Acórdão nº 308/1999.C1.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 01 de Março de 2010

Magistrado ResponsávelLOPES DO REGO
Data da Resolução01 de Março de 2010
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

S Privacidade: 1 Meio Processual: REVISTA Decisão: CONCEDIDA PARCIALMENTE Sumário : 1.Tendo sido anulada, por erro dolosamente provocado, a procuração em que se atribuem poderes de representação na celebração de escritura de doação de imóveis a favor de donatário determinado, é consequencialmente aplicável ao acto de doação o regime estabelecido no art.268º do CC para a representação sem poderes, implicando a ineficácia do negócio em relação ao doador.

  1. O que identifica a pretensão material do autor, o efeito jurídico que ele visa alcançar, enquanto elemento individualizador da acção, é o efeito prático-jurídico por ele pretendido e não a exacta caracterização jurídico-normativa da pretensão material, a sua qualificação ou subsunção no âmbito de certa figura ou instituto jurídico, sendo lícito ao tribunal convolar de um pedido de anulação do negócio jurídico para a declaração de ineficácia, sem que tal permita afirmar que, ao fazê-lo, o tribunal julgou objecto diverso do que havia sido peticionado.

  2. Limitando-se o autor a formular um pedido constitutivo de anulação de um negócio jurídico, não é lícito ao tribunal proferir sentença em que, para além do decretamento da anulação, se condene oficiosamente a parte a restituir o que obteve em consequência do contrato anulado, por tal traduzir condenação em objecto diverso do pedido, vedada pelo nº1 do art. 661º do CPC.

    Decisão Texto Integral: Acordam no Supremo Tribunal de Justiça: 1.AA propôs, no Tribunal Judicial da Comarca de Pombal, acção condenatória, com processo ordinário, contra BB e mulher, CC, pedindo a anulação, por vício da vontade, da declaração constante de procuração , outorgada a favor de uma sua filha, legitimando-a para doar ao 1º réu um conjunto de imóveis que lhe pertenciam; a anulação da declaração constante da própria escritura de doação, em que o A. figurou como doador e o 1º R. como donatário; a restituição do montante de 32.566.467$30 com que os RR. se locupletaram , através de levantamentos bancários abusivos, feitos com base em autorização de movimentação de contas; e a indemnização, a título de perdas e danos, no valor de 10.000$00 e respectivos juros de mora.

    Os RR. contestaram, impugnando toda a argumentação do A. e pugnando pela licitude dos actos e movimentos patrimoniais realizados.

    O A. faleceu em 29/2/00, tendo sido habilitados os seus herdeiros, vindo a ser proferida sentença , na qual de julgou a acção parcialmente procedente, decretando a anulação da procuração, bem como da subsequente doação, condenando os RR. a reconhecerem tal efeito jurídico e a devolverem todos os prédios objecto dessa doação; e ainda a restituírem à herança por óbito do A., representada pelos herdeiros habilitados, a quantia peticionada com base na abusiva movimentação de contas bancárias; foram ainda os RR. condenados como litigantes de má fé em multa e indemnização, posteriormente liquidada.

    Inconformados, os RR. apelaram da sentença, tendo ambas as partes agravado da decisão que liquidou a indemnização por litigância de má fé.

  3. A Relação de Coimbra julgou todos os recursos improcedentes, aderindo, nomeadamente, após ter considerado improcedente a impugnação deduzida em sede de matéria de facto, à fundamentação exposta na sentença recorrida, que confirmou, nos termos do art.713º, nº5 , do CPC.

    É desta decisão que vem interposto pelos RR. o presente recurso de revista.

    Tendo entretanto, falecido uma das interessadas habilitadas como sucessora do originário A., DD, teve lugar a habilitação dos respectivos herdeiros, identificados no requerimento de fls.3033 e segs., para com eles prosseguirem os termos da causa – pretensão esta que foi julgada procedente por despacho de fls. 3060.

    No recurso de revista formulam os recorrentes as seguintes conclusões que, como é sabido , lhe definem o objecto: 1-0 quadro fáctico dos autos, quanto à procuração doe. n° 5 configura uma actuação sem poderes de representação .

    2 - Para se determinar a prova deste facto, tal só é possível nos autos, com a presença do mandatário, e do oficial público, que tiveram intervenção quer na procuração quer na escritura.

    3 - Como tal não sucedeu permanecem válidas quer a procuração quer a escritura.

    4- O Tribunal da Relação não se pronunciou sobre estas questões pelo que cometeu omissão que constitui nulidade, nos termos do disposto no art° 668 e 716 do C.P.C .

    5 - Porque não se trata de anulabilidade mas sim de ineficácia não é aplicável ao presente caso a doutrina do Assento N° 4/95 deste Supremo Tribunal.

    6 - Existe caducidade do exercício da presente acção, pelo que tal deve ser declarado nos termos do disposto no art° 287 e 333 do C.C 7 - A validade das transferências bancárias não pode ser posta em causa através de prova testemunhal, nos termos do art° 376 do C.C.

    8 - Não foi pedido nos autos a declaração de invalidade ou falsidade das transferências bancárias descritas nos autos.

    9 - A ser assim contrariamente ao decidido anteriormente, o dinheiro transferido mostra-se licitamente em poder dos recorrentes.

