Acórdão nº 1433/07.7TBBRG.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 01 de Março de 2010

Magistrado ResponsávelMOREIRA ALVES
Data da Resolução01 de Março de 2010
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

N Privacidade: 1 Meio Processual: REVISTA Decisão: CONCEDIDA Sumário : I - Embora o STJ não conheça de matéria de facto a não ser nos casos específicos previstos no n.º 2 do art. 722.º do CPC, não está impedido de sindicar a legalidade da obtenção das provas, nem de censurar a utilização de ilações de facto, quando estas, não se limitando a desenvolver a matéria de facto provada (base da presunção) antes a contrariam ou altera, o que tudo pode e deve ser feito oficiosamente.

II - Os factos essenciais a que se refere o art. 264.º, n.º 3, do CPC, têm necessariamente de ser complementares ou concretizantes de outros factos essenciais oportunamente alegados em fundamento do pedido ou da excepção. Essa complementaridade ou concretização tem de ser aferida pela factualidade alegada na petição inicial, isto é, pela causa de pedir invocada pelo autor, ou pela factualidade que fundamenta a excepção invocada na contestação.

III - Tendo sido violadas as regras legais que disciplinam a aquisição processual das provas ou que determinam quais os factos de que o tribunal pode servir-se para a decisão – cf., v.g.

, arts. 264.º e 664.º do CPC – , tal constitui matéria de direito, de conhecimento oficioso, que pode ser censurada pelo STJ.

IV - A celebração de dois contratos-promessa de compra e venda com terceiro, por banda dos réus, em que estes se arrogam a propriedade das fracções autónomas que prometem vender – sendo promitentes-compradores dessas fracções ao autor, no âmbito de um outro contrato-promessa –, inviabiliza qualquer ideia de mediação imobiliária, em que o mediador é apenas mero intermediário, sendo impensável que se apresente como proprietário da fracção cuja venda apenas lhe compete promover.

V - A nulidade prevista no art. 892.º do CC para a venda de coisa alheia não se aplica ao contrato-promessa obrigacional, porque a ratio de tal nulidade reside justamente no efeito real da compra e venda que a promessa não partilha.

VI - O contrato-promessa de venda de coisa alheia é válido, obrigando o promitente-vendedor perante o promitente-comprador, embora seja ineficaz em relação ao verdadeiro proprietário da coisa, competindo ao promitente-vendedor adquirir o bem alheio que prometeu vender ou conseguir o consentimento do proprietário para a celebração da escritura definitiva, sob pena de incorrer em incumprimento para com o terceiro promitente-comprador, que pode ser ou não culposo, de acordo com as circunstâncias concretas de cada caso.

VII - Existindo um primeiro contrato-promessa celebrado entre o autor e os réus, o posterior contrato-promessa outorgado entre os réus e o terceiro não altera em nada as obrigações assumidas pelos réus perante o autor em função do primeiro contrato: os réus permanecem obrigados a celebrar a escritura de compra e venda para com o autor.

VIII - Sob o ponto de vista civil, se o autor aceitasse celebrar directamente com o terceiro, promitente-comprador no segundo contrato, ficaria satisfeito o seu interesse enquanto credor e que justificou o primeiro contrato; poderá é ocorrer fraude fiscal, na medida em que se pretende fazer passar a situação por uma só transmissão o que, na verdade, se configura como uma dupla transmissão.

IX - Se nenhuma das instâncias se pronunciou sobre a questão do incumprimento contratual do contrato-promessa celebrado entre o autor e os réus, sendo essa questão o fundamento da acção, constituindo a sua causa de pedir – não se tratando de uma qualquer questão jurídica colocada pelas partes – se o STJ dela conhecesse estaria a decidir tal questão fundamental pela primeira vez e, contra toda a lógica do sistema, a eliminar qualquer grau de recurso, visto que da decisão do STJ nenhum é admissível (salvo para o TC, nos casos específicos que aqui não interessa considerar).

X - Apesar das dúvidas que suscita a interpretação do art. 726.º quando conjugado com os arts. 715.º e 731.º, todos do CPC, se a Relação deixou de se pronunciar sobre questões que lhe foram colocadas pelo apelante, por as ter considerado prejudicadas pela solução que deu ao pleito, não pode o STJ solucioná-las, pelo que, à míngua de texto legal que directamente preveja a situação, há que aplicar a disciplina do art. 731.º, n.º 2, do CPC, procedendo ao reenvio do processo àquele tribunal de segunda instância para conhecer dessas questões.

