Acórdão nº 301/07.7TTAVR.C1.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 15 de Dezembro de 2009

Magistrado ResponsávelVASQUES DINIS
Data da Resolução15 de Dezembro de 2009
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

S Privacidade: 1 Meio Processual: REVISTA Decisão: NEGADA REVISTA Sumário : I – A relação jurídica de emprego no ensino superior privado, tendo por objecto o exercício de funções docentes, insere-se em actividade desenvolvida por instituições que «gozam, nos termos da lei, de autonomia estatutária, científica, pedagógica, administrativa e financeira», prosseguindo «a elevação do nível educativo, cultural e científico do país», submetida a «adequada avaliação da qualidade do ensino» (artigo 76.º, n.º 1 e n.º 2, da Constituição da República Portuguesa).

II - Em aspectos fundamentais, o vínculo emergente do contrato de docência no ensino superior afasta-se da relação laboral comum, ao ponto de princípios basilares da relação laboral, como o da segurança e estabilidade no emprego, haverem de ser encarados, na sua concretização regulamentar, numa óptica que não pode deixar de ter presentes os especiais contornos em que se desenvolve a actividade contratada, em ordem à realização das finalidades inseridas no programa que constitui o objecto do contrato, perspectiva essa à qual não pode ser alheio o asseguramento da efectivação, na prática, da autonomia universitária, em particular, no que às vertentes estatutária, científica e pedagógica diz respeito.

III - O exercício de tais funções, em que predomina acentuadamente a autonomia técnica e, pois, uma acentuada margem de liberdade de actuação, pressupondo um alto grau de confiança na obtenção de determinados resultados e implicando a sujeição a determinados requisitos de qualificação, nível de desempenho e qualidade de resultados, em cada um dos patamares que constituem a carreira docente, temporalmente circunscritos, confere ao respectivo contrato, na sua génese e essência, duração limitada.

IV - As normas do regime laboral comum que, visando salvaguardar a garantia de segurança e estabilidade no emprego, consignada no artigo 53.º da Constituição da República Portuguesa, regulam a celebração de contratos por tempo determinado e consignam, para tanto, apertados requisitos de ordem substancial e formal, dirigem-se à generalidade das actividades em que pode existir uma relação laboral, cuja precariedade se mostra justificada por razões conjunturais ou de política de fomento do emprego.

V - Esse regime não se mostra apto a abarcar situações em que o contrato de trabalho, pela natureza da prestação que constitui o seu objecto, não pode, sob pena de inviabilização dos fins que prossegue e de frustração dos interesses que protege, ter duração indeterminada.

VI - O enquadramento legal da actividade a desenvolver pela Universidade Católica Portuguesa, em matéria de contratação do corpo docente, feito pelo Decreto-Lei n.º 128/90, de 17 de Abril, que remete no n.º 2 do seu artigo 5.º para o «regulamento interno, a aprovar pelos seus órgãos competentes, visando satisfazer as exigências de evolução da carreira académica dos docentes», afasta, na matéria em causa, a aplicação àquela instituição do regime aplicável ao ensino superior particular e cooperativo.

VII - No âmbito do direito português, atento o referido princípio de autonomia, não está excluída a possibilidade de o legislador confiar a instituições do ensino superior, qualquer que seja a entidade instituidora, o estabelecimento, em regulamentos internos, que respeitem os limites da Constituição laboral, de regimes especiais de celebração, execução e extinção de contratos de docência.

VIII - As normas dos artigos 34.º, 37.º, n.ºs 1 e 2, e 39.º do Estatuto da Carreira Docente da Universidade Católica Portuguesa, em vigor desde 1 de Outubro de 1990, que constitui o regulamento interno a que se refere o n.º 2 do artigo 5.º do Decreto-Lei n.º 128/90, de 17 de Abril, que conferem ao contrato de docência, ainda que não reduzido a escrito, quando celebrado para o exercício de funções de assistente, a natureza de contrato de duração limitada, sem qualquer possibilidade de conversão em contrato sem termo, e impõem a obrigatoriedade de o contrato para o exercício de funções de professor auxiliar ser inicialmente celebrado por tempo determinado, estipulando, em ambos os casos, os respectivos prazos de duração, desenham um quadro normativo justificado pela natureza das coisas, não suscitando apontamentos de ofensa ao direito à não privação arbitrária do emprego que se procurou e se obteve ou ao direito à possível estabilidade no emprego que se procurou e se obteve, protegidos pelo artigo 53.º da Constituição.

IX - O Supremo Tribunal de Justiça não pode conhecer de questão que, não sendo do conhecimento oficioso, não foi apreciada no tribunal recorrido, situação que se configura se o Tribunal da Relação não se pronunciou, como devia, nos termos do artigo 715.º, n.º 2, do Código de Processo Civil, sobre pretensão cuja apreciação a 1.ª instância considerou prejudicada pela solução dada a outra questão, e a parte interessada não se insurgiu no recurso de revista, ao abrigo do disposto nos artigos 77.º, n.º 1, do Código de Processo do Trabalho, e 668.º, n.º 1, alínea d), do Código de Processo Civil, contra a omissão daquele tribunal superior.

