Acórdão nº 1842/04.3TVPRT.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 01 de Março de 2010

Magistrado ResponsávelSEBASTIÃO PÓVOAS
Data da Resolução01 de Março de 2010
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

S Privacidade: 1 Meio Processual: REVISTA Decisão: NEGADA REVISTA Sumário : 1. A lei aplicável à regulamentação do direito de preferência do arrendatário é a que vigorava aquando da alienação do locado e onde se prevê o tipo de negócio, a duração do contrato de arrendamento e a oportuna aceitação pelo presente das condições que o senhorio acordaria com o terceiro.

  1. Nos termos do artigo 47.º, n.º 1 do RAU (Decreto-Lei n.º 321-B/90, de 15 de Outubro, não alterado na parte relevante do preceito pelo Decreto-Lei n.º 278/93, de 10 de Agosto) são requisitos a compra e venda ou dação em cumprimento do local arrendado e a subsistência do arrendamento durante mais de um ano, independentemente de algumas modificações, no seu clausulado (actualmente, duração por mais de três anos, “ex vi” da alínea a) do n.º 1 do artigo 1091.º do Código Civil, na redacção do artigo 3.º da Lei n.º 6/2006, de 27 de Fevereiro).

  2. A preferência existe para a fracção autónoma arrendada – no caso do prédio estar constituído em propriedade horizontal – ou para todo o imóvel,se não legalmente parcelado – aqui, em concorrência com outros eventuais locatários – ainda que o arrendamento incida apenas sobre uma parcela não legalmente autónoma, já que a preferência não pode incidir apenas sobre esta.

  3. Trata-se de preferência legal (direito de opção), com aplicação subsidiária das normas da preferência convencional – pacto de prelação ou de preferência – que em regra é unilateral e em que o alienante se limita a assumir uma obrigação condicionada.

  4. Se na acção de resolução do contrato de arrendamento com despejo do inquilino a causa de pedir integra factos anteriores ao trespasse que coenvolve a transmissão do arrendamento, os seus efeitos retroagem à data da sua propositura, sendo que a resolução do primitivo contrato implica a invalidade do trespasse.

  5. O novo locatário-trespassário deixa de ter a qualidade de arrendatário para gozar do direito de preferência, já que os efeitos daquela lide lhe são oponíveis “ex vi” do n.º 3 do artigo 271.º do Código de Processo Civil.

  6. Tratando-se de declarações negociais prestadas por ambos os outorgantes, e não sendo possível apurar se a vontade real de um deles era conhecida do outro, vale o sentido que seria apreendido por um destinatário normal, isto é, por pessoa medianamente preparada, para os eventos negociais correntes, e com diligência média, se colocada na posição do declaratário real face ao comportamento do declarante.

  7. Mas deve também atentar-se na letra do negócio, nas circunstâncias de tempo e lugar e outras, que precederam a sua celebração ou são contemporâneas desta.

  8. O arrendamento comercial é formal “strictu sensu” por a lei exigir escrito como formalismo essencial à sua validade (artigos 219.º, “in fine” e 220.º do Código Civil e 7.º do RAU, na redacção do Decreto-Lei n.º 64-A/2000, de 22 de Abril, e hoje artigo 1069.º do Código Civil, mas se superior a seis meses), devendo a interpretação do texto seguir os critérios do n.º 1 do artigo 238.º do diploma substantivo.

Decisão Texto Integral: Acordam no Supremo Tribunal de Justiça: A “Farmácia C... R..., Limitada”, intentou acção, com processo ordinário, contra AA e BB (entretanto falecido, tendo sido habilitados como seus herdeiros CC e sua mulher DD, EE e sua mulher FF).

Pediu a condenação dos Réus a verem declarado o direito de preferência da Autora na compra e venda da fracção autónoma letra B, que melhor identificam e cuja propriedade foi transmitida ao 1.º Réu por escritura pública outorgada em 6 de Outubro de 2003 no 1.º Cartório Notarial de Vila Nova de Gaia; que seja declarada a aquisição dessa fracção a seu favor declarando-se a atribuição ao respectivo interessado do preço da compra e venda (39.903,83 euros).

