Acórdão nº 5943/07.8YYPRT-A.P1.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 01 de Março de 2010

Magistrado ResponsávelJOÃO BERNARDO
Data da Resolução01 de Março de 2010
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

S Privacidade: 1 Meio Processual: REVISTA Decisão: PROVIMENTO PARCIAL Sumário : 1 . O regime de autonomia das garantias autónomas relativamente ao contrato-base emerge do que foi convencionado pelas partes.

2 . Podendo dele resultar a integração na categoria de garantia autónoma simples ou na de garantia autónoma à primeira solicitação ou ainda um regime misto ou incaracterístico reportado a ambas.

3 . Se as partes acordaram em que o banco se responsabilizava “pela entrega de quaisquer importâncias que se tornem necessárias até ao valor desta garantia, se aquela entidade sua afiançada, faltando ao cumprimento das suas obrigações, incorrer no seu total ou parcial pagamento”, estamos perante uma garantia autónoma simples.

4 . Neste caso, tinha a exequente que fazer a prova complementar do título, relativamente aos factos que integram o não cumprimento ou o cumprimento defeituoso.

5 . Não tendo, para tal, seguido a tramitação prevista no artigo 804.º do Código de Processo Civil e havendo oposição, pode nesta suprir o que faltou.

6 . Se, porém, a alegação, na resposta à oposição, não conduz a liquidez da obrigação, não pode prosseguir a execução.

7 . A cessão da posição contratual do beneficiário das garantias a terceiro, em que ficou reservado para o cedente o direito de continuar a exigir do devedor do contrato-base a satisfação do seu crédito e em que foi apenas este mesmo crédito que constituiu o objecto da cedência, não determina a extinção das garantias autónomas.

Decisão Texto Integral: 1 Acordam no Supremo Tribunal de Justiça: I - AA – Actividades Imobiliárias, SA, e BB – Sociedade Nacional de Comércio de Electrodomésticos, SA moveram execução ao: Banco CC, SA; Visando obter o pagamento da quantia de € 1.109.222,53, (reduzida, posteriormente, para € 710.435,60) acrescida de juros de mora.

O executado deduziu oposição, alegando, em síntese, que: Inexiste título executivo por os documentos particulares juntos como título executivo não integrarem o elenco de títulos executivos constante do art. 46.º do Cód. Proc. Civil; Caducou o direito de accionar; Extinguiu-se a obrigação garantida: Extinguiu-se a garantia, por força de cessão de posição contratual; Os exequentes são partes ilegítimas; A obrigação é ilíquida; Os exequentes não provaram que foi excutido o património da sociedade afiançada, a Sociedade de Construções DD, S.A.; Houve erro das exequentes na indicação do crédito em capital de € 724.942,71, e errada liquidação de juros no requerimento executivo.

Estes contestaram, negando as invocadas excepções e concluindo pela improcedência da oposição.

II – No douto saneador-sentença, a Sr.ª Juíza decidiu nos seguintes termos: “Pelo exposto, na procedência da oposição deduzida: Julgo a exequente AA – Actividades Imobiliárias, S.A., parte ilegítima, absolvendo o executado BANCO CC, S.A., da instância executiva pela mesma instaurada; Julgo procedente a excepção de extinção das garantias bancárias dadas à execução, absolvendo o Banco executado do pedido exequendo contra si deduzido pela exequente BB – Sociedade Nacional de Comércio de Electrodomésticos, S.A.,.

Custas a cargo das exequentes.”.

Entendeu a Sr.ª juíza, na parte que agora interessa e em resumo, que: Os documentos dados à execução encerram uma garantia bancária e não uma fiança; A garantia bancária é simples e não à primeira solicitação ou on first demand; Os mesmos documentos constituem títulos executivos; Tratando-se de garantias bancárias simples, havia a exequente que alegar e demonstrar o incumprimento de devedora; Só foi feita tal demonstração – e dando de barato que os factos respectivos podiam ser alegados na resposta à contestação – relativamente às garantias bancárias constantes dos documentos 1, 30, 46 e 60; De qualquer modo, a cessão da posição contratual da agora exequente para a sociedade AA, determinou a extinção de todas as garantias; Não relevando a cessão de créditos desta para a BB, porque, tendo tido lugar a extinção das garantias, esta não podia ceder o que não existia.

III – Inconformadas, a primeira exequente agravou e a segunda apelou.

Mas sem êxito, porquanto o Tribunal da Relação do Porto negou provimento ao agravo e julgou improcedente a apelação.

Louvou-se na decisão de 1.ª instância, nos termos do artigo 713.º, n.º5 do Código de Processo Civil, acrescentando que: Estamos perante garantias autónomas simples; Não foi feita prova do incumprimento do devedor, excepto relativamente às garantias constantes dos documentos n.ºs 1, 30, 46 e 60; A cessão da posição contratual no contrato - base, sem acordo do garante, determinou a extinção de todas.

IV – Ainda inconformada, traz a BB revista.