Decisão Texto Integral: Acordam na Secção Social do Supremo Tribunal de Justiça: I 1.

No Tribunal do Trabalho de Aveiro, em acção com processo comum, intentada em 18 de Maio de 2007, AA demandou a Universidade Católica Portuguesa, pedindo: — A condenação da Ré a reconhecer que a Autora se encontrava vinculada por contrato de trabalho por tempo indeterminado; — A condenação da Ré a reconhecer que as importâncias mensalmente processadas e pagas à demandante como deslocações e ajudas de custo, de 1 de Janeiro de 1995 até 30 de Junho de 2003, e como «outros abonos» ou em «talão de vencimento», de 1 de Junho a 31 de Outubro de 2003, bem como a prestação financeira anualmente realizada pela Ré e alegada nos artigos 33, 76 e 77 da petição, integravam a retribuição; — Que seja declarado ilícito o despedimento da Autora e a Ré condenada a reintegrá-la no seu posto de trabalho — ou a pagar-lhe, se assim vier a optar, a indemnização de antiguidade — e a pagar-lhe as retribuições vencidas, desde o despedimento até ao trânsito em julgado da sentença, bem como uma indemnização por danos não patrimoniais.

— A condenação da Ré no pagamento de sanção pecuniária compulsória de € 1.500,00 por cada dia de atraso na reintegração.

Para a hipótese de se considerar que a Autora esteve validamente vinculada por contrato a termo, — A condenação da Ré no pagamento da quantia de € 28.716,80, a título de compensação devida pela caducidade do contrato de trabalho.

E, finalmente, — A condenação da Ré a pagar-lhe a quantia de € 16.336,93, a título de diferenças de retribuição base, férias, subsídio de férias e subsídio de Natal e contribuições para um PPR.

Em síntese, muito breve, aduziu, além de factos tendentes a fundamentar o pedido de diferenças salariais, que: — Sendo titular de equivalência ao grau de Mestrado em Engenharia de Materiais, conferida pela Faculdade de Ciências e Tecnologia da Universidade de Coimbra, foi admitida, em Fevereiro de 1994, mediante contrato de trabalho não reduzido a escrito, ao serviço da Ré para exercer, como assistente, funções docentes: — Em Março de 2001, obteve o Doutoramento em Engenharia Mecânica e em Maio de 2001 foi classificada pela Ré como professora auxiliar; — Por carta de 8 de Fevereiro de 2006, a Ré comunicou-lhe a denúncia do “Contrato Especial de Trabalho Docente”, que referiu como tendo sido celebrado em 28 de Maio de 2001, o qual, segundo a carta, se extinguiria em 27 de Maio de 2006; — De facto, a Ré elaborou um contrato que designou daquele modo, para vigorar no período de 28 de Maio de 2001 a 28 de Maio de 2006, que remeteu para o domicílio da Autora, mas que esta nunca assinou, por discordar do seu teor; — Pese embora o seu estatuto especial, a Ré está sujeita ao regime juslaboral, designadamente quanto à exigência da redução a escrito do contrato de trabalho a termo, pelo que o contrato que vigorou entre as partes deve considerar-se sem termo e a comunicação de 8 de Fevereiro de 2006 configura um despedimento ilícito, que a deixou abalada, nervosa e insegura, o que, estando a Autora grávida, gerou o risco de um parto prematuro, e que lhe causou frustrações pessoais e profissionais, tristeza e insegurança; — Ainda que se entenda que a Autora esteve validamente vinculada à Ré, desde Fevereiro de 1994 até 27 de Maio de 2006 por um contrato de trabalho a termo e que caducou com a referida comunicação, haverá lugar a uma compensação pecuniária, nos termos do artigo 388.º, n.º 2 do Código do Trabalho.

Na contestação, a Ré aduziu argumentos de facto e de direito para concluir pela improcedência da acção.

Saneada e instruída a causa, veio a ser proferida sentença que, julgando a acção parcialmente procedente, decidiu, entre o mais, — Condenar a Ré «a reconhecer que o contrato de trabalho [...] que vigorou entre as partes tinha a natureza de contrato de trabalho por tempo indeterminado» [alínea a) do dispositivo]; — Condenar a Ré «a reconhecer que a retribuição mensal processada como deslocações ou ajudas de custo, entre Fevereiro de 1995 e Junho 2003, e como “outros abonos” e “talões de vencimento”, desde essa data até 31 de Outubro de 2003, fazem parte integrante da retribuição da Autora», com a consequente condenação da Ré no pagamento das diferenças nas prestações atinentes a retribuições de férias, subsídios de férias e subsídios de Natal, respectivos [alíneas b) e e) a g) do dispositivo]; — Declarar «ilícito o despedimento da Autora levado a cabo pela Ré», com as respectivas consequências (condenação no pagamento de indemnização substitutiva da reintegração, de indemnização por danos não patrimoniais e dos salários de tramitação) - [alínea d) do dispositivo] .

  1. Apelou a Ré, a pugnar pela revogação da sentença, sustentando, como fizera na contestação, que a relação laboral que vigorou entre as partes emergiu da celebração de um primeiro contrato com a duração...

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