Acórdão nº 820/05.0TTVNF.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 07 de Outubro de 2009

Magistrado ResponsávelVASQUES DINIS
Data da Resolução07 de Outubro de 2009
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

S Privacidade: 1 Meio Processual: REVISTA Decisão: NEGADA A REVISTA Legislação Nacional: CÓDIGO DO TRABALHO DE 2003: ARTIGOS Nº 397º A 401º E 419º A 422º; CÓDIGO DO PROCESSO DE TRABALHO: ARTIGOS NºS 156º A 161º; CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA PORTUGUESA: ARTIGO 53º; CÓDIGO CIVIL: ARTIGO 334º.

Referências Internacionais: CONVENÇÃO DA ORGANIZAÇÃO INTERNACIONAL DO TRABALHO Nº 158 Jurisprudência Nacional: ACÓRDÃO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE LISBOA DE 15/12/2005 - Pº 8779/2005-4 Sumário : I - A interpretação do artigo 397.º do Código do Trabalho de 2003 no sentido de o regime nele consignado ser aplicável a empresas integradas em grupos económicos internacionais não ofende o princípio da segurança e estabilidade no emprego consagrado no artigo 53.º da Constituição da República Portuguesa.

II - Fundado o despedimento colectivo na extinção da produção de determinados bens, motivada pela diminuição da procura e pela perda de competitividade desses produtos, determinante da eliminação de postos de trabalho imposta como razoável dentro do prognóstico feito pelo empregador, e provado que os trabalhadores despedidos estavam, no momento em que é tomada a decisão de extinguir a produção, afectos, directa ou indirectamente, à mesma, verifica-se o nexo de causalidade entre os fundamentos invocados e a cessação dos respectivos contrato de trabalho.

III - Estabelecidos, no início do processo de despedimento colectivo, os critérios de selecção do trabalhadores a despedir, a aplicação dos critérios deve reportar-se à situação laboral existente naquele momento, sendo irrelevante que, após o anúncio da intenção de proceder ao despedimento colectivo, alguns deles hajam sido colocados, transitória e esporadicamente, a desempenhar tarefas noutros sectores de produção.

IV - Não configura abuso do direito o recurso ao despedimento colectivo, por empresa integrada em grupo económico internacional, se a eliminação de postos de trabalho decorre do facto de, por força das condições existentes nos mercados internacionais, a produção de determinados bens ter sido transferida para unidade do mesmo grupo situada em outro país.

Decisão Texto Integral: Acordam na Secção Social do Supremo Tribunal de Justiça: I 1.

No Tribunal do Trabalho de Famalicão foi a Ré AA demandada, em acção de impugnação de despedimento colectivo, intentada em 18 de Novembro de 2005, por: 1.º Autor, BB; 2.º Autor, CC; 3.º Autor, DD; 4.º Autor, EE; 5.ª Autora, FF; 6.º Autor, GG (que, entretanto, desistiu do pedido); 7.ª Autora, HH; 8.ª Autora, II; 9.ª Autora, JJ; 10.ª Autora, LL; 11.ª Autora, MM; 12.ª Autora, NN; 13.º Autor, OO; 14.ª Autora, PP; 15.ª Autora, QQ; 16.ª Autora, RR; e 17.º Autor, SS.

A tal acção foi, oportunamente, mandado apensar processo de idêntica natureza instaurado, contra a mesma Ré, em 15 de Setembro de 2005, por TT (18.ª Autora).

Pediram, em suma, todos os Autores que fossem julgados improcedentes os fundamentos invocados pela Ré para o despedimento colectivo e declarada a ilicitude deste e, em consequência, a Ré condenada a reintegrá-los no seus postos de trabalho, sem prejuízo das respectivas categorias, antiguidades e das regalias que usufruíam antes do despedimento, bem como a pagar-lhes todas as retribuições que deixaram de auferir desde a data do despedimento; os 17 primeiros Autores pediram, também, a condenação da Ré no pagamento, a cada um deles e ao Estado, em partes iguais, da quantia de € 750,00, por cada dia de atraso no cumprimento das obrigações que lhe forem impostas pela sentença e a partir da data em que a mesma puder ser executada; e a 18.ª Autora solicitou a condenação da Ré em indemnização por danos não patrimoniais, a liquidar em execução de sentença.