Alegou, nuclearmente, que o direito de preferência resulta da sua qualidade de arrendatária do local onde exerce a actividade; que o primeiro Réu outorgou na qualidade de comprador e, em negócio consigo mesmo, em representação do Réu Inácio (vendedor); que não lhe foi comunicado o projecto de venda em termos de poder exercer o seu direito de preferência.

Os Réus contestaram impugnando os factos alegados e deduzindo várias excepções.

Na 1.ª Instância a acção foi julgada improcedente e os Réus absolvidos do pedido.

A Autora apelou para a Relação do Porto que confirmou a sentença recorrida.

Pede, agora, revista assim concluindo a sua alegação: - O acórdão recorrido alterou a matéria de facto fixada pela instância, mas manteve a solução de direito, segundo a qual a Autora não pode ser tida como locatária do imóvel vendido por escritura de 6 de Outubro de 2003, não sendo titular de direito de preferência sobre o locado, em violação dos regimes legais adjectivo e substantivo aplicáveis à relação ajuizada.

- Da procedência das alterações da matéria de facto [por eliminação do facto GG) e por alteração da redacção dos factos DD) e EE)] resultam inequívocas a qualidade de arrendatária da Autora, e o reconhecimento também pelo Réu AA dessa qualidade, devendo afirmar-se a legitimidade da Autora para o exercício do direito de preferência quanto à compra e venda titulada pela escritura a que alude a alínea Z) da sentença.

- Do direito aplicável à matéria de facto agora definitivamente fixada pela segunda instância, maxime em matéria de (i) renúncia ao exercício de direito litigioso, (ii) reconhecimento da qualidade de arrendatária, (iii) oponibilidade da renúncia por anteproprietário a adquirente da fracção autónoma, decorre (iv) quer a qualidade de arrendatária da Autora, (v) quer a titularidade por esta de direito de preferência na compra e venda, (vi) quer a violação da obrigação legal de preferência na transmissão operada a favor do Réu AA.

- Da conjugação da matéria das alíneas BB), L), M), N), P), Q), R), S) DD) e EE) da matéria de facto resulta que (i) todos os Réus conheceram a transmissão por trespasse do arrendamento a favor da Autora em Novembro de 2001, (ii) os anteproprietários, em Abril de 2003, negociaram a venda do imóvel a terceira [GG], (iii) reconhecendo à Autora o direito legal de preferência, (iv) obrigando-se a desistir da acção de despejo que se encontrava pendente, (v) representando e querendo a prorrogação do contrato de arrendamento celebrado em 1986, cuja relação se manteve inalterada, (vi) encontrando-se a Autora a cumprir os deveres de locatária.

- A renovação ou prorrogação do contrato por acto concludente das partes — no caso declaração receptícia dos proprietários, conhecida e aceite pela Autora – não está sujeita a forma legal [diversamente do que sucede com a constituição e com a extinção por acordo da relação locatícia, pelo que o acordo de desistência importa — independentemente de homologação por sentença — a extinção do direito de resolução exercido em acção de despejo que se encontrava pendente.

- Pese embora a força do caso julgado, este só ocorreu relativamente à situação exposta aquando da instauração da acção, não condicionando as manifestações negociais dos contraentes que incidam sobre a relação, se não apreciadas ou alteradas no decurso da acção, sendo que a segurança jurídica que se tutela com o caso julgado não pode precludir os eleitos de direito substantivo queridos pelos titulares dos direitos real, obrigacional e processual.

- A extinção do direito de resolução, e do próprio direito ao despejo decretado por decisão posterior àquela renúncia, pode ser oposta quer ao proprietário transmitente [parte na acção], quer ao adquirente que não foi parte na acção, por não se poderem transmitir para este direitos inexistentes na esfera dos alienantes à data da transmissão [nemo plus iuris transfere...

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