Acórdão nº 3444/06.0TTLSB.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 01 de Março de 2010
Magistrado Responsável | PINTO HESPANHOL |
Data da Resolução | 01 de Março de 2010 |
Emissor | Supremo Tribunal de Justiça (Portugal) |
S Privacidade: 1 Meio Processual: REVISTA Decisão: NEGADA A REVISTA Sumário : 1. A arguição de nulidade de acórdão do Tribunal da Relação deve ser feita expressa e separadamente no requerimento de interposição do recurso, sob pena de a arguição se considerar extemporânea e dela não se conhecer.
-
Não basta o conhecimento da intenção do empregador de reduzir unilateralmente a retribuição para se iniciar a contagem do prazo de trinta dias para a resolução do contrato, que apenas começa a correr quando o trabalhador tem conhecimento de todos os factos que lhe permitam ajuizar da seriedade e dimensão da lesão dos seus direitos, nomeadamente para poder avaliar se é impossível a manutenção da relação laboral, o que, no caso, só ocorreu quando o empregador não efectivou o pagamento da quantia de € 274,50, concretizando, desta forma, uma diminuição da retribuição violadora de uma das garantias legais do trabalhador.
-
Provando-se que a quantia de € 274,50 fazia parte da retribuição, não assumindo a natureza de um subsídio de isenção de horário de trabalho, o seu não pagamento por parte da ré integra uma efectiva redução culposa da retribuição do autor, ainda que com recurso à presunção de culpa prevista no n.º 1 do artigo 799.º do Código Civil, violando a garantia da irredutibilidade da retribuição, o que constitui justa causa de resolução do contrato, nos termos dos conjugados artigos 122.º, alínea d), e 441.º, n.º 2, alínea b), do Código do Trabalho.
-
A gravidade da conduta da ré é evidente, por se tratar de uma ostensiva violação do direito à irredutibilidade da retribuição, que constitui uma das características essenciais da relação contratual de trabalho.
-
Assim, a conduta da ré foi ilícita, culposa e tornou imediata e praticamente impossível a subsistência da relação de trabalho, em razão da gravidade e consequências da violação culposa do direito do trabalhador à irredutibilidade da retribuição, daí a verificação de justa causa para resolver o contrato de trabalho, nos termos dos artigos 441.º, n.º 4, e 396.º, n.º 2, do Código do Trabalho.
-
Não resultando da matéria de facto provada qualquer factualidade da qual se possa extrair que o autor haja renunciado, expressa ou tacitamente, ao direito de resolver o contrato de trabalho com a ré ou que tenha actuado por forma a criar na ré a convicção de que o não faria, não se vislumbra o abuso do direito invocado.
Decisão Texto Integral: Acordam na Secção Social do Supremo Tribunal de Justiça: I 1.
Em 22 de Setembro de 2006, no Tribunal do Trabalho de Lisboa, AA instaurou a presente acção declarativa, com processo comum, emergente de contrato individual de trabalho contra BB – COMÉRCIO DE CONFECÇÕES, L.da, pedindo que, declarada lícita a resolução do contrato de trabalho, efectuada com justa causa, a ré fosse condenada a pagar-lhe (a) € 3.994,63, a título de créditos laborais vencidos e não pagos, (b) a indemnização de € 23.055,24 e (c) juros de mora, até integral e efectivo pagamento.
Alegou, em suma, que foi admitido pela ré, em 15 de Junho de 1995, como vendedor, auferindo, desde 2002, a quantia mensal de € 1.372,50, mas que a ré, nos recibos de vencimento, apenas fazia constar uma remuneração correspondente a 75% da acordada e efectivamente paga, e os restantes 25% eram declarados nos recibos de vencimento como compensação por isenção de horário de trabalho, sendo que nunca beneficiou de tal isenção; em 31 de Julho de 2006, a ré deixou de pagar-lhe a quantia de € 274,50, relativa àqueles 25% da retribuição, razão pela qual resolveu o contrato de trabalho, por carta de 25 de Agosto de 2006, acrescentando que a ré não lhe pagou a retribuição de Agosto, as férias, subsídio de férias e subsídio de Natal de 2006.
A ré contestou, alegando que o autor exercia as funções de responsável de armazém, cargo de direcção e confiança da gerência, no regime de isenção do horário de trabalho, o qual cessou em Junho de 2006, pelo que deixou de haver lugar ao pagamento do respectivo subsídio; em reconvenção, pediu a condenação do autor no pagamento da indemnização correspondente ao período de aviso prévio em falta.
Realizado julgamento, foi exarada sentença que julgou a acção parcialmente procedente, declarando lícita a resolução do contrato de trabalho, por verificada a existência de justa causa, e condenando a ré a pagar ao autor (i) € 3.644,28, a título de créditos laborais em dívida, acrescidos de juros de mora, desde 29 de Agosto de 2006 até integral pagamento, e (ii) € 15.202,79, a título de indemnização, acrescidos de juros de mora, desde 11 de Setembro de 2007, até integral pagamento.
Quanto à reconvenção, foi a mesma julgada improcedente, «absolvendo-se o autor do pedido reconvencional formulado».
