Acórdão nº 20/03.3TYLSB.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 01 de Março de 2010

Magistrado ResponsávelMOREIRA ALVES
Data da Resolução01 de Março de 2010
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

S Privacidade: 1 Meio Processual: REVISTA Decisão: CONCEDIDA PARCIALMENTE Sumário : I - O enriquecimento sem causa justificativa de alguém corresponderá, regra geral, a um empobrecimento, de igual valor, no património do terceiro que se arroga o direito à restituição, mas nem sempre assim acontece.

II - Na verdade, pode ocorrer enriquecimento injustificado sem o correspondente empobrecimento do terceiro lesado. Tal ocorrerá, por exemplo, em casos em que o beneficiado com a vantagem patrimonial se intrometeu nos direitos ou bens jurídicos alheios, isto é, quando alguém, sem ter a tal direito, usa, consome ou utiliza bens alheios ou exercita direitos de outrem.

III - É o que ocorre no caso concreto, em que as rés, violando um direito privativo da autora, utilizaram uma marca figurativa registada em nome desta, da sua propriedade exclusiva, e como tal protegida nos termos do disposto nos arts. 167.º, n.º 4, 207.º e 257.º do CPI de 1995.

IV - Provada a utilização indevida da marca da autora, a comercialização de produtos fabricados com o padrão propriedade exclusiva da autora, é claro que está demonstrada a obtenção da mencionada vantagem patrimonial que terá de ser quantificada em sede de incidente de liquidação.

V - Não se provando qualquer empobrecimento no património da autora – nem tal foi alegado –, isso não impede a verificação do enriquecimento das rés, porquanto a deslocação patrimonial que se traduz no aumento do património destas não tem necessariamente de sair do património da primeira.

VI - O enriquecimento deveu-se à ingerência ou intromissão das rés no uso e fruição de um direito da autora; em tais circunstâncias deve reverter para o titular do direito ou dono das coisas todo o lucro obtido por quem se intromete no uso ou fruição da coisa ou direito, de acordo com a teoria da destinação ou da afectação.

VII - Provando-se que as rés violaram o direito privativo da autora à utilização da marca, as quantidades de tecido com o padrão semelhante ao da autora, que as rés adquiriram a quantidade desse tecido que foi utilizado, o período temporal durante o qual os produtos confundíveis com a marca da autora estiveram expostos para venda, a quantidade de produtos expostos e a quantidade dos efectivamente vendidos, apenas não se tendo apurado o valor do enriquecimento a restituir, tal não impede a condenação das rés a restituir aquele que vier a provar-se em incidente de liquidação, nos termos do disposto no art. 661.º, n.º 1, do CPC.

VIII - Diferentemente do instituto da responsabilidade civil, que tem como finalidade a reparação de um dano, sem o qual não há indemnização, a obrigação decorrente do art. 473.º do CC visa a restituição do enriquecimento injustificado obtido pelo beneficiário e não indemnizar qualquer dano.

IX - O art. 258.º do CPI de 1995 (diploma aplicável ao caso) mandava aplicar, como direito subsidiário, as normas do DL n.º 28/84, de 20-01; porém, a aplicação subsidiária de uma lei de natureza exclusivamente penal só tem cabimento a respeito das decisões que julguem infracções penais ou contravencionais especialmente previstas no CPI, tanto mais que a publicidade das decisões condenatórias proferidas no âmbito do DL n.º 28/84 configura uma sanção acessória de natureza exclusivamente penal ou contravencional – cf. arts. 8.º e 77.º do diploma referido.

X - É assim evidente que a aplicação subsidiária do DL n.º 28/84 (dos seus arts. 8.º ou 77.º), nos termos do art. 258.º do CPI, só seria possível no âmbito de decisão penal condenatória pela prática de um qualquer crime ou contra-ordenação especialmente prevista no CPI.

Decisão Texto Integral: Relatório No Tribunal de Comércio da Comarca de Lisboa.

AA Limited Intentou a presente acção declarativa de condenação, com processo ordinário, contra BB,Lda., CC ,Lda., DD, Lda., EE, Lda., e FF, Lda., Pedindo que os RR sejam condenados: a) a absterem-se definitivamente de fabricar, comprar ou importar o material (tecido) com o xadrez que entende consubstanciar uma violação do seu direito de marca, que têm usado para confeccionar os seus produtos; b) a absterem-se de fabricar, distribuir ou vender, nos seus estabelecimentos ou para os de terceiros e ainda de exportar, produtos com o xadrez em causa; c) absterem-se de fazerem qualquer exposição, promoção ou publicidade aos produtos com o xadrez em causa; d) a procederem, a expensas suas, à destruição de todos os seus produtos que mantêm em armazém, na presença de um representante da A., no prazo de 30 dias após o trânsito em julgado da sentença condenatória.

  1. a restituírem à A. quantia em igual valor ao montante com que injustamente se locupletaram, a determinar na fase de produção de prova; f) a pagarem à A. uma indemnização pelos danos decorrentes da violação de marca do xadrez Burberry, em montante a determinar na fase de produção de prova, e g) a custearem a publicação, em jornal diário e em jornal semanal a indicar pela A., de extracto da decisão que as condene nos pedidos formulados, no prazo de 15 dias após o trânsito em julgado da sentença condenatória.

