Acórdão nº 4913/05.5TBNG.P1.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 01 de Março de 2010

Magistrado ResponsávelOLIVEIRA ROCHA
Data da Resolução01 de Março de 2010
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

S Privacidade: 1 Meio Processual: REVISTA Decisão: NEGADA A REVISTA Sumário : I - O contrato de empreitada é um contrato bilateral ou sinalagmático de que resultam prestações correspectivas ou correlativas, isto é, interdependentes, sendo uma o motivo determinante da outra: a obrigação de executar a obra e a do pagamento do preço.

II - Ao contrato de empreitada aplicam-se as regras especiais para ele definidas nos arts. 1207.º e segs., mas também as normas gerais relativas aos contratos e às obrigações com elas compatíveis.

III - A excepção do não cumprimento do contrato, consagrada no art. 428.º do CC, é uma consequência natural dos contratos sinalagmáticos, pois, neles, cada uma das partes assume obrigações, tendo em vista as obrigações da outra parte, de sorte que se romperia o equilíbrio contratual, encarado pelas partes, se caso uma delas pudesse exigir da outra o cumprimento sem, por outro lado, ter cumprido o que se prestar a cumprir.

IV - No caso de incumprimento parcial, o alcance da excepção de não cumprimento do contrato deve ser proporcional à gravidade da inexecução, o que só poderá implicar uma recusa parcial por parte do credor; isto é, o credor poderá tão só suspender, parcial e proporcionalmente, a prestação, segundo o princípio da boa fé que deve presidir a toda a temática do cumprimento das obrigações.

V - O dono da obra, perante a apresentação pelo empreiteiro - no tempo acordado - de duas facturas respeitantes às primeiras quatro fases da obra (que no total tinha sete), não pode, pura e simplesmente, recusar-se a pagar qualquer quantia, baseado no facto - comprovado - de que alguns dos trabalhos facturados ainda não foram executados.

VI - O não cumprimento de qualquer obrigação é susceptível de desencadear, atento o efeito produzido, as situações de incumprimento definitivo ou de mora.

VII - Para constituir fundamento da resolução do contrato, o incumprimento culposo, equiparável à impossibilidade da prestação imputável ao devedor, tem de ser definitivo.

VIII - A mora, que pressupõe, ainda, a possibilidade, embora retardada, da prestação converte-se em incumprimento definitivo, quer mediante a perda (subsequente à mora) do interesse do credor, quer em resultado da inobservância do prazo suplementar ou peremptório que o credor fixe razoavelmente ao devedor relapso (prazo admonitório).

IX - Quando assim seja, a mora só se converte em não-cumprimento (definitivo) da obrigação (sem embargo de constituir imediatamente o devedor na necessidade de reparar os danos causados ao credor, por força do disposto no n.º 1 do art. 804.º) a partir do momento em que a prestação se não realiza dentro do prazo que, sob a cominação referida na lei, razoavelmente for fixado pelo credor.

X - Através da interpelação admonitória, opera-se, pois, também, a conversão da situação de mora em falta de cumprimento da obrigação, tendo especialmente em vista a resolução do contrato bilateral em que a obrigação se integra.

XI - A perda do interesse na prestação é apreciada objectivamente (art. 808.º, n.º 2), aferindo-se em função da utilidade que a prestação teria para o credor, embora atendendo a elementos capazes de serem valorados pelo comum das pessoas; há-de, assim, ser justificada segundo o critério da razoabilidade própria do comum das pessoas.

XII - A recusa (ou declaração) séria, certa, segura e antecipada de não cumprir (ou o comportamento inequívoco demonstrativo da vontade de não cumprir ou da impossibilidade antes do tempo de cumprir) equivale ao incumprimento (antes do termo), dispensando a interpelação admonitória.

XIII - A recusa pura e simples do autor-dono da obra em efectuar qualquer pagamento ao réu- empreiteiro, não obstante grande parte das obras relativas às quatro primeiras fases já se encontrar efectuada, apontando diversas razões que se mostraram totalmente infundadas - e apesar de ter conhecimento que o réu atravessava dificuldades financeiras -, inviabilizando qualquer outra solução para o litígio surgido, traduz um comportamento próprio de quem não quer ou não pode cumprir, possibilitando à contraparte a resolução válida do contrato sem precedência de interpelação admonitória.

Decisão Texto Integral: Acordam no Supremo Tribunal de Justiça 1.

H... - Habitação Investimentos Imobiliários, Lda., propôs contra M...de S... T... - Construções, Lda., a presente acção declarativa de condenação, sob a forma de processo ordinário, pedindo o pagamento da quantia de € 43.875,00, relativa a danos causados pelo incumprimento de um contrato de empreitada celebrado entre ambos.

Citada, contestou a ré, negando a obrigação de pagar essa quantia e alegando que o segundo contrato que celebrou com a autora é modificável, por ser usurário, e que os contratos seguintes não devem ser atendidos, pois resolveu legalmente o primeiro contrato.

