Acórdão nº 508/05.1GBLLE.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 01 de Março de 2010

Magistrado ResponsávelSANTOS CARVALHO
Data da Resolução01 de Março de 2010
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

S Privacidade: 1 Meio Processual: RECURSO PENAL Decisão: PROVIDO PARCIALMENTE Sumário : I - Nas situações em que ocorre um roubo doloso e um homicídio doloso origina-se um concurso de crimes. O crime de roubo consome as ofensas corporais ínsitas na violência, as ofensas corporais graves e o homicídio negligente, mas não o homicídio doloso.

II - No caso em que o homicídio se destina a facilitar a execução da apropriação dos bens da vítima o concurso estabelece-se entre o homicídio e o furto e não entre o homicídio e o roubo, pois a violência já é punida no âmbito do homicídio.

III - Destas considerações resultaria que, no caso dos autos, haveria, no que respeita aos factos de que foi vítima o D, um concurso entre o crime de homicídio e o de furto, pois a violência de que resultou a sua morte foi usada para propiciar aos agentes a consumação da apropriação de bens.

IV - Todavia, os bens em causa eram pertença do casal e, portanto, punindo-se também o roubo de que foi simultaneamente vítima a mulher daquele, de cuja estrutura factual já faz parte a apropriação de tais bens, não há que punir duplamente os arguidos pelos mesmos factos, pelo que serão punidos apenas, quanto ao ofendido D, pelo crime contra a sua pessoa.

V - É inquestionável que o homicídio, praticado materialmente pelo C no gesto de asfixia da vítima, mas com a ajuda (também material) do A e do B [pois que “o C e o A viraram o Sr. D em decúbito ventral e, com a ajuda do B, que lhe amarrou os pés, amarraram-lhe igualmente as mãos atrás das costas, mantendo-se o C em cima da vítima”], é imputável a todos os arguidos.

VI - Agem todos como comparticipantes, pois fizeram-no em conjugação de esforços e mediante acordo prévio, cada um aceitando a conduta dos outros, com o propósito concreto de se apoderarem dos objectos e valores que encontrassem na residência de E e D e que sabiam não lhes pertencer e que ao molestarem fisicamente o D, nas circunstâncias descritas, actuavam de modo concertado e adequado a causar-lhe a morte.

VII - Na verdade, é autor, não só quem executa o facto por si mesmo, como o que toma parte directa na sua execução, por acordo ou juntamente com outro ou outros (art.º 26.º do CP).

VIII - O crime de homicídio é qualificado, pois os arguidos agiram com dolo necessário e com uma culpa agravada, reveladora de uma especial censurabilidade.

IX - Na verdade, os agentes tiveram em vista com o homicídio preparar, facilitar, executar ou encobrir o crime de roubo, circunstância prevista na al. g) do n.º 2 do art.º 132.º do CP, onde se enumeram aquelas que o legislador, a título exemplificativo, entendeu serem reveladoras de tal tipo especial de culpa.

X - A violência ínsita ao crime de roubo foi neste caso intencionalmente direccionada para a morte da vítima, pois a morte foi prevista pelos agentes como consequência necessária das suas condutas e executada, não com um móbil próprio (vingança, ódio, zanga, discussão, etc.), mas apenas para facilitar a execução de um crime patrimonial, o que não pode deixar de ser considerado como especialmente censurável.

XI - Feitas estas considerações, fácil é agora qualificarmos correctamente os factos, tendo em consideração que estes revelam que os arguidos, em comunhão de esforços e de vontades, penetraram numa casa habitada mediante arrombamento, daí retiraram valores e bens de avultado valor económico, para tal usaram da força física contra os dois habitantes, não só para os impedir de fugirem ou de pedirem socorro, mas também para obterem informação sobre os bens existentes na casa, um dos habitantes acabou por morrer por causa directa dessas violências físicas e a respectiva morte foi prevista como necessária pelos arguidos.

XII - Os arguidos recorrentes (pois quanto ao não recorrente a situação está coberta pelo trânsito em julgado e permanece intocada) cometeram um crime de roubo qualificado na pessoa e património da ofendida E, p. e p. nos termos do art.º 210.º, n.ºs 1 e 2, al. b), conjugado com o art.º 204.º, n.ºs 2, als. a) e e) e um crime de homicídio qualificado na pessoa do D, p. e p. nos termos dos art.ºs 131.º e 132,º, n.ºs 1 e 2, al. g), todos do Código Penal.

XIII - Estando o STJ a apreciar recursos exclusivamente da defesa, há, no entanto, que respeitar a proibição da reformatio in pejus, prevista no art.º 409.º, n.º 1, do CPP, pois que, interposto recurso de decisão final somente pelos arguidos, o tribunal superior não pode modificar, na sua espécie ou medida, as sanções constantes da decisão recorrida, em prejuízo de qualquer dos arguidos, ainda que não recorrentes.

XIV - Assim, o STJ não pode agravar a pena efectivamente aplicada aos recorrentes pela Relação quanto aos factos que, em nome da defesa do direito, agora se qualificaram juridicamente de modo diferente, pois, não tendo o MP recorrido, o tribunal está vinculado ao limite máximo definido pela respectiva sanção no tribunal recorrido – 13 anos de prisão pelo «roubo qualificado» na pessoa do D.

XV - Quer isto dizer que, sendo esses factos agora qualificados como homicídio qualificado, a pena parcelar respectiva não pode merecer uma sanção superior a 13 anos de prisão.

