Acórdão nº 129/04.6TTMR.C1.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 15 de Dezembro de 2009

Magistrado ResponsávelSOUSA PEIXOTO
Data da Resolução15 de Dezembro de 2009
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

S Privacidade: 1 Meio Processual: REVISTA Decisão: NEGADA A REVISTA Sumário : 1. A mera inobservância das regras de segurança no trabalho por parte do empregador não é suficiente para concluir que o acidente resultou do incumprimento das referidas regras.

2. Também é indispensável provar-se (ónus que recai sobre o sinistrado e/ou sobre a seguradora) que a violação das ditas regras foi causal do acidente.

3. Deste modo, a simples inexistência da placa metálica de protecção das rodas dentadas do “alimentador”, constituindo embora uma violação do disposto no art.º 18.º do Decreto-Lei n.º 82/99, de 16 de Março, não é suficiente para concluir que o acidente que se traduziu em a sinistrada ter sido apanhada pelas rodas dentadas daquele equipamento, resultou da violação do disposto na referida norma, se não for conhecido o circunstancialismo que em concreto levou a que tal sucedesse e se a eventualidade de tal acontecer existisse, mesmo que o alimentador estivesse equipado com a placa de protecção, uma vez que esta tinha uma abertura de cerca de 10/15 cm que era indispensável para que o “alimentador” realizasse a sua função.

4. Não sendo o CCT directamente aplicável à relação laboral, por não estar provada a inscrição da entidade empregadora e do sinistrado nas associações signatárias do mesmo, a retribuição prevista nas tabelas salariais daquele instrumento de regulamentação colectiva para a categoria profissional do sinistrado não é de levar em consideração no cálculo das prestações que a este são devidas, apesar da aplicação daquelas tabelas retroagir a uma data anterior ao acidente, se a Portaria que aprovou o regulamento de alargamento de âmbito do CCT só entrou em vigor em data posterior à do acidente e se a mesma não prevê a aplicação retroactiva das tabelas salariais estabelecidas no CCT.

Decisão Texto Integral: Acordam na Secção Social do Supremo Tribunal de Justiça: 1. Na presente acção emergente de acidente de trabalho, proposta no tribunal do Trabalho de Tomar, a autora/sinistrada (1) pediu que a ré (2)– Madeiras ....., L.da, sua entidade empregadora, fosse condenada, como principal responsável, pela reparação do acidente de trabalho de que foi vítima no dia 23 de Janeiro de 2004, a pagar-lhe: i) a pensão anual e vitalícia de € 4.129,77, a partir do dia imediato ao da alta clínica; ii) a prestação suplementar mensal de € 5.642,00, por carecer da assistência constante de terceira pessoa; iii) o subsídio de elevada incapacidade no valor de € 4.387,20; iv) a quantia de € 7.148,43, a título de indemnizações por incapacidade temporária absoluta, em dívida; v) € 74,82 de despesas de transporte; vi) € 100.000,00 de indemnização, a título de danos não patrimoniais; vii) os juros de mora sobre as quantias peticionadas. E mais pediu que a ré .............– Companhia de Seguros, S. A.

, fosse subsidiariamente condenada a pagar-lhe as prestações decorrentes da lei e do contrato de seguro, acrescidas dos respectivos juros de mora.

E, fundamentando o seu pedido, a autora alegou, em resumo, o seguinte: - no dia 23 de Janeiro de 2004, pelas 9h20, sofreu um acidente, quando se encontrava a trabalhar para a ré ........, desempenhando funções que, de acordo com o CCT publicado no BTE n.º 29, de 8.8.2004, correspondiam à categoria de serradora de serra de fita de 2.ª; - o acidente consistiu em ela ter sido colhida, no seu braço direito, pelo alimentador da serra de fita, onde se encontrava a trabalhar, tendo tal sucedido pelo facto do alimentador não dispor de qualquer dispositivo de segurança e protecção; - a serra de fita, onde o acidente ocorreu, já existia nas instalações da “BB” há mais de 15 anos, o que significa que já existia na data em que o Decreto-Lei n.º 82/99, de 16 de Março, transpôs para a ordem jurídica interna a directiva n.º 89/655/CEE, do Conselho de 30 de Novembro de 1999, alterada pela Directiva n.º 95/63/CE, relativa às prescrições mínimas de segurança e de saúde para a utilização pelos trabalhadores de equipamento de trabalho, pelo que a mesma deveria satisfazer, nos termos do n.º 2 do art.º 5.º do referido diploma, os requisitos mínimos de segurança até 8 de Dezembro de 2002; - a máquina em causa omitia a marcação “CE”, devendo a entidade empregadora ter requerido a um organismo reconhecido para o efeito um pedido de exame “CE”, o que não fez; - verifica-se, assim, a violação, por parte da entidade empregadora, do art.º 5.º, conjugado com os artigos 10.º e 18.º, do D.L. n.º 82/99 e do art.º 5.º, n.º 4, do DL n.º 320/2001, de 12 de Dezembro; - acresce que a autora nunca recebeu formação acerca do modo de utilização da serra de fita e do respectivo alimentador e das medidas de prevenção a adoptar em relação aos mesmos; - a ré “BB” tinha a sua responsabilidade transferida para a ré seguradora pela retribuição anual de € 6.072,98 (€ 365,60x14+86,78x11); - foi admitida ao serviço da “BB” em 6 de Novembro de 1995, como operária indiferenciada, mas cerca de um ano depois passou a executar tarefas na serra de fita, pelo que de acordo com o CCT publicado no BTE n.º 29, de 8/8/2004, passou a desempenhar as funções correspondentes à categoria de serradora de fita, serradora de 2.ª; - nos termos do CCT referido, tinha direito a receber, à data do acidente, o salário de € 388,80 x 14, acrescido de € 86,78 x 11, assim perfazendo o montante anual de € 6.397,78; - em consequência do acidente, ficou sem o braço direito e o seu contrato de trabalho cessou; - passou a necessitar da ajuda constante de terceira pessoa, para a realização das lides domésticas, para lhe cuidar dos dois filhos menores e até para a ajudar a vestir-se; - sofreu e continua a sofrer de imensas dores; - sente-se feia, quando se olha ao espelho, e a ausência do braço direito é apontada na rua, sentindo-se consternada a envergonhada por isso; - após o acidente passou a andar nervosa, ansiosa e deprimida e a necessitar de acompanhamento psiquiátrico.

A ré seguradora contestou alegando que o acidente ocorreu por violação das regras de segurança no trabalho por parte da empregadora.

Por sua vez, a ré entidade empregadora alegou que o alimentador dispunha de protecção; que o acidente se ficou a dever a manifesta negligência da sinistrada; que a sinistrada exercia funções de operária indiferenciada e que só esporadicamente executava operações com a serra de fita; que a autora auferia a retribuição mensal de € 365,00 x 14, acrescida de 86,78 x 11 meses a título de subsídio de refeição e que esta era a retribuição correspondente à sua condição de trabalhadora indiferenciada.

Saneada, condensada e instruída a causa, procedeu-se a julgamento, com gravação da prova, e, dadas as respostas aos quesitos, foi proferida sentença absolvendo a ré “BB e condenando a ré seguradora a proceder à substituição e reparação das próteses sempre que necessário e a pagar à autora: i) a pensão anual e vitalícia de € 3.920,11, a partir de 3 de Maio de 2005, actualizada para € 4.010,27, a partir de 1.12.2005, para € 4.134,59, a partir de 1.12.2006 e para € 4.233,82, a partir de 1.1.2008; ii) a quantia de € 4.387,20, a título de subsídio por elevada incapacidade; iii) a quantia de € 4.335,31, a título de diferenças na indemnização por incapacidade temporária; iv) € 74,82, a título de despesas com transportes; v) uma prestação mensal (14 vezes por ano) correspondente a 50% da remuneração mínima garantida vigente em cada ano para os trabalhadores do serviço doméstico; vi) os juros de mora referentes a todas as prestações pecuniárias em dívida.

Para absolver a ré entidade empregadora, a M.ma Juíza entendeu que, “embora se configure a existência de violação das regras de segurança por banda da entidade patronal, não se mostra preenchido o nexo de causalidade adequada entre a violação de tais regras e a ocorrência do sinistro”.

Da sentença, apelaram a seguradora e a autora: - a primeira por considerar que houve nexo de causalidade entre a violação das regras de segurança no trabalho e o acidente; - a segunda pela mesma razão e, ainda, por entender que a retribuição a levar em conta no cálculo da pensão devia ser não a que efectivamente recebia, mas sim a que nos termos do CCT aplicável devia auferir como serradora de 2.ª.

Fizeram-no, todavia, sem sucesso, uma vez que o Tribunal da Relação de Coimbra manteve a decisão recorrida, por entender que não estava provado o nexo de causalidade entre a violação das normas de segurança por parte da ré empregadora e o acidente e por ter considerado que não havia elementos de facto que permitissem concluir pela aplicação, ao caso, do CCT invocado pela autora.

Mantendo o seu inconformismo, a autora e a ré companhia de seguros interpuseram recurso de revista, concluindo as respectivas alegações da seguinte forma: Autora: 1. A A., no dia 23/01/2004, cerca das 9H20 m, foi vítima de um acidente de trabalho, nas instalações da R. .....l, Lda., sitas em ....., Ourém; 2. O acidente ocorreu quando a sinistrada trabalhava como serradora de serra de fita (serradora de 2ª) - por conta, sob direcção e fiscalização da 1ª R. BB, Lda.; 3. A A. tinha sido admitida ao serviço da .....l, Lda., em 06 de Novembro de 1995, como operária indiferenciada e, à data do acidente, estava classificada como serradora de serra de fita de 2ª, mas auferia apenas o salário mensal de 365,60 €, correspondente a operária indiferenciada; 4. Foi este salário de 365,60 € que serviu de base à transferência de responsabilidade para a R. seguradora; 5. O acidente ocorreu quando a roda dentada do alimentador agarrou a manga da bata que a A. envergava e o seu braço direito foi enrolado e arrastado pelos dentes da roda alimentadora da serra; 6. Na altura do acidente, o alimentador causador do acidente, não dispunha de qualquer dispositivo de protecção que protegesse a respectiva operadora (a A.); 7) Foi esta falta de protecção determinante na ocorrência do acidente; 8) Se a referida protecção existisse, o acidente nunca poderia ter ocorrido nas circunstâncias concretas e...

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