Acórdão nº 25/06.2TTEVR.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 01 de Março de 2010

Magistrado ResponsávelSOUSA PEIXOTO
Data da Resolução01 de Março de 2010
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

S Privacidade: 1 Meio Processual: REVISTA Decisão: CONCEDIDA A REVISTA Sumário : 1. Não é de qualificar como contrato de trabalho a relação contratual estabelecida entre o autor e a ré (EDP), nos termos da qual competia ao autor proceder às leituras dos contadores da luz que lhe fossem indicados pela ré, sem sujeição a horário de trabalho, utilizando meios de transporte próprios, auferindo uma remuneração que era fixada em função do número de leituras efectuadas, sendo livre de desenvolver a sua actividade às horas que melhor entendesse e podendo acordar com outro colega, prestador de serviços, a substituírem-se um ao outro.

  1. Pretendendo o autor obter o reconhecimento judicial de que o vínculo contratual estabelecido com a ré configurava um contrato de trabalho subordinado, sobre ele recaía o ónus de alegar e de provar os factos necessários para tal.

  2. Na dúvida acerca da natureza do contrato, o julgador tem, necessariamente, de julgar improcedente a pretensão do autor.

  3. A sujeição ao poder disciplinar da empresa é um facto altamente relevante para que o contrato possa ser considerado de trabalho.

    Decisão Texto Integral: Acórdão na Secção Social do Supremo Tribunal de Justiça: 1. Relatório Na presente acção, proposta, no Tribunal do Trabalho de Évora, por AA contra a EDP – Distribuição - Energia, S. A.

    , o autor pediu, em resumo, que: - se declarasse que o contrato celebrado com a ré, em 1 de Maio de 1983, era um contrato de trabalho subordinado e que o mesmo tinha vigorado até 28 de Fevereiro de 2005; - se declarasse que a denúncia do contrato promovida pela ré, com efeitos a partir de 28 de Fevereiro de 2005, constante da carta que lhe enviou em 31.1.2005, configurava um despedimento ilícito, por falta de justa causa e de processo disciplinar; - a ré fosse condenada a reintegrá-lo no seu posto de trabalho ou a pagar-lhe a quantia de € 43.935,54, a título de indemnização de antiguidade, conforme opção que ele autor vier a fazer até à data da sentença; - a ré fosse condenada a pagar-lhe as retribuições que ele, autor, deixou de auferir desde o despedimento até à data da sentença; - a ré fosse condenada a pagar-lhe € 39.909,13, a título de férias não gozadas e de subsídios de férias e de Natal referentes aos anos de 1983 a 2005, € 30.368,89, a título de diferenças salariais relativas ao período de 1 de Maio de 1983 até 28 de Fevereiro de 2005, € 54.923,44, a título de anuidades e prémio por avaliação de desempenho, € 77.382,64 a título de quilómetros percorridos em carro próprio ao serviço da ré, desde 1.5.89 até 28.2.2005, € 885,2, a título de subsídio de estudo/descendentes, € 14.751,72 a título de indemnização por falta de gozo das férias nos anos de 2000 a 2005, € 10.000,00, a título de danos não patrimoniais, e juros de mora contados desde a data da citação até efectivo e integral pagamento.

    Na contestação, a ré defendeu-se alegando que o vínculo contratual estabelecido com o autor era de prestação de serviço e não de trabalho subordinado.

    Realizado o julgamento, com gravação da prova, e decidida a matéria de facto, foi, posteriormente, proferida sentença que julgou a acção totalmente improcedente, com o fundamento de que o autor não tinha logrado provar a existência do alegado contrato de trabalho.

    O autor recorreu da sentença, impugnando também a decisão proferida sobre a matéria de facto.

    O Tribunal da Relação de Évora julgou parcialmente procedente a impugnação da matéria de facto, aditando-lhe mais um novo facto (o n.º 16-A dos factos que adiante serão elencados), considerou que a relação contratual estabelecida entre o autor e a ré, desde 1.5.1983 até 28.2.2005, configurava um contrato de trabalho subordinado, declarou ilícita a cessação desse contrato e condenou a ré a reintegrar o autor no seu quadro de pessoal, com a antiguidade e categoria profissional que lhe seriam devidas e a pagar-lhe as retribuições intercalares e demais prestações referidas no acórdão, a título de diferenças salariais, de férias, de subsídio de férias, de indemnização por violação do direito a férias, de anuidades, de subsídio de alimentação, de desempenho e de subsídio de estudo, bem como juros de mora.

    Inconformada, a ré interpôs recurso de revista, concluindo as respectivas alegações do seguinte modo: 1.ª - O art.º 674.º-A do Código de Processo Civil não é aplicável ao caso dos autos, porquanto abrange exclusivamente as decisões penais condenatórias como refere o seu título.

    1. - A [decisão] do Tribunal da Relação de Évora proferida no processo de contra-ordenação (junta à p.i. como Doc. n.º 9) não constitui uma decisão penal condenatória, porquanto 3.ª - A contra-ordenação é um ilícito de mera ordenação social com regime jurídico próprio e não um ilícito penal; 4.ª - Constituindo a aplicação da respectiva coima um acto administrativo, em que se esgota a contra-ordenação e que, 5.ª - Admite recurso judicial de impugnação em dois graus, de conformidade com o RJCO; 6..ª- O Ac. condenatório da Relação de Évora citado na conclusão 2.a constitui, pois e apenas, a confirmação judicial definitiva da decisão administrativa e não uma decisão penal condenatória.

