Acórdão nº 1839/06.9TVLSB.L1.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 01 de Março de 2010

Magistrado ResponsávelFONSECA RAMOS
Data da Resolução01 de Março de 2010
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

S Privacidade: 1 Meio Processual: REVISTA Decisão: NEGADA A REVISTA Sumário : I) - Um dos limites à liberdade de informar, que não é por isso um direito absoluto, é a salvaguarda do direito ao bom-nome. Os jornalistas, os media, estão vinculados a deveres éticos, deontológicos, de rigor e objectividade.

II) – Assiste aos media o direito, a função social, de difundir notícias e emitir opiniões críticas ou não, importando que o façam com respeito pela verdade e pelos direitos intangíveis de outrem, como são os direitos de personalidade.

III) – O direito à honra em sentido lato, e o direito de liberdade de imprensa e opinião são tradicionais domínios de conflito.

IV) – O sentido crítico dos leitores que seguem o fenómeno desportivo, mormente as discussões em torno do futebol, é exacerbado por questões de toda a ordem, já que o constante debate na imprensa escrita e falada, sobredimensiona a importância de questões que, numa sociedade onde os valores cívicos deveriam ser a preocupação maior dos cidadãos, são relegados para segundo plano pela constante evidência de acontecimentos distractivos, sejam os da imprensa desportiva, cor-de-rosa, ou quejanda.

V) – A crítica tem como limite o direito dos visados, mas não deixa de ser legítima se for acutilante, acerada, desde que não injuriosa, porque quantas vezes aí estão o estilo de quem escreve.

VI) – No âmbito do desporto e do futebol os actores do palco mediático nem sempre convivem de modo são com a crítica, quantas vezes por culpa dos media que se dividem entre apoiantes de uns e antagonistas de outros, não mantendo a equidistância postulada por uma actuação objectiva, com respeito pelos valores da ética jornalística.

VII) – Não lidando bem com as críticas do Autor, o Réu pôs em causa a idoneidade pessoal e profissional daquele, afirmando “que era um opinador pago para dizer mal, diariamente, referenciando o seu nome e afirmando que se pagasse jantares, wkiskeys e charutos seria uma pessoa muito bem vista.

O Autor foi, publicamente, apelidado pelo Réu, de jagunço que, notoriamente, é um termo injurioso. Segundo o “Dicionário Houaiss da Língua Portuguesa”, jagunço significa – “valentão que serve de guarda-costas a fazendeiros”, “homem que serve de guarda-costas a fazendeiros e caciques”, “capanga”, “guarda-costas”, “pistoleiro contratado para matar”, […] pessoa torpe, reles, que vive de expedientes”.

VIII) – Qualquer leitor, medianamente avisado, colherá destas afirmações a ideia que o Autor, como jornalista, é um mau profissional, dado a influências em função de pagamentos e favores, o que é demolidor para o seu trabalho que deve ser isento, e para a sua imagem de pessoa que deve ser incorruptível e séria na suas apreciações, e também o lesa como cidadão que preza a sua honra.

IX) - Criticar implica censurar, a censura veiculada nos media só deixa de ser legítima como manifestação da liberdade individual quando exprime antijuricidade objectiva, violando direitos que são personalíssimos e que afectam, mais ou menos duradouramente segundo a memória dos homens, bens que devem ser preservados como são os direitos aqui em causa, à honra, ao bom nome e ao prestígio social.

Decisão Texto Integral: Acordam no Supremo Tribunal de Justiça AA intentou, em 17.3.2006, nas Varas Cíveis de Lisboa, 1ª Vara – acção declarativa de condenação com processo ordinário contra: BB.

Alegou, em síntese, que, em 13 de Novembro de 2005, o Réu, na qualidade de presidente do Sport Lisboa e Benfica, no decurso de uma deslocação ao Canadá, proferiu um discurso em que fez afirmações ofensivas de jornalistas que “prometeu” identificar na televisão, em entrevista que tinha agendada na RTP Internacional.

Tais afirmações, em que os ditos jornalistas eram apelidados de “jagunços”, de “lixo”, de “porcaria” e que eram pessoas sem valores de família, foram reproduzidas em diversos jornais desportivos nacionais.

No dia 15 de Novembro de 2005 o Réu, em entrevista dada na RTP Internacional, referindo-se ao ora Autor, cujo nome mencionou, disse, entre outras coisas, que o Autor era pago para dizer mal, nomeadamente com almoços, jantares e charutos.

Tais declarações ofendem o Autor na sua honra e consideração, sendo susceptíveis de causar descrédito e desconfiança junto do público.

Pese embora a gravidade dos danos, o Autor não pretende valorizá-los em termos pecuniários, pelo que requer a condenação do Réu no pagamento de uma indemnização no valor simbólico de € 1,00.

O Autor concluiu pedindo que o Réu seja condenado a pagar-lhe a quantia de € 1,00.

O Réu contestou, desmentindo as declarações que lhe são imputadas nos jornais e admitindo, relativamente às afirmações proferidas na televisão, apenas o que resultar da gravação de imagem e som da aludida entrevista.

Considerou que as afirmações que lhe são atribuídas não podem ser julgadas ofensivas.

