Acórdão nº 844/07.2TBOER.L1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 01 de Março de 2010

Magistrado ResponsávelPAULO SÁ
Data da Resolução01 de Março de 2010
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

S Privacidade: 1 Meio Processual: REVISTA Decisão: NEGADA A REVISTA Sumário : I - O direito de regresso contra o segurado, consagrado no art. 19.º do DL n.º 522/85, de 31-12, justifica-se à luz da instituição da obrigatoriedade da contratação de seguro de responsabilidade civil contra terceiros, como necessidade de contrabalançar a eventual iniquidade da imposição, à seguradora, do pagamento de indemnizações resultantes de uma acção dolosa ou gravemente negligente por parte do segurado ou de outrem.

II - O carácter obrigatório do seguro sobre a circulação de veículos automóveis não influi no carácter pessoal (não real) do contrato celebrado: o que transfere para o segurador é a responsabilidade do segurado, enquanto detentor de um dado veículo e não o próprio veículo.

III - As razões que justificam o prazo de prescrição previsto no art. 498.º, n.º 1, do CC, subsistem mesmo em face do direito de regresso da seguradora. Apresenta-se destituído de fundamento ou de lógica admitir que uma acção de regresso motivada nos precisos factos em que assenta a responsabilidade civil do segurado pudesse prescrever num outro prazo temporalmente mais dilatado e indexado ao tempo ordinário de prescrição.

IV - O carácter imperativo das normas que regulam, em geral – art. 10.º do DL n.º 522/85 – e nesta específica matéria, o contrato de seguro – art. 19.º do mesmo diploma legal – e a figura da prescrição – art. 300.º do CC –, bem como a circunstância de inexistir qualquer menção, quer na legislação do seguro obrigatório, quer ao nível das condições particulares e gerais da apólice, de prazos prescricionais especiais ou concretos, faz-nos cair irremediavelmente na aplicação daquele que se mostra previsto pelo regime geral, a saber, o do art. 498.º, n.º 2, do CC (3 anos).

V - Na acção de regresso, a circunstância do facto ilícito constituir crime não justifica o alargamento do prazo prescricional do n.º 2 do art. 498.º do CC, nos moldes previstos no n.º 3 desse preceito legal, pois não está já em causa, em termos directos e imediatos, a responsabilidade civil extracontratual derivada do facto voluntário, culposo, ilícito, causal e lesivo, que, em rigor, já estará definida, mas antes um segundo momento, subsequente, à definição, em concreto, da dita responsabilidade, não se vislumbrando necessidade ou motivo, quer em termos fácticos como jurídicos, para proceder a tal ampliação do prazo de 3 anos previsto para o direito de regresso.

Decisão Texto Integral: Acordam no Supremo Tribunal de Justiça: I.

Em 7 de Fevereiro de 2007, a COMPANHIA DE SEGUROS ALLIANZ PORTUGAL, SA.

intentou, no Tribunal Judicial da Comarca de Oeiras, acção declarativa de condenação, com processo comum, sob a forma ordinária, contra AA, pedindo a condenação do Réu no pagamento à Autora da quantia de 16.121,64 €, acrescida de juros de mora, à taxa legal, a partir da citação e nas custas.

Para tanto alega, em síntese: No dia 17.08.00, pelas 18,40 horas, na AE 5, ao km. 2,900, Concelho de Oeiras, ocorreu um acidente de viação entre os veículos ligeiros, de matrículas ..-..-...,..-..-...,..-..-... e ..-..-....

O veículo ..-..-... era conduzido pelo Réu e encontrava-se seguro na A., através do contrato titulado pela apólice n.º 609.096.

O Réu foi o exclusivo causador do acidente, tendo infringido, com a sua conduta, designadamente o artigo 29.º,, n.º 1, do Código da Estrada.

No momento do acidente, o Réu encontrava-se alcoolizado, apresentando sensíveis limitações na capacidade (atenção e cuidado) necessárias para conduzir o referido veículo e foi o estado etilizado, em que se encontrava o Réu, a causa do acidente.

Na verdade, da forma como o acidente ocorreu é possível extrair – com base nas regras da experiência – que o embate ficou a dever-se ao facto do Réu se encontrar incapacitado para conduzir, situação provocada pela excessiva taxa de álcool que apresentava.

O contrato de seguro não cobre este tipo de condutas contravencionais e/ou delituosas, tendo a Autora, deste modo, direito a ser reembolsada pelo Réu, por todos os gastos que teve de suportar como consequência do acidente dos autos, ao abrigo das disposições contratuais do seguro sub-judice.

Conforme já se aduziu, do acidente resultaram danos, tendo a Autora que indemnizar os prejuízos sofridos pelos lesados, o que fez, tendo ainda suportado outros custos em consequência do acidente, pretendendo ser reembolsada do quantitativo que despendeu.

Por mera cautela, a Autora interrompeu a prescrição, com a notificação judicial avulsa que junta.

Regularmente citado (através de carta registada com aviso de recepção, tendo tal aviso entrado em tribunal no dia 2.04.2008, após se terem gorado diversas diligências no sentido de o citar, na morada indicada pela Autora na petição inicial, bem como em diversas outras constantes das diversas bases de dados acessíveis), o Réu veio apresentar, em 28.04.2008, a contestação, onde, para além de invocar a excepção da prescrição do direito e acção da A., impugnou parte da matéria alegada na petição inicial.

