Acórdão nº 2250/06.7TVPRT:S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 15 de Dezembro de 2009

Magistrado ResponsávelLOPES DO REGO
Data da Resolução15 de Dezembro de 2009
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

S Privacidade: 1 Meio Processual: REVISTA Decisão: NEGADA A REVISTA Sumário : 1. Constitui matéria de direito, susceptível de conhecimento oficioso pelo Tribunal, a que respeita à qualificação jurídica do contrato invocado pelas partes como fundamento da pretensão deduzida, não estando o STJ ,ao julgar a revista ,vinculado pela qualificação jurídica sustentada pelas partes e adoptada pelas instâncias ,em precedentes decisões objecto de recurso.

2..Os traços fundamentais e estruturantes da figura da cessão de créditos definida pelo art. 577º do CC, são: - a celebração de um acordo entre o credor e um terceiro, inserido num negócio - tipo que lhe serve de fonte ou causa (art. 578º do CC); …-consubstanciado num facto transmissivo da relação creditória , originando a substituição do credor originário pela pessoa do cessionário, mantendo-se inalterados os restantes elementos da relação obrigacional -que, nos seus elementos objectivos , permanece imutável; -a transmissibilidade do crédito a que o negócio de cessão se reporta.

2.Não pode qualificar-se como envolvendo uma cessão dos créditos ao reembolso de IVA o acordo, celebrado entre um banco e a empresa que seria titular de tais reembolsos, segundo o qual a disponibilização do crédito de que podia beneficiar a empresa ,no âmbito de contrato de abertura de crédito sob a forma de conta-corrente, dependia da documentação de tais pedidos de reembolso - apresentados à Administração Fiscal pela própria empresa, vinculando-se esta , no confronto do banco, a um «dever acessório» de dar ao devedor/ Administração Fiscal instruções tendentes a que todos os reembolsos de IVA viessem a ser creditados na respectiva conta de depósito à ordem, aí identificada, mantendo tal instrução sem alterações durante o período de vigência do contrato – e outorgando ao Banco autorização para retirar de tal conta as importâncias necessárias à liquidação da dívida ficando, deste modo ,os valores de reembolsos de IVA, ali depositados, especialmente afectos ao pagamento dos adiantamentos do crédito concedido.

3. Na verdade, inexiste em tal esquema contratual qualquer mecanismo de «transmissão»da relação creditória de reembolsos do IVA da empresa , entretanto declarada insolvente, para o Banco que permita configurá-lo como cessão de créditos, em qualquer das suas modalidades: tais créditos permaneceram sempre na titularidade jurídica do contribuinte ,na esfera jurídica deste, sendo a este satisfeitos pela Administração Fiscal, - e incidindo o direito outorgado ao Banco credor exclusivamente sobre o montante pecuniário já depositado na conta bancária de que é titular a empresa – e efectivando-se, portanto, apenas num momento em que o crédito aos reembolsos de IVA já se mostrava inelutavelmente extinto pelo pagamento.

4.Encontrando-se, no momento do decretamento da insolvência, os créditos de reembolso em questão na esfera jurídica da empresa, não é oponível à massa falida o acordo que legitimava o banco credor a pagar-se preferencialmente pelo produto dos depósitos efectuados em determinada conta bancária , pertencente à sociedade insolvente.

Decisão Texto Integral: Acordam no Supremo Tribunal de Justiça: 1.A massa insolvente da AA – Indústria de Confecções, Lda, SA, representada pelo administrador da insolvência, instaurou acção condenatória, com processo ordinário, contra o Banco Comercial Português, pedindo a respectiva condenação a restituir-lhe a quantia de €535.824,43 e respectivos juros, invocando que, já depois da declaração de insolvência, o Banco R. integrou no seu património tal montante, proveniente de reembolsos de IVA, depositados pela Administração Fiscal em conta à ordem de que era titular a sociedade falida, num momento em que, por via do decretamento da insolvência, tal transferência patrimonial já estaria vedada ao R.

O Banco contestou, reconhecendo que integrou parte do valor peticionado no seu património - a quantia de €390.970,31 – defendendo-se, porém, com a invocação de que o levantamento , em seu benefício, da referida quantia pecuniária teve lugar no âmbito de um contrato de abertura de crédito sob a forma de conta corrente que havia celebrado anteriormente com a AA, mediante o qual disponibilizava a esta sociedade fundos até determinado montante, cedendo-lhe esta, como contrapartida, os créditos de reembolso de IVA a que tivesse direito – os quais, à data da insolvência, já não fariam parte da esfera jurídica da dita sociedade.

Foi apresentada réplica em que a A. respondeu à matéria da excepção peremptória deduzida pelo R. na contestação, tendo ficado assente, na sequência da dirimição pela Relação do recurso de agravo, quer a qualificação de tal articulado, quer a sua admissibilidade.

Saneado o processo, realizada a audiência final - no decurso da qual o pedido foi reduzido para a quantia de €390.935,53 - e apresentadas alegações pelas partes, foi proferida sentença a julgar a acção procedente, condenando o R. a restituir à A. a quantia de €390.934,53 e respectivos juros de mora.

