Acórdão nº 258/04.6TBMRA.E1.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 01 de Março de 2010

Magistrado ResponsávelOLIVEIRA ROCHA
Data da Resolução01 de Março de 2010
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

S Privacidade: 1 Meio Processual: REVISTA Decisão: NEGADA A REVISTA Sumário : I - No domínio da responsabilidade extracontratual, estabelece o art. 45.º do CC que esta responsabilidade, quer fundada em acto ilícito, quer no risco ou em qualquer conduta lícita, é regulada pela lei do Estado onde decorreu a principal actividade causadora do prejuízo e, em caso de responsabilidade por omissão, pela lei do lugar onde o responsável devia ter agido.

II - No caso de o agente e o lesado terem a mesma nacionalidade ou a mesma residência habitual, encontrando-se ocasionalmente em pais estrangeiro, excepciona o n.º 3 do referido art. 45.º do CC que a lei aplicável é, não a da prática do acto ou omissão, mas a da nacionalidade ou residência.

III - No art. 4.º n.º 3 do Regulamento (CE) n.º 864/2007 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 11-07-2007 – relativo à lei aplicável às obrigações extracontratuais – prevê-se a existência de disposições que devem aplicar-se indistintamente a todas as pessoas, de aplicação rigorosamente territorial, de que são exemplo as normas que disciplinam o trânsito.

IV - Assim, tendo o acidente em causa nos presentes autos ocorrido em Espanha, sendo autor e réus tripulantes de nacionalidade portuguesa, de veículo de matrícula igualmente portuguesa, a lei a aplicar será a portuguesa, com excepção das normas que disciplinam o trânsito, caso em que se aplicará a lei espanhola.

V - Assim, embora a lei espanhola preveja, para o crime de ofensas à integridade física por negligência, o prazo de prescrição de 3 anos, ela não é aqui aplicável, mas sim o prazo que vier a resultar do art. 498.º do CC.

VI - A aplicação do prazo alargado de prescrição previsto no n.º 3 do art. 498.º do CC (5 anos) depende apenas de o facto ilícito constituir crime para o qual a lei estabeleça prescrição sujeita a prazo mais longo, não obstando a tal alongamento o não exercício do direito de queixa, e a consequente extinção deste, o perdão, a amnistia, etc.

VII - A prova da inobservância de leis ou regulamentos faz presumir a culpa na produção dos danos decorrentes de tal inobservância (prova de primeira aparência), dispensando-se a concreta comprovação pelo lesado da falta de diligência, cabendo assim ao lesante o ónus da contraprova de que a actuação foi estranha à sua vontade ou que não foi determinante para o desencadeamento do facto danoso.

VIII - Tendo em conta o disposto nos arts. 13.º e 19.º da Lei sobre o Tráfego, Circulação de Veículos a Motor e Segurança Viária (aprovada pelo Real Decreto Legislativo n.º 339/1990, de 02-03) e o facto de ter resultado provado que o réu desrespeitou a regra estradal, ali estabelecida, de condução pela via direita da faixa de rodagem, sem qualquer razão plausível para tal procedimento, é de presumir a sua culpa na ocorrência do acidente.

IX - A mera afectação da pessoa do ponto de vista funcional, sem se traduzir em perda de rendimento de trabalho, releva para efeitos indemnizatórios – como dano biológico – porque é determinante de consequências negativas ao nível da actividade geral do lesado, não se podendo reduzir à categoria dos danos não patrimoniais.

Decisão Texto Integral: Acordam no Supremo Tribunal de Justiça I.

AA (tendo sido habilitado em seu lugar BB) propôs a presente acção declarativa de condenação, sob a forma de processo ordinário, contra Fundo de Garantia Automóvel, CC e DD, pedindo a condenação solidária dos réus no pagamento da quantia de € 339 219,33, a título de danos patrimoniais e não patrimoniais, acrescido de juros de mora à taxa legal, desde a data da citação até efectivo e integral pagamento.

Em síntese, alega que, no dia 27 de Maio de 1998, o réu CC conduzia o veículo automóvel de matrícula …, propriedade do réu DD na estrada EX - 101, em Espanha, e despistou-se, embatendo com violência na barreira que ladeia a estrada, projectando o autor para a frente, de tal modo que este embateu com a cabeça no vidro da frente do veículo, ficando inconsciente; embora apercebendo-se disso, os 2° e 3° réus regressaram a Portugal e deixaram o autor à porta da sua residência, sem que lhe tivessem prestado qualquer socorro ou conduzido a estabelecimento de saúde. Em consequência de tal acidente, sofreu as lesões que discrimina.

O Fundo de Garantia Automóvel contestou, por excepção, invocando a prescrição do direito do autor, e por impugnação, alegou o desconhecimento dos factos.

O réu CC, na sua contestação, invocou as excepções da incompetência em razão da nacionalidade dos tribunais portugueses, da ilegitimidade e da prescrição. Negou também a generalidade dos factos alegados pelo autor, designadamente que o acidente se tenha devido a culpa do condutor do veículo ou que ao autor não tenham sido prestados os cuidados por ele reclamados.

Foi elaborado despacho saneador, onde se decidiu julgar o tribunal competente, as partes legítimas e remeter para final o conhecimento da excepção da prescrição.

