Acórdão nº 360/08.5GEPTM.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 01 de Março de 2010

Magistrado ResponsávelRAUL BORGES
Data da Resolução01 de Março de 2010
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

S Privacidade: 1 Meio Processual: RECURSO PENAL Decisão: REJEITADO O RECURSO Sumário : I - Estabelece o n.º 1 do art. 72.º do CP, na redacção dada pela terceira alteração – DL 48/95, de 15-03 – e mantido inalterado na 23.ª alteração do mesmo Código, operada pela Lei 59/2007, de 04-09, que o tribunal atenua especialmente a pena, para além dos casos expressamente previstos na lei, quando existirem circunstâncias anteriores ou posteriores ao crime, ou contemporâneas dele, que diminuam por forma acentuada a ilicitude do facto, a culpa do agente ou a necessidade da pena.

II - Ficou, assim, esclarecido que o princípio basilar que regula a atenuação especial é a diminuição acentuada não só da ilicitude do facto ou da culpa do agente, mas também da necessidade da pena, e consequente das exigências de prevenção.

III -A atenuação especial resultante da acentuada diminuição da culpa ou das exigências de prevenção corresponde a uma válvula de segurança do sistema, que só pode ter lugar em casos extraordinários ou excepcionais, em que a imagem global do facto resultante da actuação da(s) atenuante(s) se apresenta com uma gravidade tão diminuída que possa razoavelmente supor-se que o legislador não pensou em hipóteses tais quando estatuiu os limites normais da moldura cabida ao tipo de facto respectivo.

IV - Na análise a fazer há que ter uma visão integral do facto, atender ao pleno das circunstâncias que enformam os factos. No caso concreto, estamos face a quatro furtos, dois na forma tentada, sendo o arguido reincidente, o que significa que não tomou em devida conta as admonições resultantes de anteriores condenações, actuando com desrespeito pela solene advertência contida na anterior, mas próxima, decisão condenatória, sendo de censurar o arguido por essa condenação anterior não lhe ter servido de suficiente motivação para não praticar novos crimes, estando-se perante culpa agravada, a merecer maior censura.

V - A declaração/certificação de reincidência é incompatível com a diminuição de culpa pressuposto na atenuação especial.

VI -Para a determinação da medida concreta da pena única há que atender a todos os factos, de modo a surpreenderem-se ou não conexões entre os diversos comportamentos ajuizados, através de uma visão ou imagem global do facto, encarado na sua globalidade e no fio condutor presente na repetição criminosa conexionado com a personalidade do agente.

VII - A pena conjunta tenderá a ser uma pena voltada para ajustar a sanção – dentro da moldura formada a partir de concretas penas singulares – à unidade relacional de ilícito e de culpa, fundada na conexão auctoris causa própria do concurso de crimes.

VIII - No caso concreto, considerando que a moldura da punição será de 3 anos e 6 meses a 9 anos de prisão, há ponderar: - a ilicitude do conjunto dos factos, entendida como juízo de desvalor da ordem jurídica sobre um comportamento, por este lesar e pôr em perigo bens jurídico-criminais, no caso presente estamos face apenas a crimes de furto, sendo o mesmo bem tutelado – o património alheio – sendo de considerar como média; - quanto à modalidade de dolo, o recorrente agiu com dolo directo e intenso, substanciado no período em que se dedicou à actividade; - no que toca à indagação de uma conexão entre os ilícitos presentes, a única relação é a semelhança dos modos de actuação em todos eles; - na avaliação da personalidade do recorrente, importa reter o que consta dos factos dados como provados, nomeadamente, as suas condições de vida, tendo o arguido à data da prática dos factos 30 anos de idade (actualmente 31); - é de considerar o ilícito global agora julgado como resultado de uma tendência criminosa, reportando-se o caso presente a comportamentos surgidos na sequência de outros ocorridos no passado, em que foram violados bens jurídicos diversos, como o património, no caso dos furtos, de carácter pessoal e patrimonial, como no caso do roubo e a saúde pública, como nos casos de tráfico de estupefacientes, pelo que, valorando o ilícito global perpetrado, ponderando em conjunto a gravidade dos factos e a sua relacionação com a personalidade do recorrente, é de concluir, face à natureza e gravidade dos crimes cometidos, não se justificar outro grau de compressão, sendo de manter a pena única aplicada de 6 anos de prisão.

Decisão Texto Integral: No âmbito do processo comum colectivo n.º 360/08.5GEPTM, do 2.º Juízo Criminal de Portimão, integrante do Círculo Judicial de Portimão, foi submetido a julgamento o arguido AA, solteiro, nascido em 22-01-1978, natural da freguesia de Alcantarilha, concelho de , residente no Edifício da Fábrica Velha – Condomínio Fechado – Carvoeiro, Lagoa, actualmente sujeito a medida de coacção em regime de obrigação de permanência em habitação determinada por despacho de 18-02-2009, notificado a partir de 19 seguinte, com decisão judicial de efectiva aplicação dos mecanismos de vigilância electrónica, nos termos do artigo 3º, n.º s 1 a 3, da Lei n.º 122/99, de 20 de Agosto, proferida em 16-03-2009 e instalação de equipamentos no dia seguinte, tudo conforme fls. 287 a 293, 294, 295, 314, 315, 378, 379, 380, 390, 393 vº, 403, 413 vº, 416 a 419 e 457.

