Acórdão nº 1168/07.0TTLSB.SB.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 01 de Março de 2010

Magistrado ResponsávelBRAVO SERRA
Data da Resolução01 de Março de 2010
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

S Privacidade: 1 Meio Processual: REVISTA Decisão: NEGADA REVISTA Sumário : I - Tendo Autora e Ré celebrado contrato de trabalho cuja cláusula 4.ª dispunha que, no desempenho das suas funções, a Autora se comprometia a exercer sob a direcção da Ré, e no território do Continente Português e Ilhas Adjacentes, todas as actividades necessárias ao desempenho dos objectivos comerciais desta última, é de concluir que aquilo que as partes definiram como sendo o local de trabalho, ou seja, o espaço geográfico no qual deveria ser realizada a prestação do trabalhador, não correspondia a um específico, concreto e imutável lugar geográfico.

II - Comportando embora a aludida cláusula 4.ª um grau de indeterminação – na medida em que a coordenada geográfica em concreto fica dependente de uma eventualidade – sempre a mesma é resolvida pelo empregador, atendendo aos poderes que a lei lhe confere, constantes do art. 150.º do Código do Trabalho, com observância também do que neste dispositivo se comanda: fixação dos termos da prestação do trabalho dentro dos limites decorrentes do contrato e das normas que o regem, com apelo, ainda, à equidade e à boa fé que devem presidir à feitura dos negócios jurídicos (art. 400.º, n.º 1, do Código Civil).

III - Nos termos do art. 8.º, n.º 1, da Lei n.º 99/2003, de 27 de Agosto, que aprovou o Código do Trabalho, o regime deste diploma é aplicável aos contratos de trabalho celebrados antes da sua entrada em vigor, salvo quanto às condições de validade e aos efeitos de factos ou situações totalmente passados anteriormente àquele momento.

IV - Tratando-se de apreciar uma cláusula de contrato subscrito muito antes do início da vigência do Código do Trabalho, a disciplina legal a observar é a do regime constante da LCT.

V - A norma constante do art. 24.º, n.º 1, da LCT – ao dispor que a entidade patronal, salva estipulação em contrário, só poderia transferir o trabalhador para outro local de trabalho se essa transferência não lhe causar prejuízo sério ou se resultar de mudança, total ou parcial, do estabelecimento onde aquele prestava serviço – não se integra no grupo das normas imperativas, daí que possa ser afastada por estipulações dos sujeitos do contrato.

VI - Assim, a cláusula que, constante do contrato de trabalho firmado entre Autora e Ré, dispunha que aquela aceitava ser deslocada, dentro do território do Continente, para qualquer dos estabelecimentos pertença desta última, não versava sobre objecto contrário à lei e, por tal motivo, não pode ser considerada nula, nos termos dos arts. 280.º, n.º 1 e 294.º, do Código Civil.

VII - Com efeito, embora a aludida cláusula não contenha a indicação dos concretos lugares do território do Continente para os quais a Autora aceitou ser deslocada, sempre tais lugares são determináveis por referência, na mesma cláusula, à existência, nesses lugares, de estabelecimentos pertença da Ré, sendo que, nos termos do contrato, a esta foi confiada a determinação do local da prestação do trabalho.

VIII - Não obstante a Ré ter, em diversas ocasiões, determinado à Autora a transferência do seu local de trabalho para outras lojas suas – todas elas sitas na designada área da «Grande Lisboa» e, por isso, dotadas de facilidade de transportes permissores da deslocação da Autora de e para o local onde tinha fixada a sua vida familiar e social – a verdade é que, ao longo de cerca de 16 anos de relação laboral, nunca exerceu em relação à Autora o poder de transferência que, em abstracto e nos termos do clausulado, lhe assistia, por forma a colocá-la num local de trabalho situado em espaço geográfico impossibilitador de prosseguir a sua normal vida familiar e pessoal.

IX - Tendo a Ré determinado à Autora a sua transferência da loja na qual ultimamente exercia funções, sita em Lisboa, para uma outra loja, sita na Covilhã, é de considerar ter aquela excedido, manifestamente, os limites impostos pela boa fé na execução do contrato – em que a lealdade, como valor particularmente actuante, na vertente de respeito pelas condições de vida, morais e materiais, do trabalhador, se apresenta como elemento indispensável à subsistência e ao saudável desenvolvimento do vínculo estabelecido, por natureza, dotado de carácter duradouro –, desse modo ofendendo, intensamente, o sentimento de justiça socialmente dominante.

X - Ao recusar a Autora apresentar-se para trabalhar na loja sita na Covilhã, não representa esse seu comportamento uma recusa injustificada, mas antes uma não obediência a uma ordem ilegítima, porque afectada de abuso do direito de transferência detido pela Ré, sendo, pois, de considerar ilícita a sanção disciplinar de despedimento que, nessa sequência, lhe foi imposta.

XI - Destinando-se os recursos a reapreciar as decisões tomadas pelos tribunais de inferior hierarquia e não a decidir questões novas que não foram perante aqueles equacionadas, torna-se patente não poder este Supremo Tribunal emitir veredicto acerca do cômputo da indemnização à Autora fixada na sentença proferida pela 1.ª instância quando é certo não ter sido tal questão pela Ré suscitada em sede de recurso de apelação.

