Acórdão nº 362/07.9TTCBR.C1.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 01 de Março de 2010

Magistrado ResponsávelPINTO HESPANHOL
Data da Resolução01 de Março de 2010
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

S Privacidade: 1 Meio Processual: REVISTA Decisão: NEGADA A REVISTA Sumário : 1. Resultando do teor literal das Cláusulas I.ª, n.º 1, e II.ª, n.os 1 e 2, do contrato de trabalho a termo certo firmado entre as partes a menção expressa dos factos que integram o motivo justificativo da contratação a termo, os quais permitem estabelecer a relação entre a justificação invocada e o termo estipulado, não se verifica a ofensa do disposto no artigo 131.º, n.os 1, alínea e), e 3, do Código do Trabalho de 2003.

  1. Na contratação de trabalhador a termo certo, com excepção das situações de estipulação de prazo inferior a 6 meses, o termo pode ser inferior ao necessário para a satisfação da necessidade temporária invocada como sua justificação, sendo certo que a lei se limita a impor que a duração do contrato não exceda a duração da justificação, mas não proíbe que fique aquém desta.

  2. No contexto da relação contratual de trabalho a termo certo ajustada entre as partes, não configura uma situação de despedimento a comunicação endereçada pela empregadora à autora, informando-a que não pretendia renovar o contrato de trabalho a termo celebrado, «pelo que este caducava a partir de Novembro de 2006, cessando as funções da autora, na ré, em 31 de Outubro de 2006».

    Decisão Texto Integral: Acordam na Secção Social do Supremo Tribunal de Justiça: I 1.

    Em 2 de Abril de 2007, no Tribunal do Trabalho de Coimbra, 2.º Juízo, AA instaurou a presente acção declarativa, com processo comum, emergente de contrato de trabalho contra ASSOCIAÇÃO DE DESENVOLVIMENTO DAS TERRAS DO REGADIO, pedindo: (a) se considere o contrato de trabalho celebrado entre as partes como sem termo e se declare a ilicitude do despedimento da autora pela ré, por inexistência de justa causa e de processo disciplinar; (b) se condene a ré a reintegrá-la no seu posto de trabalho, sem prejuízo da categoria, retribuição e antiguidade, ou, se assim vier a optar, a pagar-lhe a indemnização legal de antiguidade, no mínimo igual à retribuição de três meses, e, sempre, a pagar-lhe a quantia de € 1.793,09, a título de retribuições vencidas desde a data do despedimento e as retribuições que se vencerem até ao trânsito em julgado da sentença; sem prescindir, (c) caso se considere aplicável o disposto no artigo 440.º do Código do Trabalho, a condenação da ré a reintegrá-la, se o termo de dois anos ocorrer posteriormente ao trânsito em julgado da sentença, acrescida das retribuições que teria auferido desde a data do despedimento até à data de reintegração ou, caso contrário, a pagar a quantia de € 24.861,97, correspondente às retribuições que deixou de auferir desde a data do despedimento até ao termo, que seria em 31 de Outubro de 2006; em qualquer dos casos, (d) a condenação da ré a pagar-lhe a quantia de € 9.000, a título de indemnização pelos danos não patrimoniais emergentes de despedimento ilícito; (e) a condenação da ré a pagar-lhe juros de mora, à taxa legal, desde a data da citação até efectivo e integral pagamento.

    Alegou, em resumo, que foi contratada para trabalhar ao serviço da ré como coordenadora do «Projecto i9-Tur», mediante a retribuição mensal ilíquida de € 1.712,66, acrescida de subsídio de almoço diário de € 3,83. Tal contrato foi celebrado pelo prazo de um ano, sujeito a renovação por igual período. Apesar dos esforços da autora no exercício das suas funções e dos resultados conseguidos, bem como de o Projecto em causa ter a duração prevista de dois anos, a ré manifestou formalmente a sua intenção de não renovar o contrato para além do primeiro ano de vigência, não invocando qualquer facto consubstanciador de justa causa de despedimento, nem organizando qualquer processo disciplinar, sendo que, por força de tal comunicação, a autora deixou de prestar serviço à ré ou a qualquer outra entidade a partir de 1 de Novembro de 2006, apesar daquele Projecto continuar em execução, tendo ficado chocada, indignada e frustrada com o comportamento da ré.

    Ora, prossegue a autora, o contrato firmado, além de definir de modo excessivamente genérico o motivo justificativo da aposição de termo certo, não faz qualquer referência à relação entre a justificação invocada e o termo estipulado, pois, se o fosse, o termo necessariamente seria de dois anos e não de um, pelo que, por força do disposto no n.º 4 do artigo 131.º do Código do Trabalho, deve considerar-se inválida a estipulação do termo e o contrato reputar-se por tempo indeterminado, correspondendo a dispensa da autora a um despedimento ilícito.