A Autora, notificada da contestação do Réu, veio apresentar a sua réplica, tendo concluído como na petição inicial.

Foi proferido saneador/sentença, que julgou a excepção da prescrição, invocada pelo Réu, procedente e absolveu, o mesmo, dos pedidos formulados pela Autora.

A Autora interpôs desta sentença recurso de apelação, que foi correctamente admitido, tendo a Relação de Lisboa julgado improcedente o mesmo confirmando integralmente, embora com fundamento diferente, o saneador--sentença recorrido.

Desta decisão recorre, de novo, a A, de revista, para este STJ, recurso que foi admitido.

A recorrente conclui as suas alegações do seguinte modo, em clara violação do disposto no n.º 1 do artigo 690.º do CPC: 1. A prescrição decretada na douta sentença não colhe, por força da Notificação Judicial Avulsa.

  1. O R. aceita a interrupção da prescrição efectuada pela notificação judicial avulsa, cfr. artºs 9º e 57º da contestação, e se o faz o douto acórdão recorrido deve tomá-la em consideração, o que não sucedeu. Deste modo, não poderá ser afastada a aplicação do disposto no Artº 327º, nº 1, do Cód. Civil.

  2. Ora, muito embora a notificação judicial avulsa fosse válida, o que é certo é que a morada do R. nela constante resultou numa certidão negativa, o que obrigou a A., aquando da acção judicial, a tentar encontrar o R. noutra morada, e que, depois de sucessivas tentativas, conseguiu a sua citação.

  3. Daqui resulta que o R. não foi citado na morada da notificação judicial avulsa, mas numa outra, mais tarde encontrada, circunstâncias que não podem ser imputadas à A., mas tão só ao R.

  4. Com efeito, não pode ser atendida a tese do douto acórdão de que a A. tem a obrigação de saber onde efectivamente se encontra o R. e só com a sua notificação é que se interrompe a prescrição. Se assim fosse o Artº 323º, nº 2, do Cód. Civil, não tinha aplicabilidade.

  5. Assim, a notificação judicial avulsa que deu entrada em 04.02.04 tem que se considerar legalmente efectuada, tanto mais que foi efectuada após os cinco dias da sua entrada em Tribunal (19.02.04).

  6. Em 23.07.04, cfr. doc. nº 17 da p.i., a referida notificação foi enviada ao mandatário da A..

  7. Sucede que o novo prazo prescricional só se inicia após 10 dias após o trânsito em julgado que pôs termo ao processo, cfr. o Artº 327º, nº 1 do Cód. Civil.

  8. Deste modo, os cinco anos prescricionais (tese da Recorrente mais à frente defendida) ocorreram em 02.08.09.

  9. O douto acórdão recorrido entende que aquela disposição legal não se aplica ao caso em apreço, contudo, além de literalmente abranger a “notificação”, determina o nº 2 que “Do despacho de indeferimento da notificação cabe agravo, mas só até à Relação.” Então tem que haver trânsito em julgado! 11. Tanto mais que podem haver vicissitudes no procedimento e conclusão da notificação judicial que poderão colocá-la legalmente em causa e terão que dar possibilidade ao requerente de recorrer.

  10. A prescrição decretada na douta sentença não colhe, por força do Seguro Obrigatório de Responsabilidade Civil Automóvel (Dec.Lei 522/85, de 31/12).

  11. Quando o Artº 498º do Cód. Civil foi criado, não existia o seguro obrigatório, isto é, as relações emergentes de um acidente automóvel, com as características do caso em apreço eram dirimidas nos termos do Cód. Civil e tão só, porém, deixaram de o ser em exclusivo, a partir da entrada em vigor do referido diploma legal.

  12. O Artº 498º do Cód. Civil não teve por escopo os acidentes de viação, aliás aplica-se a uma panóplia de relações sociais e quando se refere a responsáveis, refere-se a responsáveis directos pelo evento criado (v.g., o acidente).

  13. É neste sentido que vemos os Artºs 483º, 487º e 497º do Cód. Civil assentarem no pressuposto da culpa.

  14. Ainda, e na mesma sequência interpretativa, a responsabilidade solidária indicada no Artº 497º, nº 2, do Cód. Civil, preceitua que “O direito de regresso entre os responsáveis existe na medida das respectivas culpas...”.

  15. E, por fim, o Artº 498º, nº 2, do Cód. Civil, que vem no seguimento dos anteriores preceitos, diz: “... o direito de regresso entre os responsáveis.”, tem por lógica interpretativa inserir-se no âmbito da mencionada culpa.

  16. Este direito de regresso que o Código Civil aborda, não é o mesmo do caso sub-judice.

  17. Este direito de regresso assenta em outro pressuposto que é a culpa (consciência da ilicitude) do causador e consequente responsável pelo acidente, enquanto que o direito de regresso em análise assenta no pressuposto do garante da indemnização, que é uma entidade alheia a todo o emergir fáctico e causador directo do evento (o sinistro).

  18. E, para isso mesmo, foi criado um diploma legal para que, em determinados casos especiais, garantisse a indemnização: o Dec.Lei 522/85, de 31/12, com as consequentes alterações que, no seu Artº 8º, diz: “O contrato garante a responsabilidade civil do tomador do seguro, dos sujeitos da obrigação de segurar previstos no artigo 2º e dos...

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