Alegou que as declarações do Réu na entrevista em causa foram prestadas num contexto de resposta a diversas declarações do A. em artigos de sua autoria, que cita, essas sim lesivas da honra e consideração pessoal e profissional do Réu.

Em reconvenção, e apenas para o caso de não ser absolvido do pedido, o Réu pediu que o Autor fosse condenado a pagar-lhe uma indemnização pelos danos não patrimoniais alegadamente causados por essas afirmações, a que atribui o valor de € 2 500,00, acrescida de juros à taxa legal até integral e efectivo pagamento.

O Réu frisou que essa indemnização, cujo valor qualifica de simbólico, seria doada a uma instituição de caridade.

O Autor respondeu à reconvenção, pugnando pela sua inadmissibilidade e bem assim pela sua improcedência, defendendo que os artigos que escreveu na imprensa não são ofensivos e não extravasam os limites do exercício legítimo da liberdade de expressão, de opinião e de imprensa.

O Autor concluiu pela sua absolvição da instância reconvencional ou, caso assim não se entenda, pela sua absolvição do pedido.

A reconvenção foi admitida e o processo seguiu os seus termos.

Em 16.10.2008 foi proferida sentença em que se julgou a acção totalmente improcedente e, consequentemente, absolveu o Autor do pedido e julgou prejudicado o conhecimento do pedido reconvencional.

O Autor apelou para o Tribunal da Relação de Lisboa que, por Acórdão de 14.5.2009 – fls. 540 a 564 –, revogou a decisão recorrida e julgou a acção provada e procedente, condenando o Réu a pagar ao Autor, a título de indemnização por danos não patrimoniais, a quantia de € 1,00 (um euro) e julgou a reconvenção não provada e improcedente e, consequentemente, absolveu o Autor do pedido reconvencional.

Inconformado, o Réu recorreu para este Supremo Tribunal de Justiça e, alegando, formulou as seguintes conclusões: 1. Para demonstrar os motivos que justificam a sua absolvição e caso tal improcedesse, sem conceder, os motivos que justificam a condenação do Recorrido, o Recorrente passará doravante a analisar os pressupostos da responsabilidade civil que justificam a sua absolvição e a condenação do Recorrido, complementado essa análise com a resposta aos fundamentos invocados na decisão recorrida.

1. Da devida absolvição do Recorrente: 2. Contrariamente ao que se concluiu na decisão recorrida e com o devido respeito, não estão reunidos quanto ao Recorrente os pressupostos previstos no art. 483 do Código Civil.

Pelos seguintes motivos:

  1. Do facto ilícito: Em primeiro lugar, 3. Contrariamente ao julgado na decisão recorrida (págs. 22), o Recorrente não visou a pessoa do Recorrido, mas sim os seus actos, o conteúdo dos seus artigos de opinião – que de acordo com o que foi julgado provado (cfr. sentença, n.° 5 dos factos da BI provados), não é isenta, mas sim condicionada por terceiros.

    Como, muito bem, tinha considerado a 1ª Instância (cfr. sentença, a fls. 428, segundo parágrafo e fls. 429 segundo parágrafo).

    Com o devido respeito, 4. Foi incoerente na decisão recorrida aplicar este argumento ao Recorrente sem o fazer ao Recorrido, porque, contrariamente ao que nela se concluiu (págs. 20 e 23), o Recorrido visou a pessoa do Recorrente a pretexto dos seus actos, como notoriamente resulta das expressões supra citadas constantes dos seus escritos.

    Já a 1ª Instância tinha considerado pelo menos equivalentes as declarações das partes (cfr. sentença, a fls. 428, terceiro parágrafo).

    De igual modo e com o devido respeito, 5. É também incoerente na decisão recorrida criticar a 1ª Instância por esta considerar que o Recorrente só expressou a sua crença e recriminar a este não ter provado que acreditava no que dizia nem ter indicado razões para o acreditar.

    6. É que: 6.1. Também não se provou que o Recorrido acreditava no que disse do Recorrente; 6.2. Nem se pode considerar que ele tinha ao menos razões para isso porque, como adiante melhor se verá, não há nos autos sombra de motivo para crer que o Recorrente tenha alguma vez dito ou assumido o momento até ao qual tinha de se demitir que o Recorrido nos seus escritos lhe imputa, sem motivo nem como sendo Outubro de 2005.

    B) Da culpa: 7. No caso do Recorrente não existe dolo, porque na matéria de facto nada se provou quanto às suas intenções, uma vez que o nº5 dos factos provados se reporta só ao sentido e interpretação das afirmações do Recorrente e não às intenções com que as afirmações, com tal sentido ou interpretação, teriam sido ditas.

    8. A págs. 23 da decisão recorrida considera-se quanto ao Recorrente que à verificação deste pressuposto basta a negligência, mas a ser assim o que não se concede, como adiante se defenderá, terá de ser aplicado ao Recorrido idêntico critério na aferição da sua responsabilidade.

    C) Do dano: Neste âmbito, 9. Com o devido respeito, critica-se à decisão recorrida a absoluta falta de fundamento para concluir (pág. 23) que a entrevista ao Recorrente de que se queixa o Recorrido foi vista por uma audiência de dezenas de milhares de pessoas.

    Porque, 10. Como é inequívoco, nada na matéria de facto se alegou e muito menos provou quanto a isto, nem a audiência de um determinado programa...

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