Acórdão nº 102/05.7TTVRL.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 01 de Março de 2010

Magistrado ResponsávelBRAVO SERRA
Data da Resolução01 de Março de 2010
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

S Privacidade: 1 Meio Processual: REVISTA Decisão: NEGADA REVISTA Sumário : I - No âmbito do regime jurídico da duração do trabalho, aprovado pelo DL n.º 409/71, de 27 de Setembro, a prestação da actividade profissional em regime de isenção de horário de trabalho só era legalmente admissível se, para além do interesse manifestado pelo empregador e pelo trabalhador, houvesse autorização prévia por parte da Inspecção-Geral do Trabalho, autorização essa que se configurava como uma formalidade ad substantiam para a validade e eficácia daquele regime de isenção.

II - Assim, pese embora esteja provado que a Autora trabalhava sem sujeição a qualquer horário de trabalho, não pode tal situação de facto beneficiar do regime jurídico que é próprio da isenção de horário de trabalho legalmente constituída, mormente para efeitos retributivos, na medida em que simultaneamente não se prova a existência de autorização prévia por parte da Inspecção-Geral do Trabalho.

III - As condições necessárias à validade e eficácia do regime de isenção de horário de trabalho foram estabelecidas também – e se não primordialmente – em benefício do trabalhador.

IV - Daí que, opondo-se o trabalhador à sua sujeição a tal regime ou recusando-se o empregador a reduzir a escrito o regime de isenção ou a efectuar as comunicações legalmente previstas (ou a obter a autorização, no domínio da legislação de pretérito), possa sempre o trabalhador recusar-se em continuar a desempenhar trabalho nessas condições.

V - Não contende com o princípio da justa remuneração o facto de o trabalhador laborar, de facto, em regime de isenção de horário de trabalho, quando é certo que nunca exigiu à sua entidade empregadora a observância dos requisitos legais para o efeito.

Decisão Texto Integral: I 1. AA intentou, no Tribunal do Trabalho de Vila Real e contra E... A... T..., Ldª, acção de processo comum, solicitando a condenação da ré a pagar-lhe as quantias de € 1.177,20 e de € 1.726,56, correspondentes a férias que ela, autora, foi impedida de gozar, respectivamente, nos ano de 2003 e 2004, € 1.134, referente às retribuições relativas aos meses de Agosto e Setembro de 2004, € 425, concernente ao subsídio de Natal do ano de cessação do contrato de trabalho que a vinculava à ré, e € 11.135, respeitante a retribuição por trabalho suplementar, além de juros.

Para alicerçar o seu pedido, a autora, em síntese, aduziu: – – que, desde 1 de Outubro de 2001 a Setembro de 2004, trabalhou para a ré como directora do jornal A V... de C...

; – em 27 de Julho de 2004, após regressar de «baixa» por doença, comunicou aos seus superiores hierárquicos, por escrito, que denunciava o contrato de trabalho a partir de 27 do sequente mês de Setembro, tendo-lhe, por um dos sócios-gerentes da ré, sido transmitido que se podia ir embora, para não causar mau ambiente no trabalho, sendo-lhe, porém, garantidos todos os direitos como se estivesse a trabalhar durante o período do pré-aviso; – tendo os anteriores sócios-gerentes da ré vendido as suas quotas a BB, este novo sócio-gerente não se dispôs a pagar à autora os créditos laborais decorrentes da cessação do contrato de trabalho e que se consubstanciam no impedimento do gozo de 15 dias de férias de que a autora foi alvo em 2003, no impedimento do gozo de férias em 2004, no não pagamento das retribuições atinentes aos meses de Agosto e Setembro de 2004, no não pagamento do subsídio de férias de 2004, no montante de € 567, os proporcionais do subsídio de Natal de 2004 e no não pagamento do trabalho suplementar, desempenhado muitas vezes em horário nocturno e aos Sábados e Domingos, que calcula em 1.500 horas.

Contestou a ré, impugnando grande parte do articulado pela autora e deduzindo pedido reconvencional, mediante o qual solicitou a condenação da autora a pagar-lhe € 2134, para tanto sustentando, em súmula, que: – – esta denunciou o contrato de trabalho por carta de 29 de Julho de 2004, não tendo referido que os seus efeitos se produziriam mais tarde, e nunca mais aparecendo para prestar serviço; – a autora gozou a quase totalidade dos dias de férias a que tinha direito em 2003, só não gozando os outros porque preferiu ser paga e, quanto às férias de 2004, gozou os dias a que tinha direito, embora de forma não seguida; – perante o teor da carta de denúncia do contrato, não tinha a autora direito a qualquer remuneração nos meses de Agosto e Setembro de 2004; – à autora nunca foi exigida a prestação de trabalho suplementar nem ela nunca o prestou e, se o fez, foi por sua exclusiva iniciativa e sem qualquer conhecimento por parte da ré; – a autora denunciou o contrato de trabalho sem aviso prévio, o que acarretou prejuízos para a ré, que estima em € 1.000, os quais, aditados aos € 1.134 por falta de cumprimento daquele aviso prévio, somam os € 2.134 pedidos em reconvenção.