-
Inconformada, a ré apelou para o Tribunal da Relação de Lisboa, o qual decidiu «negar provimento ao recurso e, consequentemente, confirmar integralmente a decisão recorrida», sendo contra esta decisão que a ré agora se insurge, mediante recurso de revista, ao abrigo das conclusões que se passam a transcrever: «1ª O douto Acórdão recorrido não só não dá por verificadas as gravidade e consequências inerentes à justa causa de despedimento — o que já por si “impede” a conclusão pela existência de justa causa — como, face à resposta dada no Processo à matéria de facto e à forma que revestiu, teria mesmo que concluir pela inexistência dessas gravidade e consequências. Realmente, 2ª “Não é crível que, ao ser retirado ao Autor a quantia de € 274,50, num vencimento global mensal de € 1.372,50, este viu-se impossibilitado de fazer face a todos os encargos e despesas certas, ficando em situação económica difícil...Admitimos, até por força das regras da experiência comum, que o Autor deixou de ter a mesma disponibilidade económica que tinha antes, mas daí até ficar impossibilitado de fazer face a todos os encargos e despesas certas vai uma grande distância” — consignou o Mmo Juiz de 1.ª instância na fixação da resposta à matéria de facto.
-
Fê-lo, nas suas próprias palavras, porque optou por uma resposta explicativa e com o objectivo de “...concretizar um determinado facto que venha a revelar-se útil para a decisão da causa”.
-
É pacífico na doutrina e na jurisprudência, que o conceito de justa causa de rescisão de contrato de trabalho por iniciativa do trabalhador se afere nos mesmos termos do da justa causa de despedimento por parte da entidade patronal.
-
O que significa que, para além dos factos objectivos verificados, têm eles que consistir em comportamento do empregador que, pela sua gravidade e consequências, torne imediata e praticamente impossível a manutenção da relação de trabalho.
-
A Mma Juiz que proferiu a sentença de 1.ª instância — que não foi quem presidiu ao julgamento e elaborou a resposta à matéria de facto — nada diz sobre a apreciação do comportamento da Ré e respectiva subsunção ao conceito jurídico de justa causa e não leva em consideração aquela conclusão constante da resposta à matéria de facto.
-
Face à natureza expressamente conferida pelo Mmo Juiz a essa concretização e à processual em que o fez, na elaboração da sentença a Mma Juiz deveria ter por assente que o comportamento da Ré não tem gravidade e consequências exigidas pelo conceito de justa causa e, em conformidade, concluir pela ilicitude da resolução levada a efeito pelo Autor.
-
O Acórdão recorrido, seguindo o mesmo procedimento, cometeu os mesmos erros de apreciação e julgamento.
-
Mesmo que se pondere agora o caso dos autos, a retirada de € 274,50 num vencimento global mensal de € 1.372,50 não tem gravidade nem gerou para o A. consequências que impeçam a subsistência da relação de trabalho.
-
O douto Acórdão recorrido, ao decidir como decidiu, incorreu nos mesmos erros da sentença recorrida e violou, interconjugados, os arts 396.º, n.º 1, e 441.º do Código do Trabalho.
-
Está igualmente provado nos autos que o Autor procedeu à resolução do contrato de trabalho decorridos 58 dias após o conhecimento dos factos em que a fundamentou.
-
Está nos autos provado que, no final de Junho de 2006, aquando do pagamento da retribuição desse mês, a Ré comunicou ao Autor que deixaria de lhe pagar a importância de € 274,50 em Julho seguinte — como o Acórdão recorrido reconhece.
-
Mas não está só isso provado: está também provado — e isso o Acórdão não declara reconhecer — que, quando em 31 de Julho foi receber o salário desse mês, o Autor já sabia que o seu salário passaria a ser apenas de € 1.098,00.
-
É esse conhecimento que constitui o momento a quo a que a lei dá relevância para o prazo de caducidade.
-
Ao não decidir dessa forma, violou o Acórdão recorrido o n.º 1 do art. 442.º do Código do Trabalho.
-
Aliás, tendo-lhe sido comunicado pela R., no final de Junho de 2006, que no final de Julho seguinte deixaria de lhe pagar a parte de € 274,50 da retribuição, o A. nada disse. No final de Agosto, vem a despedir-se invocando justa causa com base nesse facto. Mais, o A. vem mesmo alegar na petição inicial que só no final de Julho, perante o facto consumado, é que soube desse não pagamento.
-
Impunha a mais elementar boa fé ao A. que, se discordava desse não pagamento e respectiva fundamentação, de imediato o dissesse à R. e apresentasse as suas razões.
-
Ao não o fazer, ao deixar correr o tempo sem nada dizer e ao resolver o contrato em sentido contrário à atitude passiva que assumiu, o A. tem uma conduta intencional de “alimentar” uma situação e dela ilegitimamente se vir a aproveitar em benefício próprio.
-
Parafraseando a pág. 17 o douto Acórdão recorrido, mas contrariamente à conclusão do mesmo, com esse procedimento o A. incorre numa “conduta que..., objectivamente interpretada, em face da lei, dos bons costumes e dos princípios de boa fé, legitima a convicção de que esse direito não virá a ser exercido”.
-
Por abuso do direito, é ilegítimo o exercício de um direito quando o seu titular exceda manifestamente os limites impostos pela boa fé (art. 334.º do Cód. Civil).
-
Também por esse...
-
Para continuar a ler
PEÇA SUA AVALIAÇÃO