Acórdão nº 187/09.7YREVR.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 01 de Março de 2010

Magistrado ResponsávelSANTOS CABRAL
Data da Resolução01 de Março de 2010
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

S Privacidade: 1 Meio Processual: RECURSO PENAL Decisão: PROVIDO PARCIALMENTE Sumário : I - A reforma introduzida pela Lei 48/2007 revelou uma tendência do legislador no sentido de sujeitar à publicidade e ao exercício do contraditório, fases e segmentos do processo que não têm boa convivência com tais princípios.

II - Na verdade, não só o inquérito não está, nem pode estar, sujeito às regras do contraditório sob pena de deixar de existir no seu âmbito qualquer investigação criminal, como também é exacto que o contraditório deve incidir sobre prova, ou meio de prova, que seja considerado como relevante para suportar a responsabilização criminal em sede de acusação com a respectiva produção em audiência de julgamento. O exercício do contraditório em relação a não factos, ou em relação a algo que não tem existência ou conteúdo processualmente relevante, é uma contradição de princípio.

III -O direito de defesa assume uma prossecução processual que faz salientar quer as razões da acusação quer as da defesa, o que equivale à consagração do princípio do contraditório (art. 32.º, n.º 5, da CRP).

IV -Em fase de inquérito o exercício do contraditório deve ser limitado em função da procura de funcionalidade e eficiência do processo sendo apenas admissível em função da protecção dos direitos fundamentais do arguido e, eventualmente, de terceiros.

V - As garantias de defesa, não vão além da previsão de um processo criminal com estrutura acusatória em que apenas a audiência de julgamento e certos actos instrutórios especialmente previstos na lei é que estão subordinados ao princípio do contraditório.

VI -Se o Juiz de Instrução se limitou, como era seu dever, a aplicar a lei, no caso o art. 188.º, n.º 3, do CPP, na redacção anterior à Lei 48/2007, e, por tal forma, ordenou a destruição dos suportes de intercepção telefónica sem que o arguido tivesse conhecimento ou se pudesse pronunciar sobre a sua relevância, não ocorre a violação do direito de defesa que assiste, no processo penal, ao arguido.

VII - O crime de associação para o auxilio à imigração ilegal tem uma dimensão substancialmente distinta do acto singular de ajuda à imigração ilegal pois que neste está somente em causa a necessidade de disciplinar a forma como se processa o trânsito de pessoas entre Estados e, nomeadamente, o interesse que tem o Estado em que tal fluxo obedeça a regras e disciplinas próprias. O controle da entrada ou saída de pessoas do território nacional deriva também de obrigação comunitárias que o nosso País assumiu por força dos compromissos vigentes, estando em causa não só a necessidade de regulação e controle do Estado como também a de evitar a situação de precariedade social e económica, quando não a própria fragilidade física, em que ficam aqueles que recorrem a instrumentos ilegais para assegurar a sua entrada no espaço nacional.

VIII - O crime de associação para o auxílio à imigração vai buscar a sua razão de existência ao étimo comum sufragado no art. 299.º do CP, sendo o bem jurídico tutelado a paz pública no preciso sentido das expectativas sociais de uma vida comunitária livre da especial perigosidade de organizações que tenham por escopo o cometimento de crimes. Trata-se de intervir num estádio prévio, através de uma dispensa antecipada de tutela, quando a segurança e a tranquilidade públicas não foram ainda necessariamente perturbadas, mas se criou já um especial perigo de perturbação que só por si viola a paz pública; conformando assim a "paz" um conceito mais amplo que os de segurança e tranquilidade e podendo ser posta em causa quando estas ainda o não foram. A mera existência de associações criminosas, ligada à dinâmica que lhes é inerente, põe em causa o sentimento de paz que a ordem jurídica visa criar nos seus destinatários e a crença na manutenção daquela paz a que os cidadãos têm direito, substituindo-os por um nocivo sentimento de receio generalizado e de medo do crime. Com o que o tipo de ilícito da associação criminosa se assume, nesta medida, como o de um verdadeiro crime de perigo abstracto, todavia assente num substrato irrenunciável: a altíssima e especialíssima perigosidade da associação, derivada do seu particular poder de ameaça e dos mútuos estímulos e contra-estímulos de natureza criminosa que aquela cria nos seus membros.

IX -Estamos assim perante bens jurídicos completamente distintos o que aliás é precisado quando se afirma que a associação criminosa para o auxílio à imigração ilegal deve ter por intenção exactamente a prática deste crime de auxilio à imigração ilegal pois que aquilo que se pretende punir é a inserção, ou o domínio, de uma organização cuja finalidade é, ou é também, a prática de actos criminosos.

X - O crime de associação criminosa para a prática de actividade de imigração ilegal é um crime autónomo dos próprios crimes de auxílio á imigração ilegal e poderá estar com ele em concurso real.

XI -Para a integração do respectivo tipo legal não tem necessariamente de haver uma concreta condenação pelo crime de tráfico. O que é necessário à condenação do crime de associação criminosa é a prova do substrato organizacional e da intenção de o pôr ao serviço de um fim criminoso.