    2. - Não se verificando qualquer excepção, designadamente a de caso julgado nem sendo aplicável o referido art.º 674.º-A do CPC, a matéria factual que o Ac. recorrido tinha de conhecer e apreciar era constituída pelos factos provados nestes autos.

    3. - Tal factualidade é a que foi fixada na 1.ª instância, com a adição do ponto de facto 16-A pelo Ac. recorrido, pois que o Ac. recorrido não fez qualquer outra alteração da matéria de facto ao abrigo do art.º 712.° do CPC.

    4. - Porém, a única apreciação que o douto Ac. recorrido faz à matéria de facto provada nos autos é por referência à factualidade provada no aludido processo de contra-ordenação, no sentido de que, 10.ª - “a substância da matéria apurada a propósito da contra-ordenação referida não difere de maneira significativa daquela que nesta acção resultou provada quanto aos contornos contratuais que as partes haviam acordado".

    5. - Bastará, porém, ter em conta, designadamente, os pontos de facto 21 a 25, provados nestes autos, para se verificar que a matéria de facto aqui provada diverge substancialmente da que foi provada no aludido processo de contra-ordenação, quanto aos contornos do que as partes haviam acordado.

    6. - É, porém, natural tal divergência, pois que a questão fundamental no processo de contra-ordenação era a confirmação ou não da aplicação da coima em que a contra-ordenação se esgota, tendo em atenção o grupo de trabalhadores constante dos dois autos da IGT e não especificamente o caso do A.

    7. - Por outro lado, é certo que o julgamento da matéria de facto num recurso judicial de impugnação de um processo de contra-ordenação tem menores garantias para as partes do que no processo de impugnação de despedimento, nomeadamente a redução para três, do número de testemunhas de defesa e de acusação e a ausência de depoimento de parte, no caso dos autos, da maior importância.

    8. - Pelo que a imediação do julgador, valor fundamental no apuramento da matéria de facto, conforme jurisprudência pacífica, é mais valiosa e completa no processo de impugnação de despedimento.

    9. - Deste modo, a Recorrente não entende que pudesse haver contradição e/ou melindre no caso de decisões diferentes do Tribunal da Relação no recurso de impugnação da contra-ordenação e nos presentes autos.

    10. - Tal contradição e/ou melindre não os sentiu a 1.ª instância do Tribunal do Trabalho de Évora que confirmou a decisão administrativa no recurso de impugnação da contra-ordenação e absolveu ora recorrente no processo de impugnação de despedimento.

    11. - Pela matéria provada nestes autos é convicção da recorrente que as partes estiveram sempre vinculadas por contratos de prestação de serviços e não por contratos de trabalho subordinado. Na verdade e como vem provado, a) Todos os instrumentos necessários ao desenvolvimento da actividade do Autor eram da sua propriedade (meios de transporte, indumentária e os meios de comunicação), com excepção b) Dos impressos necessários ao registo de leituras e outras tarefas e dos TPL que se destinavam à prestação dos mesmos serviços, porém, com maior rapidez e eficiência; c) Porém, tais excepções estavam acordadas entre as partes nos respectivos contratos (Dcs. n.o 1 a 8 juntos à p.i.); d) Todas as ordens e instruções dadas pela Recorrente ao Recorrido, inclusivamente o uso e instruções quanto ao TPL, se referem ao objecto dos contratos que ambas as partes subscreveram.

      e) Os locais onde o ora Recorrido prestou os seus serviços à Recorrente não derivaram de imposição desta, mas, igualmente, foram acordados nos respectivos contratos que se encontram juntos à p.i.; f) A circunstância de o ora Recorrido ter trabalhado “conjuntamente com outros colegas também leitores cobradores, estes efectivos dos quadros da Ré” não abona, por si só, que o vínculo do Autor com o Ré fosse de trabalho subordinado, é que, g) Não é a materialidade das funções que define o vínculo como autónomo ou subordinado, mas antes a posição de subordinação jurídica do prestador do serviço à pessoa servida.

      h) E tal só pode concluir-se atendendo ao conjunto da matéria provada.

      i) A matéria factual até aqui considerada já aponta para que a relação existente entre o Recorrido e a Recorrente seja a de prestação de serviços e não de contrato de trabalho. Porém, j) A confirmação de tal relação de prestação de serviços torna-se perfeitamente clara pela contraposição dos pontos de facto n.os 21 e 22 - situação dos leitores do quadro da Ré - com a situação do A. provada nos pontos de facto n.os 23,24 e 25, ou seja, k) Enquanto os leitores do quadro estavam sujeitos ao cumprimento de um horário de trabalho e inseridos numa estrutura hierárquica de que recebiam ordens estando sujeitos ao seu poder disciplinar e de direcção; l) O A., ora Recorrido, não tinha qualquer horário de trabalho, podendo até fazer-se substituir nos serviços de...

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