Acórdão nº 09S0625 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 01 de Março de 2010

Magistrado ResponsávelVASQUES DINIS
Data da Resolução01 de Março de 2010
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

S Privacidade: 1 Meio Processual: REVISTA Decisão: NEGADA REVISTA Sumário : I – A possibilidade de, no contrato de trabalho, se estipular, por escrito, a obrigação de o trabalhador não exercer, no período máximo de 2 anos subsequentes à cessação do contrato, actividade cujo exercício possa efectivamente causar prejuízo ao empregador, com a atribuição ao trabalhador de uma compensação adequada durante o período convencionado, consignada no artigo 146.º, n.º 2, do Código do Trabalho de 2003, não viola o princípio da liberdade de trabalho consagrado no artigo 47.º, n.º 1, da Constituição da República Portuguesa.

II - A obrigação de exclusividade, eventualmente, consignada em cláusula acessória do contrato de trabalho, se referida a actividades concorrentes com a do empregador, não releva com autonomia, na perspectiva de restrição à liberdade de trabalho, por se tratar de obrigação inerente à relação laboral, por força do disposto na alínea e) do n.º 1 do artigo 121.º do referido Código, como afloramento do dever geral de lealdade.

III - A licitude da cláusula de exclusividade que limite o exercício de actividades não concorrentes com a do empregador há-de ser averiguada segundo critérios de adequação e proporcionalidade, em função de um real e efectivo interesse do empregador (atendendo, designadamente, ao sector económico em que a empresa se insere) correlacionado com a natureza das tarefas objecto do contrato (tendo em conta a complexidade técnica destas, o tempo exigido para um eficiente desempenho e a responsabilidade do trabalhador, que podem reclamar disponibilidade total).

IV - A cláusula inscrita no contrato de trabalho, segundo a qual o trabalhador se vinculou a não aceitar outros trabalhos remunerados ou não remunerados por terceiros e /ou de levar a cabo negócios por sua conta, sem o prévio consentimento do empregador, e este se comprometeu, em contrapartida, a pagar-lhe 20% da remuneração mensal bruta, não se verificando os factores referidos no ponto III, só pode considerar-se lícita se encarada como tendo em vista reforçar a protecção legal contra o perigo de concorrência.

V - Se, no pacto de não concorrência, a obrigação assumida foi a de, no período de 12 meses subsequentes à cessação do contrato de trabalho, não prestar serviços profissionais de delegada de informação médica, definidos como envolvendo o permanente contacto com médicos, colaboração com médicos em sessões de informação e formação e utilização de um formulário de prescrição, não pode afirmar-se o incumprimento do pacto quando apenas se prova que a trabalhadora constituiu uma sociedade concorrente da qual foi designada co-gerente e, após a cessação do contrato, trabalhou como vendedora de fundos de investimentos para uma sociedade do mesmo grupo da última.

VI - A constituição, pelo trabalhador, de uma sociedade concorrente do empregador, na vigência do contrato, sendo um acto que configura infracção ao dever de lealdade prescrito na alínea e) do n.º 1 do artigo 121.º do Código do Trabalho de 2003, não basta, por si só, para fundar o direito a indemnização, tornando-se necessária a demonstração de que da actividade desenvolvida pela nova sociedade, no período de vigência da relação laboral resultaram danos para o empregador, o que pressupõe o estabelecimento de um nexo de causalidade, a efectuar em função da matéria de facto apurada, à luz da doutrina da causalidade adequada, na sua formulação negativa, acolhida no artigo 563.º do Código Civil.

Decisão Texto Integral: Acordam na Secção Social do Supremo Tribunal de Justiça: I 1.

No Tribunal do Trabalho de Vila Franca de Xira, em acção com processo comum, intentada em 10 de Agosto de 2006, S... DHS, S.A., S... en P...

, demandou AA, pedindo, com fundamento em alegada violação, por parte da demandada, de cláusulas de Confidencialidade e Segredo Profissional, Exclusividade e Pacto de Não Concorrência, inseridas em contrato firmado pelas partes, a condenação da Ré no pagamento, com juros de mora: i) de uma indemnização, a fixar equitativamente, de valor não inferior a € 250.000,00, pelos prejuízos emergentes da violação dos deveres de confidencialidade, segredo e exclusividade; ii) da importância de € 50.000,00, valor da cláusula penal fixada no pacto de não concorrência; iii) das importâncias de € 5.351,21 e € 3.750,00, como reembolso do recebido pela Ré, a título de compensação, respectivamente, das obrigações de exclusividade e de não concorrência.

A Ré contestou, impugnando os fundamentos da acção, e deduziu reconvenção, vindo a Autora a apresentar articulado de resposta.

Saneada, instruída e discutida a causa, foi proferida sentença que julgou improcedentes a acção e a reconvenção.