Prosseguindo os autos seus termos, com elaboração de despacho saneador – que, inter alia, admitiu o pedido reconvencional –, «matéria assente» e «base instrutória», e após a realização do julgamento, foi, em 16 de Novembro de 2007, proferida sentença que, julgando improcedente a reconvenção, consequentemente absolvendo a autora, julgou parcialmente procedente a acção, condenando a ré a pagar àquela todas as retribuições que “deve a esta desde o início e até ao fim do contrato de trabalho, a título de remuneração pela isenção de horário de trabalho, e a apurar em sede de execução de sentença”, a “quantia que confessou dever-lhe, no valor de 676,50 €” e a “d[í]vida de juros, à taxa legal e desde a data da citação”.

Inconformada, apelou a ré para o Tribunal da Relação do Porto.

Aquele Tribunal de 2ª instância, por acórdão de 7 de Dezembro de 2008, concedeu parcial provimento à apelação, absolvendo a ré do pagamento à autora das retribuições devidas a título de isenção de horário de trabalho, mantendo, no mais, a sentença impugnada.

  1. É deste aresto que, pela autora, vem pedida revista, finalizando a alegação adrede produzida com o seguinte quadro conclusivo: – “1ª O Tribunal ‘ad quem’ deve considerar que à Recorrente e à Recorrida é aplicável o regime da CCT da imprensa não diária, BTE nº 24, de 23 de Junho de 1993; 2ª Decorre desse instrumento de regulamentação colectiva das condições de trabalho, enquanto facto complementar de outros alegados pela Recorrente, que a Recorrente tem direito a uma remuneração mensal ilíquida desde a data de admissão no montante de 972,16 €, conforme tabela salarial em vigor desde 01.01.2000, no âmbito dessa CCT; 3ª Por conseguinte, todos os créditos salariais reclamados pela Recorrente na acção são devidos pela Recorrida em montante correspondente à diferença entre os que foram efectivamente pagos e aqueles que deveriam ter sido pagos ao abrigo da referida tabela salarial, cujo exacto montante deverá ser apurado em sede de liquidação de julgado; 4[ª] O douto acórdão recorrido violou o disposto no artigo 59º, nº 1, al. a) da Constituição da República Portuguesa, a Cláusula 17[ª], nºs 1 e 3 da CCT para a imprensa não diária, BTE, nº 24, de 23 de Junho de 1993, o[s] artigo[s] 13º a 15º do Decreto-Lei nº 409/71[,] de 27/9[,] e o[s] artigo[s] 175º, nº 3, 177º, 178º e 256º do Código do Trabalho (2003); 5[ª] Uma vez que[ ] o art.º 13, nº 2, do DL nº. 409/71, ao estabelecer que o pedido de isenção de horário deverá ser requerido pelo empregador às autoridades administrativas competentes tem como escopo a protecção do trabalhador (ao tempo, considerado a parte mais fraca da relação laboral), contra abusos e arbítrios do empregador[,] uma vez que aquele, nesse regime de isenção, deixa de gozar da protecção em que se traduz a limitação do horário de trabalho.

    6[ª] Ao interpretar-se tal preceito no sentido de que a Recorrente não tem direito à remuneração pelo trabalho prestado em regime de isenção pelo facto da Recorrida não ter diligenciado, como devia, pela obtenção dessa autorização, tal interpretação favorece o infractor e penaliza o trabalhador, sendo por isso contra a ratio do mesmo, pois que o empregador que aproveitou as vantagens económicas que a prestação do trabalho em tal regime lhe proporcionou ficaria desobrigado de pagar a retribuição que a lei impõe nessa situação.

    7[ª] Assim, não pode interpretar-se o referido preceito no sentido de negar ao trabalhador o direito à remuneração legal pela prestação de trabalho em regime de isenção de horário; 8[ª] A autorização administrativa a que se refere o art.º 13º do citado diploma legal e a comunicação exigida pelo artigo 177º do CT de 2003, não podem ser considerados um acto constitutivo do regime de isenção de horário de trabalho, pelo que[ ] o facto da entidade patronal não ter requerido essa autorização ou não ter comunicado a isenção, não retira à Recorrente o direito de receber a devida e legal remuneração por ter exercido as suas funções nesse regime.

    9[ª] Aliás, vingando o douto entendimento do Tribunal ‘a quo’, constitui dimensão interpretativa inconstitucional do disposto no artigo 59º, nº 1, al. a) da CRP, pois priva o trabalhador da retribuição correspondente ao trabalho efectivamente prestado.

    10[ª] Inconstitucionalidade que se verifica de igual modo, ao abrigo daquele preceito fundamental, ao conduzir à violação do princípio de que por trabalho igual salário igual, pois faz depender a atribuição do direito ao acréscimo retributivo, da satisfação de uma formalidade da lei ordinária, sem cuidar de acautelar a verificação material de uma situação de isenção de horário de trabalho, porquanto deve a interpretação das disposições legais em causa conduzir ao respeito absoluto pelo referido preceito constitucional, garantindo ao trabalhador o direito a receber o acréscimo retributivo devido pela isenção do horário de trabalho.

    Termos em que[ ] deve merecer provimento o presente recurso, declarando-se que a isenção de facto do horário de trabalho não isenta a Recorrida de proceder ao pagamento do acréscimo retributivo que decorra do Código do Trabalho ou de Instrumento de...

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