Acórdão nº 272/09.5YFLSB de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 21 de Outubro de 2009

Magistrado ResponsávelVASQUES DINIS
Data da Resolução21 de Outubro de 2009
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

S Privacidade: 1 Meio Processual: REVISTA Decisão: NEGADA REVISTA Sumário : I - Nos termos do disposto no art.º 664.º do CPC, compete ao Supremo Tribunal de Justiça apreciar, ex officio, a correcção do juízo de qualificação de uma expressão como conclusiva, por envolver a indagação, interpretação e aplicação de regras de direito.

II - Só os factos concretos podem ser objecto de prova, pelo que as afirmações de natureza conclusiva devem ser excluídas da base instrutória e, quando isso não suceda e o Tribunal sobre elas emita veredicto, deve este ter-se por não escrito.

III - A afirmação de que alguém despediu outrem pressupõe o apuramento de factos concretos susceptíveis de integrar o conceito de despedimento, encerrando a mesma um juízo de valor que, apresentando-se como determinante do sentido a dar à solução do litígio, depende, inexoravelmente, do que, conclusivamente, for apurado quanto à verificação, ou não, do alegado despedimento da A, devendo, pois, aquela asserção ser eliminada do elenco dos factos provados.

IV - A mera afirmação de que alguém disse algo não comporta, em si, um juízo de valor sobre aquilo que se afirma ter sido dito, representando antes a expressão de uma realidade consubstanciada no teor da declaração, cuja percepção se atinge directamente através dos sentidos, não carecendo, para ser alcançada e afirmada, de suporte elaborativo intelectual no domínio dos conceitos e/ou da subsunção de factos nas categorias que eles traduzem, pelo que os termos da declaração são susceptíveis de prova.

V - O despedimento traduz-se na ruptura da relação laboral, por acto unilateral da entidade patronal, consubstanciado em manifestação de vontade de fazer cessar o contrato de trabalho, sendo um acto de carácter receptício, pois, para ser eficaz, implica que o atinente desígnio seja levado ao conhecimento do trabalhador, mediante uma declaração feita por palavras, escrito ou qualquer outro meio de manifestação da vontade (declaração negocial expressa) ou que possa ser deduzida de actos equivalentes, que, com toda a probabilidade a revelem (declaração negocial tácita).

VI - Essa declaração tem sempre de ser dotada do sentido inequívoco de pôr termo ao contrato, que deve ser apurado segundo a capacidade de entender e diligência de um normal declaratário, colocado na posição do real declaratário e que, como tal seja entendida pelo trabalhador.

VII - Esta exigência de inequivocidade visa evitar tanto o abuso de despedimentos efectuados com dificuldade de prova para o trabalhador como obstar ao desencadear das suas consequências legais quando não se mostre claramente ter havido ruptura indevida do vínculo laboral por parte da entidade patronal.

VIII - Não consubstancia um despedimento, a comunicação verbal feita pela entidade empregadora a uma trabalhadora de que «não a queria lá mais a trabalhar nas condições que tinha e que só continuava a trabalhar para a R. caso aceitasse a redução do salário que auferia e passasse a trabalhar em turnos, devendo nesse mesmo dia começar a trabalhar no turno das 15 às 24 horas», uma vez que o sentido que um declaratário normal poderia retirar dessas palavras, naquele contexto, era o de que a declarante pretendia alterar as condições do contrato.

IX - Tendo a empregadora feito depender a manutenção do contrato, das indicadas condições, era à trabalhadora que competia decidir se a relação laboral se deveria manter ou não, no primeiro caso, quer aceitando as condições, quer recorrendo aos meios legalmente disponíveis, em ordem a obter o cumprimento do contrato, tal como fora celebrado e vinha sendo executado, e no segundo caso, resolvendo o contrato, com invocação de justa causa.

X - A normalidade do declaratário que a lei toma como padrão, exprime-se não só na capacidade para entender o conteúdo da declaração, mas também na diligência para recolher todos os elementos que, coadjuvando a declaração, auxiliem a descoberta da vontade real do declarante, pelo que, perante uma eventual dúvida, suscitada pelos termos em que a empregadora se dirigiu à trabalhadora, não estava esta dispensada do cuidado de obter mais elementos a fim de se esclarecer sobre a vontade real daquela.

XI - O demonstrado comportamento da empregadora de, durante o período de baixa por doença da trabalhadora, ter retirado do gabinete por esta habitualmente usado todos os ficheiros dos seus clientes e toda a documentação técnica e organizativa de apoio àqueles, livros e documentação científica e técnica da trabalhadora e todos os instrumentos de trabalho e objectos pessoais que ali havia deixado quando iniciou a baixa médica, não permite, por si só, formular um juízo seguro sobre a real intenção da empregadora, tendo em vista o seu despedimento, tanto mais que está demonstrado que a trabalhadora se apresentou ao trabalho oito dias antes da data prevista para o termo final da baixa e nesse dia lhe foi feita a comunicação referida em VIII.