Decisão Texto Integral: Acordam no Supremo Tribunal de Justiça AA veio interpor recurso da decisão que a condenou nas seguintes penas: -Pela prática de um crime de associação de auxílio à imigração ilegal, p. e p. pelo art. 135° , nº 3 , por referência aos nos 1 e 2 do Dec.-Lei n° 244/98, alterado pelo Dec.-Lei nº 3412003, na pena de 4 anos de prisão; pela prática de um crime de auxílio à imigração ilegal, p. e p. pelo art° 134°-A, n° 2 do Dec.-Lei n° 244/98, alterado pelo Dec.-Lei nº 34/2003 na pena de 3 anos e 3 meses de prisão; pela prática de um crime de falsificação de documento, p. e p. pelo art° 256° , nº 1 alíneas a ) e c ) do Código Penal , na pena de 2 anos e 6 meses de prisão ; pela prática de um crime de corrupção activa para acto ilícito, p. e p. pelo art° 374° , nº 1 , do Código Penal, na pena de 2 anos e 8 meses de prisão; pela prática de um crime de corrupção activa para acto ilícito, p. e p. pelo art° 374° , nº 1 , do Código Penal, na pena de 1 ano e 7 meses de prisão; pela prática de um crime de branqueamento de capitais, p. e p. pelo act° 368°-A, nº 2, por referência ao nº 1, do Código Penal, na pena de 3 anos de prisão.

Em termos de pena conjunta AA foi condenada na pena conjunta de 9 anos de prisão.

As razões de discordância encontram-se expressas nas conclusões da respectiva motivação de recurso onde se refere que: 1-A Constituição da República Portuguesa, no seu artigo 32, nº 1, garante: "[o] processo criminal assegura todas as garantias de defesa, incluindo o recurso." 2-O nº 2 da mesma norma assegura que: "[ t lodo o arguido se presume inocente até ao trânsito em julgado da sentença de condenação, devendo ser julgado no mais curto prazo compatível com as garantias de defesa." 3-E o nº 5 prevê: "( ... ) estando a audiência de julgamento e os actos instrutórios que a lei determinar subordinados ao princípio do contraditório. " 4- Assim, no direito de defesa conferido ao arguido aflora como corolário o direito ao contraditório relativamente à prova carreada pelo Ministério Público com a colaboração do JIC.

5-Tendo sido ordenada a destruição dos suportes fonográficos previamente seleccionados pelo Ministério Público, relativamente às escutas telefónicas, a arguida ficou impedida de utilizar os registos fonográficos em sua defesa, donde resultou um gritante desequilíbrio nos meios de prova e de recolha da prova de que dispõe o Ministério Público para fundamentar a acusação e aqueles que o arguido pode utilizar para contrariar os argumentos e os meios de prova da defesa.

6- A conservação das gravações não transcritas até ao trânsito em julgado da decisão final, podendo o arguido requerer a sua audição em sede de julgamento ou de recurso para contextualizar as conversações transcritas, constitui um direito fundamental do arguido que neste caso se encontra irremediavelmente precludido, afectando a totalidade da prova colhida com violação daquela norma constitucional, o que determina a sua nulidade.

7-Foram, assim, violados, entre outras normas, os artigos 11.°, nº 1, da Declaração Universal dos Direitos do Homem de 10 de Dezembro de 1948,.°, nº 3, da Convenção Europeia dos Direitos do Homem, ratificada pela Lei nº 65/78, de 13 de Outubro, e 32.°, nº 1,2,5, da CRP.

8-Ao condenar a arguida simultaneamente por um crime de associação de auxílio à imigração ilegal e por um crime de auxílio à imigração ilegal, o tribunal recorrido violou o princípio da consumpção, e por erro de interpretação os artigos 134.0-A e 135.°, ambos do DL 244/98, alterado pelo D.L. 34/2003.

  1. Sempre que um tipo de crime faça parte, por definição, de um outro, opera a consumpção. Sendo o primeiro mais gravoso, deverá consumir o segundo.

  2. Trata-se de uma relação de consumpção em que o crime de associação de auxílio à imigração ilegal consome o auxílio à imigração ilegal, segundo a regra lex consumens derogat legi consuntre.

  3. É, aliás, uma consumpção pura porque a associação de auxílio à imigração ilegal (art. 135.° do DL 244/98, alterado pelo D.L. 34/2003) é a norma que contém um campo de valoração mais abrangente (regra axiológica), correspondendo-lhe, de facto, uma pena mais grave (regra quantitativa), segundo a definição de consumpção pura de Eduardo Correia - Cf. CORREIA, Eduardo, A teoria do concurso em Direito Criminal, I - Unidade e pluralidade de infracções, n - Caso julgado e poderes de cognição, 2ª reimp., Coimbra: Almedina, 1996 (1ª ed., 1945), p. 343 ss.

  4. O crime de associação de auxílio à imigração ilegal, já prevê, naturalmente, os elementos do tipo legal do crime de associação de auxílio, sendo que a diferença entre os dois tipos legais de crime resulta da existência ou não de um grupo fundado com o propósito de praticar o crime de forma organizada.

  5. Quer numa, quer noutra disposição normativa, o elemento...

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