consideração também a dúvida que resulta em beneficio do arguido de a estrutura das declarações do co-responsável ser de manifesta defesa, parcial, dele próprio: o recorrente, no 1° grau de recurso não pôs em causa que as declarações do co-arguido pudessem valer, disse que, neste caso, eram duvidosas (in dubio pro reo) por serem defensivas e não isentas, em concreto.

    4. De qualquer modo, ao conceder parcial provimento ao recurso do arguido, o Acórdão do tribunal da Relação sob crítica, por um lado, não tirou todas as consequências do vencimento, por outro, ao acrescentar na matéria assente que o recorrente forçou a ofendida a entregar-lhe numerário, forçou - tão simplesmente, introduziu no julgamento da matéria de facto uma mera conclusão, que deve ser tida por não escrita e sem quaisquer consequências jurídicas.

    5. No seguimento, os factos provados não integram o crime de extorsão, nem qualquer outro: deve o recorrente ser absolvido.

    6. Com efeito, mesmo que se observem os factos pertinentes sob o ponto de vista da prática do crime de corrupção passiva para acto ilícito, certo é não estarem dados como provados poderes de facto do arguido, funcionais à perda da autonomia intencional do Estado, no caso concreto.

    7. É que o arguido desempenhava apenas as funções de fotógrafo policial, sem qualquer competência para outras investigações criminais ou intervenções nos processos.

    8. E também não há cometimento do crime de burla, porque a matéria de facto aponta para um negócio ilícito, mas negócio celebrado entre ofendido e arguidos: não há engano ou falsidade causal do desembolso.

    9. Houve sim incumprimento que dá lugar a repetição do indevido, por si próprio, ou por se tratar de acto nulo.

    10. Também, neste domínio, não há prática do crime de corrupção activa, deste ponto de vista, porque a solicitação do funcionário não foi feita, nem parece ter sido possível sequer, em face da matéria dada como provada.

    11. Deve, por conseguinte, ser o recorrente absolvido.

    12. Não concedendo: a pena por crime de corrupção deve ser graduada em um ano e seis meses de prisão.

    13. A pena por crime de burla ser de multa ou, quando muito, de um ano e dois meses de prisão.

    14. A pena por extorsão ser do mínimo legal da pena aplicável.

    15. Assim, o cúmulo jurídico: quatro anos e dois meses de prisão.

    16. Pena unitária esta de prisão suspensa por quatro anos.

    17. O Acórdão recorrido infringiu, portanto os art.ºs 21.8°/2, 223°/1.3.a.,(art.ºs 154° e 155°/l.d.) e art° 372°/l, C. Penal, que deveria ter aplicado no sentido da absolvição ou, no limite, cominando as penas parcelares e a pena cumula suspensa acima sugeridas.

    18. Ainda assim, infringiu a regra da apreciação racional da prova, colocando-se, pois, numa posição contrária ao princípio constitucional da justiça, segundo os art°s 18°/1, 20°/1.5 CRP.

    19. Deve ser revogado, no seguimento destas conclusões.

  2. O M.º P.º na Relação pronunciou-se pelo não provimento do recurso.

    No STJ, o MP também se pronunciou e concluiu assim: 1. O recurso interposto para o Supremo Tribunal de Justiça visa exclusivamente o reexame da matéria de direito, sem prejuízo do disposto nos n.ºs 2 e 3 do artigo 410° do C. P. Penal; 2. O Supremo Tribunal de Justiça poderá conhecer, oficiosamente, não a pedido do recorrente, dos vícios a que alude o n.º 2 do artigo 410° do C. P. Penal, sempre que, por existência de qualquer deles, não possa chegar a uma correcta decisão de direito, devendo sempre tal conhecimento ser excepcional, surgindo como último remédio contra tais vícios.

  3. O acórdão recorrido procedeu a um rigoroso escrutínio da matéria de facto dada como provada, relativamente ao recorrente, tendo, após esse profundo e exaustivo escrutínio, deliberado as alterações sintetizadas a fls. 16.052-16.053.

  4. O acórdão recorrido ponderou devidamente todos os argumentos invocados pelo recorrente, procedeu a uma apreciação crítica e racional dos meios de...

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