Acórdão nº 3062/05.0TMSNT.L1.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 01 de Março de 2010

Magistrado ResponsávelSALAZAR CASANOVA
Data da Resolução01 de Março de 2010
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

S Privacidade: 1 Meio Processual: REVISTA Decisão: NEGADA Sumário : I - As cláusulas contratuais gerais relativamente proibidas podem ser apreciadas no âmbito de acção inibitória conforme prescrito no art. 22.º do DL n.º 446/85, de 25-10, cumprindo considerá-las à luz do quadro negocial padronizado (arts. 19.º e 21.º do mencionado DL).

II - Isso significa que o intérprete tomará em consideração os interesses envolvidos em função do tipo de negócio que está em causa no âmbito da regulamentação contratual predisposta, não nos remetendo a lei para o concreto negócio de cada contraente, pois, se assim fosse, não seria possível fora daquele particular negócio, declarar proibidas, com a amplitude que a lei pretende, determinadas cláusulas incluídas em contratos sujeitos ao regime do mencionado diploma.

III - As cláusulas 7.ª, n.º 4, e 8.ª, n.º 2, infra transcritas, do contrato de aluguer de veículo sem condutor em que figura como outorgante locador a Tecnicrédito ALD – Aluguer de Automóveis, S.A., são cláusulas absolutamente proibidas, por conseguinte nulas, pois alteram as regras respeitantes à distribuição do risco conforme prescrito no art. 21.º, al. f), do DL n.º 446/85, de 25-10: - «O locatário é, em qualquer caso, sempre responsável por qualquer prejuízo e/ou dano que o veículo referido sofra e/ou seja responsável, desde que consequência de evento ocorrido durante o período que medeia desde a data de celebração deste contrato até à restituição efectiva do veículo ao Locador, mesmo que havido como de força maior» (cláusula 7.ª, n.º 4); - «Caso a caducidade resulte de perda total do veículo, o locatário indemnizará o Locador no maior dos seguintes valores: o valor dos alugueres vincendos e/ou dos alugueres vencidos e não pagos deduzido da caução ou o valor de mercado do bem» (cláusula (8.ª, n.º 2).

IV - A cláusula 10.ª, n.º 4, do aludido contrato, infra transcrita, constitui cláusula relativamente proibida, por conseguinte nula, face ao prescrito no art. 19.º, al. c), do DL n.º 446/85, de 25-10, por ser desproporcionada face aos danos a ressarcir: - «A indemnização referida no artigo anterior destinada a ressarcir o Locador – que fará sempre suas todas as importâncias pagas até então nos termos deste contrato – dos prejuízos resultantes da desvalorização do veículo e do próprio incumprimento em si do contrato pelo Locatário – não sendo nunca inferior a 50% do total do valor dos alugueres referidos nas Condições Particulares» (cláusula 10.ª, n.º 4).

V - A cláusula 11.ª, n.º 2, do aludido contrato, infra transcrita, constitui cláusula proibida, por conseguinte nula, por ser contrária à boa fé e desrespeitar os valores fundamentais do direito, face ao disposto nos arts. 15.º e 16.º do DL n.º 446/85, de 25-10: - «A não restituição do veículo, nos termos do nº anterior, implica que o mesmo passe a ser utilizado ou detido contra a vontade do respectivo proprietário, fazendo incorrer o responsável dessa situação na prática de ilícito criminal, designadamente na prática de crime de “furto de uso de veículo” revisto e punido no artigo 304º do Código Penal Português» (cláusula 11.ª, n.º 2).

VI - A cláusula 11.ª, n.º 3, do aludido contrato, infra transcrita, constitui cláusula absolutamente proibida, por conseguinte nula, porque exclui um eventual direito de retenção e por violar o princípio da legalidade e da boa fé por parte do locatário face ao disposto nos arts. 15.º, 16.º, 17.º e 18.º, al. g), do DL n.º 446/85, de 25-10: - «Sem prejuízo do estipulado no nº anterior, o Locador fica autorizado a retirar a viatura ao locatário sempre que a sua restituição não se efective voluntariamente nos termos do nº 1 da presente cláusula, podendo para o efeito o Locador utilizar os meios que entender adequados e cobrar, ao Locatário, todos os custos em que incorra» (cláusula 11.ª, n.º 3).

VII - A cláusula 18.ª do aludido contrato, infra transcrita, constitui cláusula relativamente proibida, por conseguinte nula, porque estabelece foro competente que envolve graves inconvenientes para uma das partes, sem que os interesses da outra o justifiquem face ao disposto no art. 19.º, al. g), do DL n.º 446/85, de 25-10:~ - «Os litígios emergentes deste contrato serão dirimidos no Tribunal da Comarca de Lisboa, com expressa renúncia a qualquer outro» (cláusula 18.ª).

Decisão Texto Integral: Acordam no Supremo Tribunal de Justiça: 1.

O Digno magistrado do Ministério Público demandou AA ALD-Aluguer de Automóveis,S.A. deduzindo os seguintes pedidos: - Que seja a ré proibida de utilizar as cláusulas contratuais gerais previstas nas cláusulas 4ª, n.º2, 7.ª.n.º4, 8.ª n.º2, 10.ªn.º4, 11.ª n.º2, 11.ª, n.º3, 18.º do contrato de aluguer de veículo sem condutor em todos os contratos que venha a celebrar com os seus clientes.