    10 - O Tribunal não pode condenar para além do pedido, como o fez o Tribunal recorrido, pois tal se opõe e disposto no art° 661 do C.P.C 11 - Qualquer transferência bancária, ou depósito bancário representa um contrato, coberto por legislação especial, nomeadamente o Dec. Lei 41/2000 de 17/03 e o art° 231 do C. Penal e 947 do C.C., e como actos formais que são, para que a sua validade possa ser posta em causa, sempre, se imporia para a produção do efeito útil e normal da decisão, a intervenção dos legais representantes da instituição financeira.

    12 - Assim se entenderia melhor todo o procedimento bancário e financeiro documentado e relatado nos autos.

    13-0 aliás douto acórdão violou além do mais o disposto no art° 668, 661, 713 do C.P.C., art° 259, 268 n° 1, 287, Assento 4/95 do S.T.J, 289, 376 e 374,947 do C.C, 239 do C.Comercial e Dec.-Lei 41/2000 de 17/03.

    Não foram apresentadas contra-alegações.

  4. As instâncias assentaram a decisão jurídica do pleito na seguinte matéria de facto: II.1 – Foram considerados assentes os seguintes factos: Da especificação: 1. O Autor nasceu a 14/01/1920, em Fontainhas, Abiúl, Pombal, e casou com DD em 3/01/55, esta falecida em 13/01/94. Do casamento não há descendentes, nem ascendentes sobrevivos (Als. A), B) e C), da especificação); 2. O Autor tem irmãos sobrevivos e sobrinhos, sendo a Ré mulher sua sobrinha, filha do seu irmão EE (Al. D), da especificação); 3. O Autor e sua mulher sempre mantiveram casa de morada de família em Abilheira, Abiúl, Pombal (Al. E), da especificação); 4. O Autor emigrou para França em 1962 e esteve emigrado até cerca de 1982, tendo nestes últimos 12 anos a mulher consigo (als. F) e G), da especificação); 5. O casal regressou definitivamente em 1983, continuando a partir daí a habitar a sua casa em Abilheira (al. H) da especificação); 6. O Autor e mulher eram muito unidos e dedicados um ao outro (al. I) da especificação); 7. O Autor e mulher adquiriram um património composto essencialmente por bens imóveis, sendo um urbano e rústicos - propriedades de semeadura e arvense - e aforro bancário - depósitos a prazo e à ordem em contas bancárias abertas na Agência da Caixa Geral de Depósitos e na Caixa de Crédito Agrícola Mútuo de Pombal de mais de 3 dezenas de milhares de contos (al. J) da especificação); 8. Teor do documento (nº 5) junto a fls. 23 e 24 dos autos, denominado procuração, de onde consta, nomeadamente, que AA, cuja identificação foi verificada por declaração dos abonadores FF e GG, disse que constituía sua bastante procuradora HH, a quem concedia, com a faculdade de substabelecer, “poderes para doar com reserva de usufruto a seu sobrinho BB, casado com CC, sob o regime da comunhão geral, natural da dita freguesia de Abiul, onde reside no lugar de Abelheira, os prédios rústicos inscritos na matriz da freguesia de Abiul sob os artigos 8300, 8347, 8933, 8453, 8364, 9124, 9273, 9722, 9724, 9731, 9759, 9920, 13.884, 14.271, 14.434 e 14.652 e os urbanos sob os artigos 660 e 661, processado por computador ficando o donatário com a obrigação de fornecer ao doador vestuário, alimentação, médicos, medicamentos e tratamento adequado nas suas doenças, reservando-se ele outorgante a faculdade de revogar unilateralmente a doação se o donatário não cumprir qualquer das obrigações impostas, outorgando e assinando as respectivas escrituras e todos os documentos que se tornem necessários para os identificados fins, incluindo registos nas conservatórias, seus averbamentos e cancelamentos, e para nas repartições públicas e, designadamente nas repartições de finanças, liquidar contribuições e impostos e requerer quaisquer alterações matriciais”. Do mesmo documento consta, ainda, que “esta procuração foi em voz alta lida e explicado o seu conteúdo ao outorgante na presença simultânea de todos os intervenientes”, bem como, para além de outras, as assinaturas “AA”, “FF” e “GG” (alínea L), da especificação); 9. O Autor e mulher fizeram testamento recíproco e por morte do último a institui-lo como único e universal herdeiro (al. M), da especificação); 10. No dia 3/02/1994 é lavrada escritura de doação, figurando como donatário o Réu marido e doador o Autor, tal como consta do documento de fls 25 a 29., que aqui se dá por reproduzido, tendo como objecto os imóveis (prédios rústicos) inscritos na matriz da freguesia de Abiúl sob os artigos 8300, 8347, 8933, 8453, 8364, 9124, 9273, 9722, 9724, 9731, 9759, 9920, 13.884, 14.271, 14.434 e 14.652 (alínea N), da especificação); Do questionário: 11. O Autor e a sua mulher mantinham relações com a generalidade dos seus familiares e conviviam bastante com o seu irmão EE, quer em França quer depois em Portugal (resposta aos pontos 1º, 7º, 86º, 87º e 88º da base instrutória/questionário); 12. O Autor andou na escola, sabendo ler e escrever, e a sua mulher não sabia ler e escrever (resposta aos pontos 2º e 103º da base instrutória/questionário); 13. O Autor e a sua mulher eram...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT