Acórdão nº 2345/01.3TAGMR.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 01 de Março de 2010

Magistrado ResponsávelSOUSA FONTE
Data da Resolução01 de Março de 2010
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

S Privacidade: 1 Meio Processual: RECURSO PENAL Decisão: REJEITADO Sumário : I - A Lei 48/2007, de 29-09, não contém nenhuma norma de direito transitório especial, pelo que, colocando-se um problema de aplicação da lei processual penal no tempo, se deve atender à norma de direito transitório geral do art. 5.º do CPP, em cujo n.º 1.º se prescreve, como princípio geral em matéria de aplicação da lei processual no tempo, que esta é de aplicação imediata, sem prejuízo da validade dos actos realizados na vigência da lei anterior – a regra do tempus regit actus que constitui, afinal, a reafirmação da doutrina consagrada no art. 12.º do CC, de que a lei, qualquer lei, só dispõe para o futuro.

II - Tendo embora a Lei 48/2007 alterado os pressupostos e condições do recurso para o STJ, de modo algum rompeu com o paradigma anterior e menos ainda com o modelo de processo; por isso, tendo a fase de recurso autonomia relativa, mas processualmente relevante, na estrutura e na dinâmica do processo (Ac. STJ n.º 4/2009, de 18-02, publicado no DR, I Série, de 19-03-09), a aplicação da lei nova a esta fase de processo iniciado na vigência da lei antiga não é susceptível de criar inconciliabilidade com as fases anteriores e desarticulação entre os vários actos do processo.

III - Assim, a um processo que teve o seu início em 2001 e em que o acórdão da 1.ª. instância foi proferido em 15-02-08 é aplicável a lei nova.

IV - É o art. 432.º do CPP que define a recorribilidade das decisões penais para o STJ: de forma directa, nas als. a), c) e d) do seu n.º 1; de modo indirecto, na al. b) do mesmo n.º, através da não recorribilidade das decisões proferidas, em recurso, pelos tribunais da Relação, tal como estabelecidas nas diversas als. do n.º 1 do art. 400.º.

V - A coerência interna do regime de recursos para o STJ em matéria penal supõe que uma decisão em que se não verifique uma dupla de pressupostos – a natureza e a categoria do tribunal a quo e a gravidade da pena efectivamente aplicada – não possa ser recorrível para o STJ. Com efeito, se não é admissível recurso directo de decisão proferida pelo tribunal singular, ou que aplique pena de prisão não superior a 5 anos, também por integridade da coerência que deriva do princípio da paridade ou até da maioria de razão, não poderá ser admissível recurso de segundo grau de decisão da Relação que conheça de recurso interposto nos casos de decisão do tribunal singular ou do tribunal colectivo ou do júri que aplique pena de prisão não superior a 5 anos.

VI - No caso, estando-se perante um acórdão do Tribunal da Relação proferido em recurso interposto de um acórdão do tribunal colectivo que aplicou penas parcelares e pena conjunta não superiores a 5 anos, o recurso em segundo grau para o STJ não é admissível.

VII - Contudo, a Lei 48/2007 alargou as possibilidades de recurso para o STJ quanto à questão do pedido civil – se antes o recurso só era viável quando fosse admissível recurso da decisão sobre a questão penal, agora, por força da redacção dada aos n.ºs 2 e 3 do art. 432.º, a admissibilidade do recurso da parte da sentença relativa à indemnização civil depende apenas do valor do pedido e da alçada do tribunal recorrido bem como da sucumbência, independentemente de ser ou não admissível recurso da parte penal.

VIII - E o arguido não poderá dizer que o alargamento da possibilidade deste recurso agrava o seu estatuto processual, pois mesmo que se aceite que aqui, no domínio da lei processual proprio sensu, não se impõe a regra da aplicação em bloco de um dos regimes sucessivos – e, numa análise muito superficial, parece que não repugnaria aceitar a possibilidade de aplicar a cada um dos segmentos da decisão (o que tratou da questão penal e o que incidiu sobre o pedido civil) diferente versão do CPP, dado tratar-se de questões que a própria lei autonomiza entre si, nos termos do art. 403.º, n.º 2, als. a) e b), do CPP –, a verdade é que não é a sua posição processual que é afectada, porque nenhum direito ou garantia de defesa lhe é tirado por essa via. O muito que poderá acontecer é que, por via do segundo grau de recurso, o arguido veja afectado o seu património. Mas isso nada tem a ver com o seu estatuto processual, tanto mais que teve oportunidade de responder à motivação, como efectivamente respondeu.

IX - Não sendo admissível recurso do segmento do acórdão do Tribunal da Relação que versa sobre a questão penal, não existe espaço processual para o STJ poder exercer os poderes de cognição que lhe são conferidos como tribunal de recurso, em apreciação da decisão recorrida na sua parte cível, quanto à matéria de facto fixada no acórdão e directamente relacionada com a questão penal.

Decisão Texto Integral: Acordam na Secção Criminal do Supremo Tribunal de Justiça 1.