Decisão Texto Integral: Relatório No Tribunal Judicial da Comarca de Braga, AA Intentou a presente acção declarativa de condenação, com processo ordinário, contra, BB e CC, alegando em resumo: - Em 11 de Abril de 2001 o A. celebrou com os RR. um contrato-promessa de compra e venda, por via do qual prometeu vender aos RR e estes prometeram comprar-lhe, a fracção autónoma designada pela letra P, correspondente ao 2º andar direito – habitação tipo T4 – com entrada pelo n.º … do prédio constituído em regime de propriedade horizontal, sito na calçada de … – …, com garagem individual no rés-do-chão, e a fracção …do mesmo prédio, correspondente aos rés-do-chão — constituída por um estabelecimento comercial ou similar de hotelaria —; - o preço convencionado foi globalmente o de 16.000.000$00 (não se descriminando, nem vindo alegado, o preço relativo a cada uma das fracções), - os RR, promitentes compradores, entregaram ao A., como sinal, a quantia de 1.000.000$00, sendo certo que entretanto fizeram outras entregas, de modo que, do valor fixado para o negócio, os RR. entregaram ao A. a quantia de 5.500.000$00; - A escritura pública referente à fracção …(estabelecimento comercial) foi já outorgada (como resulta dos autos foi outorgada em 29/6/2001 entre o A. como vendedor e um terceiro como comprador, ao qual, por sua vez, os RR. haviam prometido vendê-la); - Porém a escritura definitiva relativamente à fracção …, não foi outorgada; - O A., por intermédio do seu mandatário, remeteu aos RR, em 10/9/2002, uma carta que eles receberam, solicitando-lhes a marcação da escritura em falta (relativamente à fracção …, portanto,) sob pena de o A. poder pedir-lhes uma indemnização a que se achar com direito (cof. carta documentada a fls. 33); - Como os RR. não tivessem reagido, o A. propôs contra eles acção de jurisdição voluntária para a marcação de prazo, que terminou por decisão que fixou em 30 dias o prazo para a celebração da escritura pública de compra e venda relativamente à fracção ….; - Os RR. foram notificados da sentença em 7/12/2003, mas, até hoje, não manifestaram o mínimo interesse em outorgarem a escritura (cof. fls. 39/45); - Apesar disso, o A. teve ainda o cuidado de dar aos RR novo prazo e, para o efeito, promoveu a notificação judicial avulsa dos RR. (cof. fls. 46/48 e 55/58), convocando-os para a realização da escritura no dia 27/2/2006, pelas 10 h, no Cartório Notarial da Sr.ª Drª …, sito ...

- Os RR. foram notificados em 27/1/2006 (fls. 54), e em 1/2/2006 (fls. 63), mas não compareceram no referido cartório como se dá conta na certidão de fls. 64 e 64 v.

- Por isso o A. perdeu todo o interesse no cumprimento do contrato promessa, pois a decisão de contratar sofreu uma completa alteração por culpa dos RR..

- Causando ao A. um duplo prejuízo, já que, por um lado, não recebeu a parte do preço em dívida, em tempo razoável e por outro lado, perdeu o rendimento que a fracção … lhe podia proporcionar caso fosse arrendada e que nunca seria inferior a 300€ mensais, sendo certo que não faltava quem quisesse tomar a fracção em causa de arrendamento; - As fracções prometidas vender, valorizaram-se, entre a data do contrato-promessa e a propositura da acção em mais de 100%, valendo a fracção …, no mínimo, 74.819,68€ e a P 89.783,72€.

- Tem, pois, o A. direito, além do mais que subsidiariamente peticiona, à rescisão do contrato.

Conclui, pedindo: - serem os RR condenados a reconhecer que o contrato de compra e venda relativo à fracção … não se concretizou em virtude de incumprimento dos RR.; - que o tempo decorrido entre a celebração do contrato promessa e a propositura da acção, conduziu à alteração das circunstâncias do negócio; - que os RR.

não pagaram o valor da fracção …, já escriturada, apesar de nessa escritura estar declarado o preço, o seu pagamento e a quitação.

Em consequência devem os RR. ser condenados: - a reconhecerem a rescisão do contrato promessa por parte do A., a favor de quem reverte o sinal entregue; - a entregarem ao A.

a fracção …fala-se na fracção …, mas é evidente tratar-se de lapso), que têm na sua posse, livre de pessoas e bens; - a pagarem ao A. o valor de 15.600 € referente ao valor do rendimento da Fracção … (por lapso manifesto fala-se na fracção …), contado desde Setembro de 2002 até Fevereiro de 2007.

- a pagarem ao A., a título de sanção pecuniária compulsória, o valor de 300 € mensais desde Março de 2007, inclusive, até devolução da fracção, e - a pagarem ao A. o quantitativo de 79.807,66 € referente ao valor da fracção …. que o A. lhes vendeu por escritura pública de 16 de Maio de 2000.

ou subsidiariamente: - seja proferida sentença que produza os efeitos da declaração negocial dos RR., dando execução específica ao contrato promessa respeitante à fracção …. (de novo se refere a fracção …, o que se traduz em lapso manifesto) e à concretização do negócio prometido.

- se condenem os RR. a reconhecerem que o valor da fracção … é actualmente de, pelo menos, 89.783,62 € - se condenem os RR. a depositarem previamente à prolação da sentença o valor de 62.349,74 €, correspondente à diferença do valor da fracção, deduzido o sinal; - se condenem os RR. a pagarem ao A. 15.600 €, relativos ao valor do rendimento da fracção …. (a referência à fracção … é manifesto lapso), contado de Setembro de 2002 até Fevereiro de 2007, e a quantia de 300 € mensais, desde Fevereiro de 2007 até à data daquele pagamento; - se condenem os RR. a pagarem ao A. o valor de 79.807,66 €, referente à fracção …, escriturada em nome dos RR., desde 16/5/2000, actualizada em função dos valores de mercado.

- Caso o depósito não seja efectuado no prazo concedido, deve...

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