  1. Para tanto, invocaram os seguintes resumidos fundamentos: Sendo trabalhadores da Ré, vinculados por contrato sem termo, com a antiguidade reportada às datas que indicaram, e com as categorias, funções e remunerações que também referiram, aquela fez cessar, com efeitos a partir de 31 de Agosto de 2005, os respectivos contratos de trabalho, no âmbito de um processo de despedimento colectivo, relativamente ao qual não se verificam os fundamentos de ordem económica por ela invocados para justificar o recurso o despedimento colectivo; Além de que — segundo articularam os 17 primeiros Autores —, após ter desencadeado o processo de despedimento colectivo a ré AA admitiu mais pessoas para o seu serviço e solicitou aos seus trabalhadores um elevado número de horas de trabalho suplementar para fazer face aos níveis de produção exigidos; Por outro lado, não foram cumpridos os critérios de selecção que enunciou para a escolha dos trabalhadores a integrar no despedimento colectivo, sendo que todos e cada um dos trabalhadores autores — quer por força das funções que exerciam, quer em razão da respectiva antiguidade — se encontravam em situação de não serem incluídos no mesmo; A Ré — segundo o supra referido articulado — integra um grupo económico — UU — sediado nos Estados Unidos da América e com estabelecimentos fabris em diversos países da Europa e da Ásia, estando sujeita ao centro decisório comum de todo esse grupo, e sendo os resultados das empresas do mesmo grupo, na devida proporção, também resultados da Ré AA, só numa análise conjunta dos resultados das diversas empresas do grupo poderá ser avaliada a real situação económica e financeira da demandada, pelo que não dispõem os tribunais portugueses de meios idóneos e suficientes para exercer o controlo judicial de um despedimento colectivo numa situação como esta, sendo-lhes impossível, na prática, sindicar, pela positiva, a procedência dos fundamentos invocados para proceder ao despedimento colectivo dos autores — mas podendo, outrossim, declarar ilícito o despedimento promovido pela ré sempre que se constate a improcedência de qualquer dos fundamentos invocados —, a interpretação do artigo 397.º do Código do Trabalho no sentido de que as suas normas são aplicáveis à presente situação não é admissível, por violar o disposto no artigo 53.º da Constituição da República Portuguesa, que expressamente proíbe os despedimentos sem justa causa.

  2. A Ré contestou para, em suma, refutar as considerações respeitantes à impossibilidade de o Tribunal aquilatar da verificação dos pressupostos em que se baseou para efectuar o despedimento colectivo e, bem assim, à invocada inconstitucionalidade, e contrariar parte da matéria de facto alegada pelos autores — a relativa às funções/antiguidade dos autores e à admissão de trabalhadores posteriormente à data do despedimento colectivo e ao âmbito do trabalho suplementar prestado – alegando, por seu lado, factos tendentes a demonstrar a extinção dos postos de trabalho que os autores ocupavam e que os autores foram integrados no despedimento colectivo em obediência aos critérios de selecção que previamente foram definidos.

  3. Junto aos autos o relatório elaborado pelos assessores técnicos, nomeados nos termos do artigo 157.º do Código de Processo do Trabalho, realizou-se a audiência preliminar, tendo sido proferido despacho saneador — em que se julgaram cumpridas, por parte da Ré, as formalidades legais respeitantes ao despedimento colectivo — e elaborada a condensação, com a selecção dos factos assentes e a organização da base instrutória.

    Realizada a audiência de discussão e julgamento, com registo fonomagnético das provas oralmente produzidas, veio a ser proferida sentença que absolveu a Ré do pedido. O Tribunal da Relação do Porto, a solicitação dos Autores, no recurso que, então, interpuseram, determinou, em virtude da omissão no registo do depoimento de uma testemunha, a repetição parcial do julgamento. Cumprido o ordenado por aquele tribunal superior, foi proferida nova sentença com o mesmo sentido decisório da primeira.

  4. Inconformados, apelaram os Autores, sem sucesso, pois o Tribunal da Relação do Porto confirmou integralmente a sentença, decisão que aqueles vieram impugnar, neste recurso de revista, cuja alegação remataram com as conclusões redigidas como segue: «A)- Vem o presente recurso interposto do douto acórdão do Tribunal da Relação do Porto o qual negou provimento ao recurso de apelação interposto da sentença proferida pelo Tribunal do [T]rabalho de Vila Nova de Famalicão, que julgou a acção improcedente por não provada, absolvendo a ré-recorrida dos pedidos que contra esta foram formulados; B)- afigura-se que o acórdão recorrido, ao decidir como decidiu, não fez correcta apreciação da prova produzida, nem interpretou e aplicou correctamente os preceitos legais atinentes; C)- existe contradição nítida na decisão de facto entre a resposta dada ao quesito 31.º, por um lado, e a[s] resposta[s] dada[s] aos quesitos 120.º, 121.º e 122.º, da base instrutória, por outro; D)- assim como, existe contradição entre a resposta ao quesito 60.º e o quesito 61.º; E)- Esta contradição na decisão de facto pode ser conhecida pelo Supremo Tribunal de Justiça, atendendo [a] que é lícito a este tribunal considerar adquiridos no processo factos que [o] deveriam ter sido pelas instâncias mas que não foram e que necessariamente impede o STJ de aplicar a lei a uma factualidade que, por ser contraditória, não se entende qual seja; F)- sendo que os factos vertidos nos quesitos supra enunciados são essenciais para a decisão de direito; G)- Acresce que [encontra]-se também articulada matéria factual na petição inicial que não chegou a ser quesitada para a base instrutória e que [é essencial] para os recorrentes fundamentarem e reforçarem a inconstitucionalidade do recurso ao despedimento colectivo pelas multinacionais e, em particular, da recorrida; H)- saber se a ré-recorrida é uma empresa isolada, autónoma do ponto de vista económico-financeiro, se os resultados que compõem o grupo económico a que pertence são, na devida proporção, também resultados seus e se a sua dinâmica empresarial, os seus pressupostos económico-financeiros dependem do enquadramento temporal nesse mesmo grupo económico, configuram...

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