    Alegou em síntese: - É titular de dois registos da marca, nacional e comunitário, caracterizados por um padrão de xadrez, padrão esse, identificado nos autos, e que é usado pela A. como referência nos seus produtos desde os anos 20 do séc.

    XX e actualmente usado em 80% da sua gama de produtos; - Tem feito fortes investimentos em publicidade associando sempre o referido padrão de xadrez, o qual identifica de imediato a sua organização empresarial, sinal esse, que, dado o seu prestígio e notariedade, tem grande valor patrimonial; - As RR comercializam e fabricam artigos de sapataria e afins que assinalam com a marca Hera; - Na estação Outono/Inverno de 2001, as RR fabricaram, comercializaram e publicitaram um modelo de sapatos e dois modelos de carteiras de senhora revestidos com uma figura de xadrez praticamente igual ao xadrez Burberry, modelos esses que, nesse período de 6 meses, se tornaram na imagem dos produtos Hera, por força da publicidade efectuada; - Com esta conduta os RR violaram os direitos de propriedade industrial da A. agiram em concorrência desleal, o que tudo se traduziu num enriquecimento sem causa dos RR, beneficiando do investimento em publicidade da A.

    - por outro lado, tal conduta dos RR, produziu danos à A. derivados da depreciação do valor económico da marca violada, o que gera obrigação de indemnizar.

    Citados os RR. vieram contestar, excepcionando a ilegitimidade passiva da Ré FF Lda.

    No mais, alegam em resumo, que se limitaram a aprovisionar-se junto de um fornecedor de 42 metros do tecido xadrez em causa, apenas tendo sido utilizados 22 metros deste e que, dos produtos acabados, mais de metade não se venderam.

    Além disso, o tecido em causa apresenta diferenças do padrão Burberey e os produtos em questão não foram uma das principais referências da sua organização empresarial.

    Concluem pela improcedência da acção.

    Replicou a A.

    Proferiu-se despacho saneador que julgou improcedente a excepção de ilegitimidade passiva da Ré FF Lda..

    Fixaram-se os factos assentes e organizou-se a base instrutória.

    Realizado o julgamento e lida a decisão sobre a matéria de facto, foi elaborada sentença final, que, julgando a acção parcialmente procedente, decidiu: a) condenar as RR BB Lda., CC Lda., DD Lda., EE Lda., e FF Lda., a absterem-se de fabricar, comprar ou importar o material com o xadrez que viola o direito de marca da A. AA Limited, correspondente ao sinal protegido pela marca nacional nº 316041 e comunitária nº 377 580; b) Condenar as mesmas 5 RR a absterem-se de fabricar, distribuir ou vender, nos seus estabelecimentos ou para os de terceiros e ainda de exportar produtos com o xadrez protegido pela marca nacional nº 316 401 e comunitária nº 377 580 ou com esta confundíveis; c) Condenar os mesmos RR a absterem-se de fazerem qualquer exposição, promoção ou publicidade a produtos com o xadrez protegido pelas referidas marcas, ou com este confundível; d) Absolver a Ré FF Lda., dos demais pedidos contra ela formulados; e) Condenar os RR BB Ldª, CC Ldª, DD Lda., e EE Lda., a procederem, a expensas suas, à destruição de todos os produtos que mantêm em armazém ostentando xadrez confundível com o xadrez protegido pela marca nacional nº 316041 e comunitária nº 377580, na presença de um representante da A., no prazo de 30 dias após o transito em julgado da sentença condenatória; f) Condenar os RR BB Lda., CC Lda., DD Ldª e EEa Ldª, solidariamente, em virtude do enriquecimento sem causa ocorrida com a comercialização de produtos confeccionados em xadrez confundível com o xadrez protegido pelas marcas acima referidas, até 23/8/2002, a restituir à A. a quantia a liquidar em execução de sentença.

  2. Absolver as mesmas RR (as 4 primeiras) do pedido de condenação no pagamento à A. de uma indemnização pelos danos decorrentes da violação da marca de xadrez Burberry, e h) Condenar os RR BB Lda., CC Lda., DD Lda., e EE Lda., a custearem a publicação, em jornal semanal a indicar pela A., extracto da presente decisão, no prazo de 30 dias após o trânsito em julgado desta sentença.

    Inconformados apelaram os RR BB Lda., CCLda., e EEa , Lda., restringindo, porem, o seu recurso às condenações constantes das alíneas f) e h) da sentença recorrida.

    A Relação, conhecendo da apelação por simples remissão, julgou improcedente o recurso, confirmando a sentença recorrida.

    É deste acórdão que, novamente inconformados, voltam a recorrer os mesmos RR, agora de revista e para este STJ.

    Conclusões Formularam as rés recorrentes as seguintes conclusões, a terminar a sua alegação.

    Conclusões: 1. Para se surpreender a existência de enriquecimento e empobrecimento, relevantes para aplicação dos normativos legais constantes do art.° 473° e seguintes do Código Civil, é necessário, no primeiro caso, comparar a situação patrimonial do suposto enriquecido, após a prática do acto susceptível de gerar o enriquecimento, e verificar nela uma variação patrimonial...

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