Decisão Texto Integral: Acordam na Secção Social do Supremo Tribunal de Justiça: I 1. AA demandou, em acção com processo comum, instaurada em 11 de Dezembro de 2006, no Tribunal do Trabalho de Lamego, a A... do C... de D... e L... da 3.ª I... de S..., I... de S... S...

, pedindo a condenação desta a pagar-lhe a quantia global de € 18.102,27 — € 12.668,48 de indemnização de antiguidade por despedimento ilícito; € 2.000,00 de indemnização por danos morais; € 3.378,26 correspondente a retribuição de férias e respectivo subsídio, vencidos no início do ano da cessação do contrato de trabalho; e € 55,53 de retribuição de férias, respectivo subsídio e subsídio de Natal, proporcionais ao tempo de trabalho prestado no mesmo ano — com juros de mora, à taxa legal, desde a citação até integral pagamento.

Para tanto, alegou, em suma, que, tendo, em 1 de Outubro de 2001, sido admitida ao serviço da Ré para, mediante contrato de trabalho sem termo, exercer, em regime de isenção de horário de trabalho, as funções de directora técnica, foi, em 4 de Janeiro de 2006, pelo Presidente da Direcção da Ré, despedida verbalmente, facto que lhe causou danos morais; mais alegou que a Ré não lhe pagou qualquer das importâncias que integram o pedido.

Na contestação, a Ré impugnou o alegado na petição quanto ao despedimento, negando que ele tenha ocorrido e contrapondo que a Autora se colocou na situação de abandono do trabalho, por não se ter apresentado ao serviço, após um período de baixa médica que terminou em 12 de Janeiro de 2006 — o que levou a contestante a comunicar-lhe, por carta datada de 30 de Janeiro de 2006, que considerava extinto o contrato —, conferindo à Ré o direito a reclamar da Autora uma indemnização no valor de € 3.378,26 e, caso se entenda não ter havido abandono do trabalho, a resolução do contrato imputável à demandante é ilícita, dando lugar a indemnização daquele valor a favor da Ré, a deduzir nos créditos salariais da Autora; aduziu, outrossim, que a Autora, ao invocar um despedimento que bem sabia não ter ocorrido, litiga de má fé; e concluiu no sentido de ser a acção julgada improcedente e «procedente a Reconvenção nos termos invocados» e a Autora condenada, como litigante de má fé, em multa e numa indemnização a favor da Ré, esta de montante não inferior a € 2.500,00.

A Autora apresentou articulado de resposta, no qual, entre o mais, solicitou a condenação da Ré, por litigância de má fé, em multa e em indemnização, correspondente às despesas do processo, que quantificou em € 2.300,00.

Saneado o processo e dispensada a condensação, realizou-se a audiência de discussão e julgamento, com registo magnetofónico das provas oralmente produzidas, e, lavrado, sem reclamações o veredicto sobre a matéria de facto com referência ao alegado nos articulados, veio a ser proferida sentença que decidiu declarar «ilícito o despedimento da Autora e, julgando a acção parcialmente procedente», condenar a Ré a pagar-lhe: «- a quantia de € 3.433,79, a título de férias, subsídio de férias e de Natal vencidos durante a execução do contrato; - a quantia de € 8.445,65, a título de indemnização em substituição da reintegração; - juros de mora, à taxa legal, desde a data dos vencimentos das respectivas prestações até integral e efectivo pagamento, nos termos supra consignados;» Decretou-se, quanto ao mais peticionado, a absolvição da Ré e julgou-se totalmente improcedente a reconvenção.

  1. Para ver revogada tal decisão, a Ré interpôs recurso de apelação, no qual pediu a alteração da decisão proferida sobre a matéria de facto, sustentou não poder considerar-se ter ocorrido um despedimento, e defendeu, a entender-se o contrário, que a base de cálculo da indemnização haveria de ser fixada em 15 dias de retribuição base, por cada ano de antiguidade ou fracção, e não em 30 dias como decidira a sentença.

    O Tribunal da Relação do Porto eliminou do elenco dos factos provados parte do que ali constava com referência ao modo por que cessou o contrato, concluiu que «não se verificou o despedimento da A.

    » e decidiu: «conceder parcial provimento à apelação, assim revogando a sentença recorrida na parte impugnada, que se substitui pelo presente acórdão em que se absolve a R. da indemnização de antiguidade e se confirma a mesma quanto ao mais».

    Veio a Autora pedir revista, terminando a respectiva alegação, com as conclusões redigidas como segue: «I. O Tribunal da Relação só deve alterar a matéria de facto nos casos de manifesta e clamorosa desconformidade dos factos assentes com os meios de prova disponibilizados nos autos, não obstante, o Tribunal da Relação do Porto eliminou a alínea G) sem se descortinar qualquer desconformidade com os meios de prova oferecidos nos autos, nomeadamente com prova testemunhal.

    1. A A. prestou a sua actividade de Directora Técnica, desde 01 do mês de Outubro de 2001 até ao dia 04 de Janeiro de 2006, com isenção de horário de trabalho, sob a autoridade e direcção da R., como ficou provado nos autos.

    2. Pretendia a R. alterar não só o período normal de trabalho prestado...

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