Inconformado, o Banco R. apelou, tendo a Relação do Porto julgado a apelação improcedente, começando por assentar na seguinte matéria de facto: III. Factos provados: Vêm dados como provados os seguintes factos, que as partes não põem em Causa (consigna-se que em obediência ao disposto no n° 4 do art. 646° do CPC consideraremos não escritas as expressões que traduzam meros conceitos jurídicos ou sejam simplesmente conclusivas, as quais irão assinaladas noutro tipo de letra e entre parêntesis nas respectivas alíneas): 1 - A autora foi declarada insolvente por sentença de 20/04/2006, decretada nos autos n° 236/06.0TYVNG do 2º Juízo do Tribunal de Comércio de Vila Nova de Gaia, conforme decisão junta por cópia afls. 95 e segs..

1-A - A autora, nas contas com a Direcção-Geral dos Impostos, tinha indicado a sua conta bancária à ordem n° 000000000 no Banco réu, para transferência dos valores de IVA a reembolsar.

2 - No dia 11 de Maio de 2006, foram creditados naquela conta, por transferência de reembolsos de IVA feitos pela Direcção-Geral das Contribuições e Impostos, os valores de € 172.755,55, € 180.377,98 e € 182.690,90 €, num total de € 535.824,43.

3 - Assim que o Administrador da Insolvência teve conhecimento daquelas transferências, escreveu ao (Banco) réu a carta de 2006/05/12, comunicando-lhe que as verbas transferidas a título de reembolso de IVA não poderiam ser movimentadas e solicitando o bloqueio da conta à ordem 31 741020.

4 - A carta do administrador de insolvência, o (Banco) réu respondeu em 2006/06/05 pela carta junta a fls. 7 (cujo teor, na parte que interessa, é o seguinte: "(...) Em 11/05/2006, quando foi recebido um reembolso de IVA e o Banco afectou-o à liquidação/pagamento do saldo em dívida da conta-corrente em apreço, não se operou qualquer compensação de créditos. Com efeito, em Janeiro de 2004, a epigrafada com o acordo do BCP cedeu a este, nos termos do art. 840° do Código Civil, os créditos que ela fosse ou viesse a ser titular do Estado - reembolso de IVA - com vista a extinguir responsabilidades emergentes da CCC supra identificada. Assim, é manifesto que em 11/05/2006 o BCP limitou-se a fazer seu um crédito que lhe havia sido cedido muito antes da declaração de insolvência (...)").

5 - O Banco réu fez seus (parte d)os montantes transferidos pela Administração Fiscal emergentes dos reembolsos de IVA, e afectou-os à liquidação/pagamento integral do contrato (de abertura de crédito sob a forma de conta corrente) com o n° 000000000000.

6 - Entre o Banco réu e a AA- Indústria de Confecções, S.A. foi celebrado, em 28/01/2004, um contrato (de abertura de crédito sob a forma de conta corrente) até ao montante de € 450.000,00, destinado ao financiamento de necessidades pontuais de tesouraria, ao qual chamaram "facilidade de Crédito, sob a forma de Conta Corrente".

7 - Ficou convencionado (nesse contrato) que o empréstimo funcionaria através de uma conta aberta em nome da referida sociedade, com o n° 000000000 e que o respectivo extracto seria documento bastante para a prova da divida e da sua movimentação.

8 - O referido contrato permitia à AA - Indústria de Confecções, S.A. efectuar movimentos a débito até ao referido limite máximo de € 450.000,00.

9 - Mais foi estipulado que o empréstimo seria válido pelo prazo de 182 dias (e não 482 dias, como, por manifesto lapso, se exarou na sentença recorrida, certamente decorrente da pouca legibilidade, neste ponto, do documento junto a fis. 60 e segs.) desde a data do contrato, vencendo-se o mesmo em 28/07/2004.

10 - Posteriormente, o prazo daquele contrato foi alterado por aditamento celebrado entre o Banco e a AA- Indústria de Confecções, S.A., passando o mesmo a ter vencimento em 30/11/2005.

11 - Estava acordado que os movimentos a crédito na contende depósitos à ordem do cliente associada ao (referido) contrato (de abertura de crédito em conta corrente) seriam efectuados contra a apresentação pela AA- Indústria de Confecções, S.A. ao Banco dos documentos comprovativos dos pedidos de reembolso de IVA.

12 - Ou seja, mediante a exibição de determinados documentos, o Banco disponibilizava fundos até uma determinada percentagem (normalmente até 90%) dos montantes (ou melhor, dos créditos) que a AA- Indústria de Confecções, S.A. viria a receber do Fisco por força dos reembolsos de IVA.

13 - Como contrapartida, uma vez efectuados os reembolsos pela Administração Fiscal, os mesmos eram obrigatoriamente creditados na. conta de depósitos à ordem n° 0000000000, da titu\aridade..da AA- Indústria de Confecções, S.A. e afectos ao pagamento (total ou parcial) do saldo credor a favor do Banco da CCC n° 00000000.

14 - Deste modo, aquele contrato (de abertura de crédito em conta corrente) permitia à AA- Indústria de Confecções, S.A. obter antecipadamente do Banco, desde logo, e com as inerentes vantagens para aquela, os montantes que, em cada momento, era credora do Fisco e cujo pagamento iria ocorrer muito mais tarde (mais de seis...

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