Realizou-se a audiência de discussão e julgamento, após o que foi proferida sentença que julgou improcedente a prescrição invocada pelos réus Fundo de Garantia Automóvel e CC e parcialmente procedente a acção e, em consequência, condenou, solidariamente, os réus Fundo de Garantia Automóvel, CC e DD a pagar a BB - habilitada no lugar de AA - a quantia de € 87 707,16), acrescida de juros legais desde a citação até efectivo e integral pagamento.

Inconformado, o réu FGA recorreu, ainda que sem êxito, para o Tribunal da Relação de Évora.

Ainda irresignado, pede revista.

Concluiu a alegação do recurso pela seguinte forma: Analisada a matéria de facto provada não se vislumbra qualquer fundamento para a condenação com base na culpa; Não existe, na matéria de facto julgada provada, qualquer facto provado que consubstancie a culpa, apenas tendo o tribunal julgado provado que ocorreu um acidente, que consistiu no facto de o veículo ter saído da estrada no lado oposto ao seu sentido de marcha; Não existindo qualquer facto provado que consubstancie uma violação de regra estradal então tal reconduz-nos à responsabilidade pelo risco a que alude o art. 503º, nº1, do Código Civil; No que diz respeito à prescrição, vem o acórdão confirmar a sentença que julgou improcedente a excepção de prescrição, com o que se não conforma o recorrente; O prazo de prescrição a aplicar ao caso dos autos nunca seria o de 5 anos, tendo em conta tudo o que supra se deixou dito; Não havendo fundamento para imputar ao réu CC a culpa na produção do acidente, por não se verificar o desrespeito por nenhuma regra estradal, devendo apenas o proprietário ser responsabilizado pelos danos inerentes ao risco de circulação do veículo, o prazo de prescrição a aplicar é o de 3 anos, nos termos do art. 498º, do Código Civil; Ainda que assim se não se entenda, o que só por mera hipótese se admite, aplicou o tribunal a quo, ao caso dos autos, condenando com base na culpa, a lei espanhola - Lei sobre o Tráfego, Circulação de Veículos a motor e Segurança Viária; Entendeu o tribunal que, abstractamente, os factos poderiam ser crime, razão pela qual sempre seria de aplicar o prazo previsto no art. 498º, nº 3, do Código Civil, uma vez que o art. 118º, nº1, al. c), do Código Penal, prevê como prazo prescricional para o crime de ofensas à integridade física por negligência, o de 5 anos; Contudo, olvidou/violou o tribunal o disposto no art. 6º, nº 2, do Código Penal Português: "Embora seja aplicável a lei portuguesa, nos termos do número anterior, o facto é julgado segundo a lei do país em que tiver sido praticado sempre que esta seja concretamente mais favorável ao agente"; Assim, sempre seria de aplicar ao caso dos autos a lei penal espanhola, no caso a Ley Orgânica 10/1995, de 23 de Novembro del Codigo Penal, que vem dizer, nos seus arts. 152º e 147º.1, que, para o crime de ofensas à integridade física por negligência, a pena máxima de 6 meses de prisão; Não há dúvida de que a lei espanhola é a lei mais favorável e, portanto, é esta a lei a aplicar ao caso dos autos; E, aplicando a lei espanhola (cfr. art. 131º do Código Penal Espanhol), o prazo de prescrição é, conforme também se diz na sentença recorrida, de 3 anos; O FGA foi notificado, por meio de notificação judicial avulsa, em 27 de Maio de 2003, quando já tinham decorrido 4 anos e 9 dias após o arquivamento dos autos de inquérito; Encontrava-se, assim, largamente ultrapassado o referido prazo de 3 anos e prescrito o direito do autor; Atribui o tribunal a quo indemnização de 25.000,00 € pela violação da integridade física; Tal dano enquadra-se nos danos não patrimoniais que o douto tribunal a quo já atribuiu, em montante de 35.000,00 €; É que não estamos perante um caso de morte em consequência do acidente de viação em que os sucessores, nos termos do art. 496º, nº 2, do Código Civil, têm direito ao dano não patrimonial que caberia ao de cujus, tendo ainda direito aos seus danos próprios pela perda do ente querido; O tribunal atribuiu dois montantes indemnizatórios pelo mesmo dano - o não patrimonial; Deve, assim, a sentença ser revogada na parte em que atribui à autora o montante de 25.000,00 € a título de dano pela violação da integridade física; Foi o recorrente condenado no pagamento do montante indemnizatório, acrescido de juros vencidos e vincendos, contados desde a data da citação. Não pode o recorrente conformar-se com tal decisão; Contudo, não apreciou o tribunal a quo a questão relativa à data a partir da qual haverão de ser contados os juros, existindo, assim, uma omissão de pronúncia, encontrando-se o acórdão ferido da nulidade prevista no art. 668º, nº1, al. d), do CPC; No que à questão da condenação em juros concerne, sendo o dano não patrimonial fixado na sentença, independentemente de o julgador expressamente indicar que fez ou não actualização, deve ser cumprido o Acórdão de Fixação de Jurisprudência nº 4/2002, de 9 de Maio, devendo presumir-se que o julgador respeitou, como devia, o disposto no art. 566º, nº 2, do C.Civil; Ora, em relação aos danos...

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