Para decidir no sentido da improcedência da acção, o tribunal recorrido concluiu que quer a cláusula de exclusividade, quer a de não concorrência, a que a Ré se vinculou, constituem inadmissíveis restrições ao direito de livre escolha de profissão consignado no artigo 47.º, n.º 1, da Constituição da República Portuguesa (doravante, Constituição); no que concerne ao pedido fundado na alegada violação da cláusula de segredo e confidencialidade, entendeu não se ter provado matéria de facto bastante para sustentar a condenação na respectiva indemnização; relativamente ao reembolso das quantias alegadamente pagas a título de compensação de exclusividade, sustentou o juízo de absolvição no facto de a Autora não ter feito prova do alegado pagamento; e, quanto ao reembolso de importâncias alegadamente pagas a título de compensação da obrigação de não concorrência, considerou que, embora se tivessem provado alguns pagamentos e, em princípio, a inconstitucionalidade da atinente cláusula houvesse de conduzir à restituição do recebido, no caso concreto, a tal não haveria lugar, porque a causa de pedir invocada foi a violação do pacto de concorrência, e não a violação por este de norma constitucional.

  1. Não se conformou a Autora, por isso que veio pedir revista, tendo formulado, a terminar a alegação, conclusões assim redigidas: «a) Estando preenchidos os requisitos legais necessários para o efeito, requer-se que o presente recurso interposto da douta sentença recorrida proferida em 1.ª instância suba directamente per saltum ao Supremo Tribunal de Justiça, nos termos do artigo 725.º, n..º 1, do CPC (ex vi do art. 1.º, n.º 2, alínea a), do CPT/99), a ser processado como revista.

    b) Salvo o devido respeito, a douta sentença recorrida faz uma errada interpretação e aplicação do direito, já que as cláusulas de exclusividade e pacto de não concorrência não são inconstitucionais, tal como se decidiu no douto Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 256/2004, de 14/04/2004 – que se dá aqui por integralmente reproduzido –, na senda da doutrina maioritária e da jurisprudência constante deste STJ, que tem sucessivamente acolhido sem reservas a não inconstitucionalidade do art. 146.º, n.º 2 do CT.

    c) A jurisprudência do STJ é pacífica ao reconhecer que tal restrição da liberdade ao trabalho se funda em interesses de ordem pública, perfeitamente justificados – (cf. por todos o Ac. STJ, de 07-05-2008, rec. 08S322).

    d) O pacto de não concorrência, apesar de limitar a liberdade de trabalho, não se pode considerar inconstitucional, porque restringe justificadamente uma liberdade e, além disso, a limitação não é absoluta, pois, atendendo ao disposto no artigo 81.º, n.º 2, do Código Civil, a R. podia, a todo o tempo, desvincular-se desde que tivesse compensado a A. dos inerentes prejuízos.

    e) Com a devida vénia, andou mal, pois, a douta sentença recorrida, ao recusar a aplicação do art. 146.º, n.º 2, do CT, da cláusula de exclusividade e do pacto de exclusividade, com fundamento na inconstitucionalidade das mesmas, por violação do art. 47.º/1 e 58.º CRP.

    f) Pelo que, tendo sido estipulada cláusula penal para o incumprimento do pacto de não concorrência, que se comprovou, deve a R. ser condenada no pedido.

    g) No que respeita à cláusula de exclusividade (ou dever de não concorrência na vigência do contrato) esta é tipificada na própria lei como concretização do dever de lealdade (art. 121.º/1-e) do CT) e da boa fé (762º/2 do CC).

    1. Os deveres de lealdade e boa fé são verdadeiros princípios gerais, de aplicação directa e imediata, e os quais, pela sua própria natureza, não podem ser restringidos ou condicionados por acordo entre as partes (v.g. mediante a condição do pagamento de uma compensação económica não prevista na lei), sob pena de subversão da função destes princípios no nosso sistema jurídico.

    2. Sendo assim, a douta sentença recorrida não podia desaplicar a cláusula de exclusividade, com o fundamento em que não se provou o pagamento da compensação de exclusividade (a qual não é exigível por lei), e que a retribuição da R. se manteve inalterada, continuando a auferir € 2.142,86.

    3. Desde logo, provou-se que a R. passou a gozar, além da sua retribuição mensal em dinheiro, do uso pessoal e permanente de uma carrinha Mitsubishi, a qual foi substituída por uma carrinha nova Audi A4 preta, o que também integrava a retribuição da R. (arts. 74 e 75 dos factos provados).

    4. Além disso, sendo de aplicação directa e imediata, os deveres legais de lealdade e boa fé não permitiam a actividade concorrencial iniciada pela R. durante a vigência do contrato de trabalho, independentemente do pagamento ou não da compensação estipulada a esse título.

    5. A excepção de não cumprimento só opera nas obrigações sinalagmáticas (art. 428.º do Código Civil), onde não se incluem as obrigações emergentes da cláusula de exclusividade, corolário dos deveres de lealdade e boa fé, que são princípios de aplicação directa e imediata.

    6. Na situação sub judice, a actuação da R., na medida em que constituiu uma empresa directamente concorrente com a A., da qual era sócia-gerente, na mesma área de mercado, sendo reduzido o mercado em causa e preciosa a informação sobre o funcionamento do mesmo, só pode ser considerada causa adequada da súbita e drástica...

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