- Que seja condenada a dar publicidade a tal proibição, e a comprovar nos autos essa publicidade, em prazo a determinar na sentença respectiva, sugerindo-se que a mesma seja efectuada em anúncio a publicar em dois jornais diários de maior tiragem em Lisboa e Porto, durante três dias consecutivos, nos termos do artigo 30.º,n.º2 do Decreto-Lei n.º 446/85, de 25 de Outubro.

- Dar-se cumprimento ao disposto no artigo 34.º do aludido diploma, remetendo-se ao Gabinete de Direito Europeu certidão de sentença para os efeitos previstos na Portaria n.º 1093, de 6 de Setembro.

  1. Foi proferida decisão de 1ª instância nos seguintes termos: Nos presentes autos de acção declarativa inibitória, sob a forma de processo comum sumário, em que é A. o Ministério Público e ré AA, ALD -Aluguer de Automóveis, S.A., julgo a presente acção procedente e provada e, em consequência: - Condeno a ré AA ALD - Aluguer de Automóveis, S.A. a abster-se de utilizar nos contratos de aluguer de longa duração por si propostos aos seus clientes, as cláusulas contratuais gerais objecto dos presentes autos e acima transcritas e cujos conteúdos correspondem às seguintes actuais cláusulas insertas nas “ Condições Gerais” do contrato-tipo junto aos autos a fls. 41 a 43 por serem proibidas e nulas nos termos superiormente referidos:

    1. N.º2 da cláusula 4.ª (sob a epígrafe “Preço”); b) N.º4 da cláusula 7.ª (sob a epígrafe “Seguros e responsabilidade civil do locatário”) c) N.º2 da cláusula 8ª ( sob a epígrafe “Caducidade do contrato”) d) N.º4 da cláusula 10ª (sob a epígrafe “Rescisão e denúncia pelo locador”) e) nºs 2 e 3 da cláusula 11ª ( sob a epígrafe “ Restituição do veículo”) - Condeno a ré a dar publicidade à proibição decretada em 1), nos seguintes termos: mediante anúncios a publicar em dois dos jornais diários de maior tiragem, editados em Lisboa e no Porto, durante dois dias consecutivos, fazendo referência à presente sentença, após trânsito em julgado da mesma, e com transcrição das cláusulas cuja proibição de utilização foi decidida, em pelo menos ¼ de página do jornal e de forma bem legível, devendo a ré comprovar tal publicação nestes autos, no prazo de 30 dias, contados a partir do trânsito em julgado.

    - Determino a remessa ao Gabinete de Direito Europeu do Ministério da Justiça da certidão desta sentença, após trânsito em julgado da mesma, nos termos do disposto no artigo 34.º do Decreto-Lei n.º 446/85, de 25 de Outubro e para os efeitos previstos na Portaria n.º 1093/95, de 6 de Outubro.

  2. Da decisão foi interposto recurso para o Tribunal da Relação pelo Ministério Público e pela ré.

  3. O Ministério Público ficou parcialmente vencido pois, quanto à cláusula 18.ª (sob a epígrafe “ foro competente”), considerou-se estar a questão ultrapassada com a publicação da Lei n.º 14/2006, de 26 de Maio; face ao disposto no artigo 6.º dessa lei segundo o qual esta se aplica às acções e requerimentos de injunção instaurados ou apresentados depois da sua entrada em vigor, entendeu-se que, após a sua entrada em vigor, os pactos de aforamento com vista ao conhecimento e apreciação de acções por incumprimento contratual deixaram de ser permitidos, tanto mais que, de acordo com o acórdão de uniformização de jurisprudência de 18-10-2007, “ as normas dos artigos 74.º/1 e 110.º/1, alínea a) do C.P.C. resultantes da alteração decorrente do artigo 1.º da Lei n.º 14/2006, de 26 de Abril aplicam-se às acções instauradas após a sua entrada em vigor, ainda que reportadas a litígios derivados de contratos celebrados antes desse início de vigência com cláusula de convenção de foro em sentido diverso”.

  4. O acórdão do Tribunal da Relação julgou procedente a apelação do Ministério Público e parcialmente procedente a apelação da ré, revogando a decisão recorrida na parte em que julgou nula a cláusula 4.ª/2 e, quanto ao decidido sobre a cláusula 18ª, considerando-a nula, mantendo-se, no mais, o que consta da decisão recorrida.

  5. A ré, no recurso interposto para o Supremo Tribunal, conclui a sua minuta nestes termos: 1ª - Impõe-se, conforme referido, que os autos baixem à 1ª instância para aí se conhecer e decidir sobre a matéria de facto constante dos artigos 6º, 27º, 28º, 29º, 30º, 38º, 44º, 65º, 96º, primeira parte, e 99º da contestação dado o manifesto interesse que esta matéria de facto tem para a decisão da presente acção, como ainda para que, em 1ª instância, se conheça de qual a posição assumida pelo réu, ora recorrente, atento o facto de a presente acção ter sido instaurada antes da publicação da lei n.º 14/2006, de 26 de Abril, que alterou a redacção dos artigos 74.º/1 e 110.º/1 , alínea a) do C.P.C., atento o facto de, face à publicação de tal lei, a cláusula 18ª ter sido eliminada de todos os contratos idênticos celebrados pelo recorrente e, ainda, também, face à aplicação do Decreto-Lei n.º 133/2009, de 2 de Junho, e à reformulação completa do contrato dos autos, face também ao disposto no artigo 3.º e 663.º do referido normativo legal, tendo desta forma o acórdão recorrido, ao não permitir conhecer da dita matéria de facto, violado o disposto nos artigos 510./1, alínea b) do C.P.C. e também, ainda, o disposto nos citados artigos 663.º e 3.º do C.P.C. com...

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