Mais pede que se declare nula ou se reduza a cláusula penal prevista no ponto 10º e, em sede de reconvenção, pede € 35.800,00 referente à obra que realizou e não lhe foi paga.

Saneado, instruído e julgado o processo, foi proferida sentença, que julgou improcedente a acção e parcialmente procedente a reconvenção, condenando a autora a pagar à ré a quantia de € 12.500,00, acrescida de IVA a 19% e juros a contar da notificação à autora do pedido reconvencional até integral pagamento.

Inconformada, a autora recorreu, ainda que sem êxito, para o Tribunal da Relação do Porto.

Ainda irresignada, pede revista.

Concluiu a alegação do recurso pela seguinte forma: A recorrida incumpriu o contrato de empreitada celebrado com a recorrente, já que não respeitou o plano de execução dos trabalhos e não facturou os trabalhos de acordo com esse plano de execução.

Por isso, foi legítima a recusa da recorrente em pagar as duas facturas que lhe foram apresentadas, cujo teor dava como cumpridas as primeiras quatro fases da obra, o que não correspondia à realidade.

A recorrente fez valer validamente a excepção do não cumprimento do contrato, expressa na carta de fls. 79-80.

Sendo válida e legítima a excepção do não cumprimento do contrato por banda da recorrente, não era lícito à recorrida invocar a falta de pagamento que corporizava a dita excepção para declarar a resolução desse contrato de empreitada.

Ainda que não houvesse motivo para a recorrente fazer valer a excepção do não cumprimento, a falta de pagamento das ditas facturas gerava apenas a constituição da recorrente em mora.

Portanto, tal mora nunca poderia justificar a resolução do contrato declarada pela recorrida na carta de fls. 86-88.

Ainda que houvesse mora, nada nos autos permite concluir que a mesma se converteu em incumprimento definitivo.

Não há motivo para entender que a prestação se tivesse tornado impossível ou que a recorrida tivesse perdido o interesse na prestação, assim como não se mostra que a recorrida tivesse dirigido à recorrente uma interpelação admonitória.

Sendo infundada a resolução contratual declarada pela recorrida, fica esta sujeita a indemnizar a recorrente, nos termos e pelos montantes acima referidos, que ascendem a € 35.622,50.

Sem prejuízo disso, a conduta da recorrida, retirando da obra todos os materiais e maquinarias necessários à execução da empreitada, sempre configuraria um abandono da obra, sujeitando a recorrida ao dever de indemnizar, em termos análogos aos referidos em sede de resolução contratual ilegítima.

No valor a pagar pela recorrida à recorrente, a título de indemnização, deverá ser deduzida a quantia de € 12.500, que corresponde à avaliação dos trabalhos por esta realizada, operando-se a respectiva compensação, razão pela qual essa indemnização deverá quedar-se em € 23.122,50.

No caso vertente, face aos trabalhos realizados até ao momento em que emitiu as facturas, o mais que era lícito à recorrida era emitir uma factura que expressasse os trabalhos efectivamente realizados e liquidasse o seu valor, apresentando-a à recorrente.

Só em face do eventual incumprimento da recorrente, poderia a recorrida assumir a constituição daquela em mora, com as demais consequências legais.

Constitui abuso de direito não realizar trabalhos contratados e facturá-los como se tivessem sido realizados e pretender, mesmo assim, o respectivo pagamento, a pretexto de que, se não foram feitos os trabalhos facturados, foram feitos outros (mesmo que, contratualmente, de execução posterior aos omitidos).

Mostra-se violado o disposto nos arts. 428°, 762°, 798°, 804°, 808°, 1208º, 1211° e 1214°, nº1, do Código Civil.

Nas contra-alegações, a ré pronuncia-se pela manutenção da decisão recorrida.

Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.

  1. Estão provados os seguintes factos:

    1. A autora é uma empresa que se dedica à compra e venda de imóveis, construção de prédios para venda, investimentos e empreendimentos imobiliários.

    2. A ré é uma empresa que se dedica à execução de obras de construção civil.

    3. Autora e ré celebraram entre si, em 28.07.2004, um contrato que denominaram de «contrato de empreitada construção civil - pedreiro» onde a autora declara adjudicar à ré uma empreitada de construção civil de pedreiro de uma moradia unifamiliar de quatro frentes, pelo custo de € 49.000,00, fixo até final da obra, a pagar como consta no ponto 7°, sendo que ao montante de cada liquidação é deduzida a percentagem de 15% para constituição de «fundo de garantia», sendo ainda o IVA suportado em 50% por autora e ré, tudo conforme fls. 10 a 33, cujo teor se dá por reproduzido.

    4. Autora e ré celebraram entre si, em 28.02.2005, um acordo que denominaram de «aditamento contrato de empreitada construção civil - pedreiro, outorgado em 28 de Julho de 2004» onde declaram alterar, por mútuo acordo, o custo da adjudicação, que passa a ser de € 28.000,00, passando a cláusula 6a do contrato referido em c) a referir a percentagem de 20%, alteram o modo de pagamento do custo...

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