XVI - Note-se que, se considerássemos que a sanção inultrapassável pelo STJ era a medida da pena única fixada no tribunal recorrido, isto é, 18 anos de prisão, estar-se-ia a violar o princípio da proibição da reformatio in pejus, pois esta pena única teve como pressuposto material a existência de duas penas parcelares que nela tiveram um certo peso (13+10 anos de prisão), ao passo que agora, face à nova qualificação, terá como pressuposto duas penas parcelares, mas em que uma delas tem uma maior gravidade do que a anterior e, portanto, enquanto que os referidos 18 anos de prisão poderiam ser considerados excessivos face à decisão recorrida, tal como os arguidos reclamam, poderiam já ser tidos como «benévolos» perante as novas penas parcelares, se a do homicídio fosse fixado em mais do que 13 anos de prisão. Nesse sentido, os recursos dos arguidos teriam como consequência uma decisão que lhes seria mais gravosa do que a recorrida, ainda que o STJ viesse a manter os ditos 18 anos de prisão.

Decisão Texto Integral: Acordam no Supremo Tribunal de Justiça 1. A, nascido a 28.06.84, B, nascido a 16.10.77, e outro, naturais da Roménia e de nacionalidade romena, foram julgados no Tribunal Colectivo de Loulé, sendo-lhes imputado a co-autoria de um crime de roubo, p. e p. nos termos do art.º 210.º, n.ºs 1 e 2, al. b) conjugado com o art. 204.º, n.ºs 2, als. a) e e) todos do Código Penal e de um crime de homicídio, p. e p. nos termos do art. 131.º do Código Penal, devendo ainda serem condenados na pena acessória de expulsão, nos termos do art. 101.º, n.º 1 do DL n.º 244/98, de 8 de Agosto com as alterações do DL 4/2001, de 10 de Janeiro, conjugado com o art. 65.º do Código Penal e com o art. 34.º do DL n.º 15/93, de 22 de Janeiro.

Por acórdão de 27/10/2006, o tribunal colectivo condenou os arguidos como co-autores, em concurso real, do dito crime de roubo, na pena de dez anos de prisão para cada um deles, de um crime de homicídio qualificado, p. e p. pelos art.ºs 131.º e 132.º, 1 e 2, f) e g), C. Penal, cada um deles, na pena de dezasseis anos de prisão e, operando os cúmulos jurídicos, na pena unitária para cada um de vinte e dois anos de prisão. Foram ainda condenados na pena acessória de expulsão do território nacional pelo período de dez anos, nos termos dos art.ºs 101.º, 2 e 3 e 102.º, do DL 244/98, de 8/08.

Dessa decisão recorreram os arguidos e ainda o MP para o Tribunal da Relação de Évora, todos impugnando a matéria de facto, aqueles pedindo a absolvição pelo crime de homicídio (ou a condenação por roubo agravado - arguido B), a atenuação da pena pelo crime de roubo e a diminuição do tempo da pena de expulsão, o MP pedindo a condenação dos arguidos em 13 anos de prisão pela prática de um crime de roubo agravado, p. e p. no art.º 210.º, n.ºs 1 e 3 do CP e em 10 anos de prisão pela prática de outro crime de roubo, p. e p. pelos art.ºs 210º, n.ºs 1 e 2, al. b) conjugado com o art. 204º, n.º 1, al. a) e 2, al. e), todos do Código Penal, e em cúmulo jurídico na pena conjunta de 18 anos de prisão.

O Tribunal da Relação veio a decidir os recursos por acórdão de 14 de Setembro de 2007, onde concedeu provimento ao recurso do Ministério Público, ainda que por fundamentos diversos e, em consequência, convolou o crime de que os arguidos vinham condenados de homicídio qualificado para o crime de roubo agravado, p. e p. pelo art. 210°, n ° 1 e 3 do Código Penal, condenou os arguidos na pena, cada um deles, de 13 anos de prisão, e, em cúmulo jurídico com a pena parcelar do outro roubo (que permaneceu intocada), na pena única, por cada um deles, de 18 anos de prisão.

  1. Os arguidos, que estavam em prisão preventiva desde 3 de Agosto de 2005, foram libertados em 15 de Setembro de 2007, por força da entrada em vigor das novas regras relativas ao prazo máximo de prisão preventiva, o MP reclamou para a conferência do despacho respectivo do relator, mas a conferência indeferiu a reclamação.

    Entretanto, os arguidos B e A recorreram da decisão final da Relação para o Supremo Tribunal de Justiça e formularam as seguintes conclusões:

    1. O B: 1. A douta decisão recorrida, ao condenar o arguido na pena de prisão em que o condenou, fez uma apreciação e uma aplicação incorrecta do Direito, violando os princípios da proporcionalidade e adequação da pena ao tipo de ilícito cometido.

  2. Quanto ao crime de roubo a E deverá a pena aplicada, ser revista atendendo as circunstancias supra evidenciadas e ser de aplicar uma pena dentro dos limites mínimos.

  3. Como V. Exas entenderam e bem quanto à qualificação jurídica dos factos, não sendo considerado o crime de homicídio qualificado por falta de prova, e por falta de preenchimento dos requisitos do crime de homicídio qualificado, e que por sua vez tiveram em consideração que no caso concreto estávamos perante o crime de roubo art. 210 n.º 3...

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