Por acórdão do Colectivo de Portimão de 8 de Julho de 2009 foi deliberado: I - Absolver o arguido relativamente a: 1 - Um crime de furto simples, p. e p. pelo artigo 203.º, n.º 1, e um crime de violação de domicílio, p. e p. pelo artigo 190.º, n.ºs 1 e 3, por referência ao artigo 202.º, alínea e), todos do Código Penal (Inquérito n.º387/08.7GEPPTM); 2 - Um crime de furto simples, p. e p. pelo artigo 203.º, n.º 1, e um crime de violação de domicílio, p. e p. pelo artigo 190.º, n.ºs 1 e 3, por referência ao artigo 202.º, alínea e), todos do Código Penal (Inquérito n.º 459/08.8GEPTM); 3 - Um crime de furto qualificado, p. e p. pelos artigos 203.º, n.º 1 e 204.º, n.º 2, alínea e), por referência ao artigo 202.º, alínea e), do Código Penal (Inquérito n.º506/08.3GEPTM); II - Condenar o arguido pela prática de: 1 - Como autor material e na forma consumada, de um crime de furto qualificado, p. e p. pelos artigos 203.º, n.º 1 e 204.º, n.º 2, alínea e), por referência ao artigo 202.º, alínea e), e como reincidente, nos termos dos artigos 75.º e 76.º, todos do Código Penal, na pena de 3 (três) anos de prisão (Inquérito n.º481/08.4GEPTM); 2 - Como autor material e na forma consumada, de um crime de furto qualificado, p. e p. pelos artigos 203.º, n.º 1 e 204.º, n.º 2, alínea e), por referência ao artigo 202.º, alínea e), e como reincidente, nos termos dos artigos 75.º e 76.º, todos do Código Penal, na pena de 3 (três) anos e 6 (seis) meses de prisão (Inquérito n.º2530/08.7PAPTM); 3 - Como autor material e na forma tentada, de um crime de furto qualificado, p. e p. pelos artigos 22.º, 23.º, 203.º, n.º 1 e 204.º, n.º 2, alínea e), por referência ao artigo 202.º, alínea e), e como reincidente, nos termos dos artigos 75.º e 76.º, todos do Código Penal, na pena de 10 (dez) meses de prisão (Inquérito n.º 360/08.5GEPTM); 4 - Como autor material e na forma tentada, de um crime de furto qualificado, p. e p. pelos artigos 22.º, 23.º, 203.º, n.º 1 e 204.º, n.º 2, alínea e), por referência ao artigo 202.º, alínea e), e como reincidente, nos termos dos artigos 75.º e 76.º do Código Penal, na pena de 20 (vinte) meses de prisão (Inquérito n.º698/08.1GCPTM).

Operando o cúmulo jurídico das penas parcelares foi o arguido condenado na pena única de 6 (seis) anos de prisão.

Inconformado, o arguido interpôs recurso apresentando a motivação de fls. 612 a 621, extraindo as seguintes conclusões (em transcrição): 1 – O Arguido terá tido comportamentos reprováveis, perante o circunstancialismo que poderia ter sido evitado não fosse o consumo compulsivo das drogas, o que deverá produzir efeitos, para menos, na medida da pena única a aplicar, em concreto, mostrando-se excessiva e comprometedora da ressocialização do Arguido, a submissão a ambiente prisional.

2 – O douto Tribunal “a quo”, conhecendo o circunstancialismo anterior e contemporâneo na ocorrência dos factos, tinha fundamento para censurar o Arguido em pena especialmente atenuada e, não o tendo feito, violou o disposto no artigo 72.º, n.º 1 e 2 do C.P.

3 – O Arguido, quando abstinente de drogas, é tido como uma pessoa de bom trato, com capacidades de socialização e de trabalho.

4 – O Arguido vem mostrando vontade de se ressocializar, e pautar a sua conduta pelas regras de vivência em sociedade, estando a frequentar as consultas na Equipa de Tratamento do Barlavento Algarvio (antigo CAT), está ainda receptivo a eventual integração em unidade terapêutica, tendo-se o Arguido Valorizado, pelo não consumo das drogas e tendo manifestado também interesse em retomar os estudos.

5 – Importa referir que o Arguido mantém uma relação familiar funcional, coesa e afectiva, o que lhe confere o crédito da concessão de oportunidade a que julga ter direito, pelo que se não justifica que lhe seja mantida e aplicada a pena de prisão com que não se conforma, a alterar por via do provimento que merece o presente Recurso.

6 – Efectuado que seja o cúmulo jurídico respectivo, perante a factualidade a analisar, e todo o circunstancialismo a atender, justifica-se que não seja imposta ao Arguido ora Recorrente pena de prisão superior a cinco anos, que deverá ser suspensa na sua execução, submetendo o mesmo a um tratamento de desintoxicação intensivo com acompanhamento psicológico, poupando-se o Recorrente aos nefastos efeitos do meio prisional, assim merecendo provimento o presente Recurso.

7 – Ao condenar o Arguido ora Recorrente em pena de prisão não superior a cinco anos, dá-se grande contributo para a reintegração do agente na sociedade, cumprindo-se o disposto no artigo 40.º do C.P., assim merecendo o provimento o presente Recurso.

8 – O que milita a favor do Arguido, ora Recorrente, que tem o apoio familiar, manifesta interesse em retomar os estudos e o facto de, quando livre de drogas, ser uma pessoa de bom trato, com...

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