    A ré contestou, alegando que a prestação profissional da autora esteve longe de corresponder às expectativas da ré e dos parceiros do Projecto, com os quais a autora criou frequentes conflitos e incompatibilidades pessoais, sendo que a própria autora já havia comunicado, anteriormente, a diversos elementos da direcção da ré, a sua desmotivação para continuar a desenvolver as funções para que fora contratada; doutro passo, aduziu que a minuta do contrato foi entregue antecipadamente à autora antes de o assinar, para que fosse examinada por uma sua irmã advogada, não se vendo razões para que questione agora a sua validade ou rigor técnico-jurídico, uma vez que o termo aposto se encontra devidamente justificado, obedecendo a todos os requisitos legais, inexistindo fundamento para qualquer dos pedidos da autora.

    Após o julgamento, foi proferida sentença que julgou a acção improcedente.

  3. Inconformada, a autora apelou, tendo o Tribunal da Relação de Coimbra confirmado inteiramente a sentença impugnada, negando provimento ao recurso.

    É contra esta decisão que a autora se insurge, mediante recurso de revista, em que formula as seguintes conclusões: «1ª – A única referência constante do contrato de trabalho a termo celebrado entre a A. e a R. pelo prazo de um ano para justificar o termo estipulado é a seguinte: “alínea g) do n.º 2 do art. 129.º do CT, para desenvolver funções no âmbito do Projecto i9 – Tur (PIC EQUAL, Acção 2)”.

    1. – Esta justificação não satisfaz as exigências do disposto no art. 131.º, n.º 1, alínea e), e n.º 3 do Código do Trabalho, aprovado pela Lei 99/2003 de 27/8, devendo ser considerado o contrato de trabalho sem termo por força do disposto no art. 131.º citado, n.º 4. Na verdade, 3ª – A formalidade exigida pelas disposições legais citadas na conclusão anterior é "ad substantiam", não podendo a falta ou insuficiência de justificação do termo ser suprida por outros meios de prova e só podendo ser considerados como motivo justificativo do termo os constantes do próprio contrato, sendo irrelevantes os factos provados em audiência de julgamento que não tenham expressão no texto do contrato.

    2. – Os factos 32. e 33. elencados no Acórdão recorrido, a que o Tribunal "a quo" recorreu para conhecer a duração do Projecto e a data do seu início, não podem ser invocados para preencher a lacuna da justificação constante do contrato, que omite a duração do projecto e a data do seu início, não sendo por isso possível, com base no texto do próprio contrato, estabelecer o nexo de causalidade entre duração do motivo justificativo e a do próprio contrato.

    3. – A insuficiência do motivo justificativo converte o contrato de trabalho a termo celebrado entre a A. e a R. em contrato sem termo e a comunicação de não renovação do contrato realizada pela R. em despedimento ilícito por inexistência de justa causa e de processo disciplinar, com as consequências peticionadas (art.s 129.º, 131.º, n.º 1, al.

      e), n.os 3 e 4, 383.º, 384.º, 387.º, 396.º, 411.º a 416.º, 429.º a 440.º do Código do Trabalho).

    4. – Mesmo que se admita, no que se não concede, que a descrição do motivo justificativo constante do contrato de trabalho é suficiente, a circunstância de o Projecto previsto no contrato ter a duração de 24 meses e ter tido início em 1 de Novembro de 2005 e de no contrato de trabalho se haver estipulado o prazo de apenas 12 meses e de o mesmo contrato ter cessado em 1 de Novembro de 2006 por iniciativa unilateral e não motivada da R., quando ainda estava em curso de execução o Projecto e estavam programadas actividades que se prolongavam por 2007 até à conclusão do previsto prazo de 24 meses, tornam a estipulação do termo ilícita e fazem com que a caducidade provocada pela R. se reconduza a um despedimento ilícito por força dos princípios da segurança no emprego, da proibição do despedimento sem justa causa e do direito ao trabalho consagrados nos art.s 53.° e 58.° da Constituição da República.

    5. – A conjugação dos referidos princípios constitucionais impõe que a contratação a termo tenha carácter excepcional, que a lei ordinária respeite tais princípios e que a interpretação da lei seja conforme aos imperativos constitucionais.

    6. – Os preceitos dos art.s 129.º, 131.º, n.º 1, al.

      e), n.os 3 e 4, e 142.º do Código do Trabalho são inconstitucionais na interpretação que deles faz a sentença de 1.ª Instância e o Acórdão recorrido no sentido de que, sendo transitório o motivo justificativo do contrato de trabalho a termo, não há limite, para além do constante do art. 142.º citado e do da duração da actividade justificativa da contratação, para a fixação do termo, que não pode ser superior ao de duração dessa actividade, mas pode ser inferior e ser operada a caducidade do contrato mesmo que a actividade justificativa perdure para além da caducidade do contrato.

    7. – A questão não se coloca só na dicotomia entre o contrato de trabalho sem termo, que melhor realiza os mencionados princípios constitucionais, e o contrato de trabalho a termo, de carácter excepcional; põe-se também entre, por um lado, a interpretação que legitima a contratação a termo e a caducidade do contrato por iniciativa do empregador mesmo que o motivo justificativo tenha uma duração prevista superior ao termo convencionado e perdure para além do termo convencionado e ou da caducidade do contrato e, por outro lado, a interpretação que correlaciona de modo mais estrito a duração do termo com a duração do motivo...

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