Acórdão nº 118/09.4YFLSB de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 01 de Março de 2010

Magistrado ResponsávelSANTOS BERNARDINO
Data da Resolução01 de Março de 2010
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

S Privacidade: 1 Meio Processual: REVISTA Decisão: NEGADA A REVISTA Sumário : 1. A nulidade prevista na al. c) do n.º 1 do art. 668º do CPC verifica-se quando há um vício real no raciocínio do julgador – a fundamentação aponta num sentido, a decisão segue caminho oposto ou, pelo menos, direcção diferente.

  1. Fala-se de secondary meaning quando um sinal, originariamente privado de capacidade distintiva, se converte, por consequência do uso e de mutações semânticas ou simbólicas, num sinal distintivo de produtos ou serviços, reconhecido como tal, no tráfico económico, através do seu significado secundário.

  2. O vocábulo “Caixa”, desacompanhada de outros elementos, tem capacidade distintiva, satisfazendo a função distintiva da marca exigida pelo n.º 1 do art. 222º do CPI (aprovado pelo Dec-lei 36/2003, de 5 de Março).

  3. Além disso, pelo uso intenso e reiterado que lhe tem sido dado, desde há muitos anos, pela Caixa Geral de Depósitos, e tendo em conta que esta é a maior instituição bancária nacional, conhecida pela generalidade da população, que a expressão Caixa é utilizada, pela generalidade das pessoas adultas, referenciada à CGD, que a CGD tem feito investimentos frequentes, sérios e avultados, na publicitação e promoção da sua marca Caixa, e que, na perspectiva da livre concorrência, não existe a necessidade de manter livremente disponível, de modo isolado e com finalidade distintiva, o sinal Caixa, para que todos os concorrentes da CGD no sector bancário o possam utilizar, sempre poderia a CGD também invocar o secondary meaning, o significado secundário, para justificar o reconhecimento do seu direito exclusivo ao uso da marca “Caixa”.

  4. Do direito à marca, enquanto direito exclusivo, oponível erga omnes, que reserva ao seu titular a utilização económica do correspondente sinal, resulta não só que o seu titular se pode opor à sua utilização por terceiros, como também que um terceiro não pode utilizar o sinal que constitua a marca de outrem de modo a lesar o correspondente direito.

  5. Qualquer uso de marca alheia por terceiro para referenciar os seus próprios produtos ou serviços, seja como sinal distintivo dos mesmos, seja a outro título, nomeadamente publicitário, afronta o exclusivo do titular da marca, constituindo acto ilícito. Tal decorre do disposto no art. 258º e, a contrario, do art. 260º, ambos do CPI.

  6. A sanção pecuniária compulsória é um mecanismo coercitivo cujo campo de acção está limitado às obrigações de facere e de non facere cujo cumprimento exige a intervenção insubstituível do devedor, um processo subsidiário aplicável onde a execução específica não tenha lugar. Graças ao constrangimento que ela exerce sobre a vontade do devedor rebelde, o credor pode obter a originária prestação infungível a que tem jus sem ter de cingir-se e resignar-se à execução por equivalente.

  7. O juiz goza de certa liberdade na fixação da sanção compulsória, devendo, em função das circunstâncias do caso concreto, e segundo critérios de razoabilidade, decretar uma sanção compulsória que possa ser eficaz na consecução das finalidades a que aquela se acha votada – levar o devedor a respeitar a injunção judicial e a cumprir a obrigação a que está adstrito.

    Decisão Texto Integral: Acordam no Supremo Tribunal de Justiça: 1.

    AA, S.A.

    intentou, em 25.02.2005, no Tribunal Judicial da comarca da Golegã, contra BB, CRL, acção com processo ordinário, pedindo que a ré fosse condenada a) a abster-se de usar e a cessar o uso da expressão CAIXA DA CHAMUSCA, nomeadamente no exterior ou no interior dos seus estabelecimentos, em publicidade e quaisquer outros documentos ou materiais de carácter comercial e/ou promocional; b) a pagar-lhe, a título de sanção pecuniária compulsória, € 500,00 por cada dia de atraso no cumprimento do pedido anterior, desde a data da citação e até prova de total cumprimento, nos termos do art. 829º-A, n.os 1, 2 e 3 do Cód. Civil; c) a pagar-lhe, a título de responsabilidade civil extracontratual, a indemnização que se liquidar em execução de sentença, acrescida de juros vencidos e vincendos.

    Alegou, para tanto, que a ré utiliza, na fachada do seu estabelecimento, na Chamusca, a expressão CAIXA DA CHAMUSCA, tendo também utilizado a mesma expressão em publicidade num jornal regional, o que constitui uso ilegal de firma ou denominação, viola o direito à marca, traduz concorrência desleal e publicidade enganosa, pois que a autora é a titular do registo da marca nacional n.º 0000000 “CAIXA” e figura, e do registo da marca nacional 0000000 para serviços e negócios bancários, sendo que a utilização daquela expressão, pela ré, induz os consumidores a pensar que os seus estabelecimentos são agência da autora ou estão de alguma forma ligados a esta.