Conclui as alegações do seguinte modo: A. Inexistindo cláusula à primeira solicitação nas 60 garantias dadas à execução, importa interpretar o texto das mesmas no sentido de se apurar qual a vontade das partes, de acordo com os arts. 236º e 238º do Código Civil. A Recorrente desde já antecipa que considera que as 60 garantias bancárias dadas à execução são autónomas e automáticas ou à primeira solicitação.

B. No que respeita ao teor das expressões constantes do texto dos documentos dados à execução, os termos das garantias prestadas levam à conclusão de que o CC assumiu uma obrigação independente da obrigação garantida, pois o ora Executado responsabilizou-se pela “(…) entrega de quaisquer importâncias que se tornem necessárias até ao valor desta garantia (…)”, valor esse que é indicado em todas as garantias bancárias de forma líquida e fixa, ou seja, em todas os títulos dados à execução consta uma quantia de forma determinada. O “pagamento imediato” das quantias expressas em cada uma das garantias bancárias está somente dependente da invocação pela Beneficiária BB do não cumprimento por parte do Empreiteiro DD das suas obrigações contratuais.

C. Quanto às circunstâncias da situação concreta e aos próprios usos comerciais, independentemente de se pugnar ou não pela aplicabilidade ao caso sub judice do Decreto-Lei n.º 235/86, um declaratário medianamente instruído, diligente e sagaz, na posição do ora Executado, (1) não deixaria de atender que a garantia cuja emissão o Empreiteiro solicitava destinava-se a substituir um depósito em dinheiro que podia ser movimentado pelo Dono de Obra sem dependência de qualquer decisão judicial, (2) anteveria que com tal substituição não era pretensão das partes diminuir as garantias do Dono de Obra e, nessa medida, (3) contaria com a interpretação segundo a qual, pela sua natureza e finalidade, a garantia bancária emitida fosse equiparada ao depósito em dinheiro e tivesse de garantir as obrigações do Empreiteiro tal como os depósitos reais e efectivos objecto da substituição.

D. Mesmo tratando-se de um contrato de empreitada civil, o ora Executado não podia desconhecer o clausulado dos três contratos de empreitada e dos mesmos resultam uma série de estipulações típicas dos contratos de empreitada de obras públicas (por exemplo, Cláusulas 8ª, 13ª, 10ª e 15ª). A natureza marcadamente “publicista” dos três contratos de empreitada era mais uma evidência que sustenta uma interpretação mais rigorosa e mais atenta à segurança que o Dono de Obra buscou ao aceitar receber as 60 garantias bancárias ora dadas à execução em substituição do depósito em dinheiro.

E. Acresce que, conforme julgou o S.T.J. no Acórdão de 11.12.2001 junto com a Resposta da Recorrente à ampliação do objecto do recurso de Apelação requerida pelo Recorrido, a pretender-se outra solução seria considerar que o dono da obra prescindia de uma garantia efectiva, concreta e livre de qualquer contingência, para optar por uma garantia incerta, com riscos e de problemática execução, o que ninguém faria, seja qual for o regime aplicável.

F. Donde, não é admissível interpretar a vontade real das partes em sentido diverso daquele segundo o qual as garantias bancárias ora dadas à execução revestem a natureza de garantias autónomas, irrevogáveis e incondicionais, com as quais o CC assumiu a obrigação de assegurar o “imediato pagamento” de quaisquer importâncias exigidas pela BB enquanto Dono de Obra, mediante a mera alegação do incumprimento do Empreiteiro DD. Tais garantias bancárias constituem títulos executivos.

G. O facto de ser mencionado nas garantias com que o Executado se comprometeu que este se responsabilizaria pelo pagamento das mesmas em caso de má execução ou inexecução do contrato base, não implica a sua qualificação imediata como garantias autónomas simples. Pelo contrário, numa garantia autónoma simples não basta a entidade beneficiária invocar a inexecução ou execução defeituosa do contrato base para ter direito à prestação, necessitando de fazer prova desse incumprimento. Ao não submeterem a prestação das garantias a uma tal condição probatória, era inequívoca a vontade das partes nos contratos de garantia – entre as quais se conta, naturalmente, o Banco emissor, o ora Executado Banco CC – assegurar o cumprimento das empreitadas adjudicadas pela BB com garantias autónomas à primeira solicitação, com o que violou o Acórdão em crise os arts. 236º e 238.º do C.C..

H. A corroborar esta interpretação está ainda a aplicação supletiva ou analógica ao caso concreto do regime das empreitadas de obras públicas. Isto porque, não obstante o acordado na Cláusula 10ª dos contratos de empreitada, as partes não regularam expressamente a situação de substituição do depósito em dinheiro por garantia bancária como caução de garantia que está em causa nestes autos. Acontece que, nem os contratos de empreitada nem a lei geral (arts. 623º e seguintes do C.C.) solucionam a questão que ora nos ocupa, o que nos conduz, efectivamente, à aplicação supletiva do Decreto-Lei n.º 235/86 ao Contrato de Empreitada referido no Ponto 3.1. dos Factos Provados, por força do disposto na sua Cláusula 18ª.

I. É entendimento uniforme na jurisprudência que as três alternativas de prestação de caução que são colocadas à escolha do adjudicatário nos termos do art. 102º...

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