O arguido AA, com os sinais dos autos, foi julgado (com outro) na 2ª Vara Mista do Tribunal Judicial de Guimarães e, a final, foi condenado pela prática, em autoria material e em concurso real, - de dois crimes de peculato, ambos p. e p. pelos arts. 375º, nº 1 e 386º, n º1, alínea c), do CPenal, nas penas de 3 anos e 3 meses de prisão, por um, e de 2 anos e 3 meses de prisão, pelo outro; - de um crime de falsificação, p. e p. pelo artº 256º, nº 1, alínea c), do CPenal, na pena de 6 meses de prisão; - em cúmulo jurídico, nos termos do artº 77.º, do mesmo Código, na pena única de 4 anos e 3 meses de prisão, suspensa por idêntico período, com a condição de o Arguido pagar ao assistente Vitória Sport Clube, no prazo de 1 ano, a quantia de €38.946,22, acrescida de juros legais vencidos e vincendos, desde 21/03/2001, até à data do pagamento, e a quantia de 34.347.909$00 (€171.326,65), acrescida de juros legais vencidos e vincendos, desde 4 de Abril de 1997, até à data do integral pagamento.

Na procedência parcial do pedido cível deduzido pelo Assistente, o Arguido foi ainda condenado a pagar ao demandante a quantia de €38.946,22, acrescida de juros legais vencidos e vincendos, desde 21/03/2001, até à data do pagamento, e a quantia de 34.347.909$00 (€171.326,65), acrescida de juros legais vencidos e vincendos, desde 4 de Abril de 1997, até à data do integral pagamento.

Decidiu ainda o mesmo Tribunal que «o dinheiro apreendido ao arguido, na parte a que se refere o ponto 78º da factualidade dada como assente, constituiu, na parte em que se considerou ter havido uma apropriação ilícita por parte do arguido, proveito de uma actividade criminosa por parte do arguido AA, pelo que o mesmo deve ser restituído ao seu legítimo proprietário, ou seja ao assistente Vitória Sport Clube». Consequentemente determinou que se devolvesse ao “Vitória,” a quantia de €38.946,22, acrescida de juros legais vencidos e vincendos, desde 21/03/2001, até à data da restituição, e a quantia de 34.347.909$00 (€171.326,65), acrescida de juros legais vencidos e vincendos, desde 4 de Abril de 1997, até à data da restituição, com o que se considerou cumprida a condição da suspensão da pena, bem como a obrigação decorrente da condenação no “PIC”.

O Arguido foi ainda absolvido da prática de dois outros crimes de peculato por que ia pronunciado.

Publicado o respectivo acórdão, o Assistente requereu a sua correcção, nos termos do artº 380º, nº 1-b), do CPP, alegando, em síntese, que havia pedido o ressarcimento pelo imposto pago relativo aos pagamentos feitos à off-shore “S...” pela alegada intermediação na transferência do jogador F...M..., no montante de €67.377,71; que o facto foi dado como provado e que, pela conduta relacionada com esse episódio, o Arguido foi condenado pela prática de um crime de falsificação. Por isso, conclui, a «não condenação do arguido … no pagamento ao Vitória Sport Clube da quantia de €67.377,71 apenas se poderá entender como um manifesto lapso, cuja correcção … requer…» (cfr. fls. 6772 e segs.).

Este requerimento foi indeferido pelo despacho de fls. 6781 porque «o valor que o assistente teve de pagar à Administração Fiscal foi resultante do pagamento efectuado à “S...” no âmbito do … negócio da venda do jogador F...M...» e, «quanto a esses factos o arguido foi absolvido [do crime que por aí lhe ia imputado]» – razão por que tinha também de o ser «no que concerne ao PIC». «E foi o que se fez …, pelo que se absolveu o arguido do restante Pedido Civil, que não aquele em que foi condenado».

  1. Desse acórdão interpuseram recurso para o Tribunal da Relação de Guimarães o Arguido – que também interpôs recurso do despacho de fls. 7179 sobre a medida de coacção e do despacho que, apesar da sua oposição, ordenou a inquirição de uma testemunha (fls. 5385) –, o Ministério Público e o Assistente.

    Pelo acórdão de 25 de Fevereiro do corrente ano, fls. 7462 e segs. o Tribunal da Relação de Guimarães decidiu: a) – julgar improcedentes os recursos do Ministério Público e do Assistente «incluindo, deste, o relativo ao pedido de condenação do arguido AA no pagamento de quaisquer quantias»; b) – Quanto aos recursos do Arguido, b1) – julgar improcedente o recurso intercalar sobre a qualidade da audição do interveniente R...F...; b2) – julgar procedente o recurso do despacho de fls. 7179-7180, que indeferiu a pretensão de revogação da medida de coacção, declarando extinta esta medida de coacção, subsistindo apenas o TIR; b3) – julgar procedente o recurso quanto aos crimes de peculato por que ia condenado, dos quais foi absolvido; b4) – julgar parcialmente procedente o recurso quanto ao crime de falsificação, alterando a pena aplicada para pena de multa que fixou em 200 dias, à taxa diária de 20 (vinte) euros; b5) – absolvê-lo do pedido cível em que ia condenado; b6) – ordenar a entrega ao Arguido das quantias apreendidas (ponto 78 dos factos provados).

    O Senhor Procurador-geral Adjunto do Tribunal a quo, recordando o regime de arguição das nulidades da sentença consagrado no nº 2 do artº 379º do CPP – arguição perante o tribunal superior ou perante o próprio tribunal que a proferiu, consoante seja ou não susceptível de recurso – arguiu, «por...

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