    A ré contestou e deduziu pedido reconvencional, alegando, em síntese, que exerce a sua actividade desde a sua fundação em 1929, e somente nas áreas dos municípios da Chamusca, Constância e Golegã, tendo sido a sua imagem e identidade corporativa, até 2001, a que consta dos documentos 1 e 2 que juntou.

    Tendo decidido, no primeiro semestre de 2001, iniciar estudos com vista à modernização da sua imagem e identidade corporativa, com um novo visual, para o que solicitou a uma empresa da especialidade a apresentação de proposta para o desenvolvimento conceptual do “restyling” da identidade corporativa, passou, a partir do início de 2002, a usar a imagem e identidade corporativa também constante dos documentos 3 a 6 juntos com a contestação, com um símbolo ou logotipo, a expressão “Caixa da Chamusca” e a sua denominação social, encontrando-se o símbolo ou logotipo devidamente registado no INPI.

    E é este conjunto que se acha inscrito na fachada do seu estabelecimento, e foi utilizado no anúncio, sendo que a ré nunca usa a expressão “Caixa da Chamusca” separada do seu logotipo e da sua denominação social.

    Por outro lado, o termo “CAIXA” é uma palavra genérica e de uso corrente, não só no ramo onde a autora e a ré actuam como na linguagem comum e no comércio em geral, pelo que a sua apropriação pela autora viola o disposto na al. d) do art. 223º do Cód. da Propriedade Industrial (CPI). E, por isso, o registo da marca nacional 357.311, contendo somente o elemento nominativo “Caixa”, que não tem eficácia distintiva, é nulo.

    Deve, assim – remata a ré – improceder a acção e julgar-se procedente a reconvenção, declarando-se nulo o registo da marca nacional 357.311.

    Seguiu-se a réplica da autora, defendendo a improcedência da reconvenção, e a tréplica da ré.

    No seguimento da normal tramitação do processo veio a efectuar-se a audiência de julgamento e a ser proferida sentença, que julgou improcedente a acção, absolvendo a ré dos pedidos, e procedente a reconvenção, declarando nulo o registo da marca nacional n.º 000000, de que é titular a Caixa Geral de Depósitos, SA.

    Da sentença interpôs a autora o pertinente recurso de apelação.

    E fê-lo com sucesso, pois a Relação de Évora, em acórdão oportunamente proferido, julgou a apelação parcialmente procedente e, revogando em parte a sentença recorrida, condenou a ré a abster-se de usar e a cessar o uso da expressão CAIXA DA CHAMUSCA, nomeadamente no exterior ou no interior dos seus estabelecimentos, em publicidade e quaisquer outros documentos ou materiais de carácter comercial e/ou promocional, e a pagar à autora, a título de sanção pecuniária compulsória, a quantia de € 500,00 por cada dia de atraso no cumprimento de tal obrigação, confirmando a mesma sentença na parte em que absolveu a ré do pedido indemnizatório.

    Julgou ainda improcedente o pedido reconvencional, absolvendo do mesmo a autora.

    Recorre agora a ré, de revista, para este Supremo Tribunal, rematando a sua alegação de recurso com um alargado leque de conclusões, que assim se pode resumir: 1ª - Contra a matéria de facto apurada, o acórdão recorrido fundamenta a sua decisão em pressupostos de facto que não se encontram provados: que a recorrente utiliza a expressão “Caixa da Chamusca” sem qualquer outro elemento; que o uso desta expressão é susceptível de criar confusão com a empresa, os estabelecimentos e serviços da recorrida, constituindo uma violação do direito exclusivo de marca CAIXA e um acto de concorrência desleal, tal como o define o art. 317º, al. a) do CPI; e que a recorrida usa a expressão CAIXA reiteradamente e com intensidade, sendo identificada por essa expressão pela quase totalidade da população nacional adulta; 2ª - Ao fundamentar a decisão recorrida em factos que não foram dados como provados, antes foram tidos como não provados, o acórdão recorrido é nulo nos termos do art. 668º/1, aplicável ex vi do disposto no art. 716º/1, ambos do CPC; 3ª - O sinal CAIXA, registado a favor da recorrida e constante do Registo Nacional n.º 357.311, é constituído somente pelo sinal nominativo CAIXA, sendo tal registo nulo; 4ª - A marca tem por função primordial distinguir o produto ou serviço a que se aplica, e o sinal escolhido deve ser dotado de eficácia distintiva; 5ª - As marcas desprovidas de qualquer carácter distintivo e as constituídas exclusivamente por sinais ou indicações que se...

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