Decisão Texto Integral: I 1. No 2º Juízo do Tribunal do Trabalho de Lisboa instaurou AA contra S... – P... E..., S.A.

, acção de processo comum, peticionando a condenação da ré a reintegrá-la no seu posto de trabalho ou, se essa fosse a opção da autora, a pagar-lhe a indemnização por antiguidade que, na data da propositura da acção, ascendia a € 19.666,38, e a pagar-lhe ainda todas as remunerações vencidas e vincendas desde o despedimento e até à proferenda sentença, bem como as remunerações de Janeiro e Fevereiro de 2006, no quantitativo de € 1.469,48, bem como as férias não gozadas, no valor de € 308,40, além de juros.

Para alicerçar o seu pedido, a autora, em síntese, invocou que: – – desde 1 de Julho de 1989 que trabalhou por conta, sob as ordens e direcção da ré, com a categoria de caixeira de 1ª, prestando, ultimamente, serviço na loja sita no Centro Comercial das A...

, em Lisboa; – por carta da ré de 4 de Novembro de 2005, foi-lhe comunicado que o seu local de trabalho passaria a ser a nova loja situada na Covilhã, custeando a mesma ré as despesas resultantes dos transportes, e comunicando, posteriormente, que iria providenciar pela obtenção de alojamento naquela cidade; – a autora recusou a transferência para o novo local de trabalho, invocando que ela lhe iria causar sério prejuízo, tanto do ponto de vista económico, como familiar e social, já que residia na Rinchoa há vários anos, tinha uma filha que, então, detinha a idade de 10 anos, a qual se encontrava a frequentar uma escola na Brandoa, para onde era levada e trazida pela autora, tinha a sua mãe, velha e doente a seu cargo, e eram incomportáveis deslocações diárias para a Covilhã; – por carta da ré, recebida pela autora em 31 de Março 2006, foi-lhe comunicado que fora despedida por ter faltado injustificadamente nos dias 9, 10, 12, 13, 14, 15, 16, 19, 20, 21 e 23 de Dezembro de 2005; – todavia, o motivo do despedimento é infundado, já que a autora se apresentou no seu local de trabalho – o referido Centro Comercial das A...

– em 7 de Dezembro de 2005, tendo-lhe sido recusada a prestação de trabalho, já que, conforme lhe foi referido pelo responsável daquela loja, o local de trabalho da autora passara a ser a loja na Covilhã, sendo que a sua recusa em passar a laborar em tal loja era legítima, razão pela qual a falta de prestação de trabalho nos indicados dias apenas é imputável à ré; – as cláusulas 4ª e 6ª do contrato de trabalho celebrado entre a autora e a ré não podem ser interpretada na sua literalidade, mas antes restringidas por critérios de razoabilidade, estando, se assim não for, abrangidas pelas proibições constantes dos artigos 15º, 18º, alínea a), 20º, 21º e 22º do Decreto-Lei nº 446/85, de 25 de Outubro.

Contestou a ré, impugnando parte do articulado pela autora, e sustentando, em súmula, a justeza da sanção disciplinar aplicada à autora, já que dos termos das cláusulas 1ª, 4ª e 6ª do contrato de trabalho firmado entre autora e ré resulta que aquela aceitou livremente poder ser transferida para uma das muitas lojas desta, motivo pelo qual a sua recusa em ir prestar serviço na loja da Covilhã era ilegítima, sendo que a contestante diligenciou pelo arrendamento de um apartamento condigno nesta cidade com vista ao alojamento dos trabalhadores transferidos. Ainda aduziu que não adviriam quaisquer prejuízos sérios para a autora, pois que a ré suportava todas as despesas inerentes à mudança do local de trabalho e ao alojamento, e que, aquando da cessação, por despedimento, do contrato de trabalho, pagou à autora tudo o que era devido.

Prosseguindo os autos seus termos, com dispensa da selecção da matéria de facto, veio, em 15 de Junho de 2008, a ser proferida sentença, por via da qual a ré foi condenada a pagar à autora o valor das retribuições que esta deixou de auferir desde 16 de Fevereiro de 2007 e até ao trânsito em julgado daquela peça processual, uma indemnização correspondente a 30 dias de retribuição base por cada ano completo ou fracção de antiguidade, e € 1.777,88, além de juros.

Inconformada com o assim decidido, apelou a ré para o Tribunal da Relação de Lisboa.

Debalde o fez, já aquele Tribunal de 2ª instância, por acórdão de 25 de Março de 2009, negou provimento à apelação.

Essencialmente, foi entendido naquele aresto que, estando já as partes vinculadas por contrato de trabalho desde 1 de Julho de 1989, as cláusulas 1ª, 2ª, 3ª, 4ª e 6ª que vieram a ser estipuladas no contrato outorgado em 1 de Janeiro de 1991, de onde, inter alia, resultaria uma cláusula de mobilidade dentro de todo o território do continente e ilhas, não podiam ser consideradas, verdadeiramente, como a consagração de um local de trabalho da autora, atentas as suas funções de caixeira, as quais não pressupõem uma itinerância. E, assim, prosseguiu o acórdão, essas cláusulas teriam de ser consideradas proibidas...

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