Acórdão nº 08S3700 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 15 de Dezembro de 2009

Magistrado ResponsávelMÁRIO PEREIRA
Data da Resolução15 de Dezembro de 2009
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

S Privacidade: 1 Meio Processual: REVISTA Decisão: NEGADA A REVISTA Legislação Nacional: ARTºS 77.º, Nº 1 DO CPT E 716.º DO CPC; ARTº 396º, Nº 1, DO CT E ART.º 12º Nº 4 DA LCCT; ARTº 342º, N.º 2 DO CC; ART.º 396º Nº 1 E 3º ALÍNEA

  1. E G) DO CT DE 2003; ART.º 334º C.C.

    Sumário : I - A arguição de nulidades dos acórdãos da Relação deve ser feita, de forma expressa e separada, no requerimento de interposição do recurso que é dirigido ao tribunal recorrido, como resulta das disposições conjugadas dos art.ºs 77.º, nº 1 do CPT e 716.º do CPC, sob pena de extemporaneidade da arguição.

    II - A noção de justa causa de despedimento exige a verificação cumulativa de dois requisitos: a existência de comportamento ilícito e culposo do trabalhador, violador de deveres de conduta ou de valores inerentes à disciplina laboral, grave em si mesmo e nas suas consequências; que o aludido comportamento torne imediata e praticamente impossível a subsistência da relação laboral.

    III - Os factos integradores da justa causa são constitutivos do direito do empregador ao despedimento ou, na perspectiva processual da acção de impugnação, impeditivos do direito à reintegração ou ao direito indemnizatório que o trabalhador nela acciona, com base numa alegada ilicitude do despedimento, e, como tal, a provar pelo empregador.

    IV- Constitui justa causa de despedimento o comportamento da trabalhadora consubstanciado na ausência ao serviço durante catorze dias e meio, sem que tais ausências hajam sido tempestivamente comunicadas ou tenham merecido a autorização ou a aprovação do empregador.

    V - Constitui, igualmente, justa causa de despedimento o comportamento da trabalhadora consubstanciado na persistente prática de um horário de trabalho que expressamente lhe havia sido indeferido pela entidade empregadora.

    VI - Não age em abuso do direito a entidade empregadora que, embora tenha autorizado, durante três anos lectivos sucessivos, a trabalhadora a observar um horário de trabalho especial, decorrente da actividade de docência, e lhe tenha concedido, em duas ocasiões, licenças sem vencimento, lhe recusa, no ano lectivo 2003/2004, a observância de um horário de trabalho especial, uma vez que sempre se reservou a faculdade de apreciar os pedidos anuais de autorização para o exercício da docência, bem como os pedidos de alteração de horário decorrentes daqueles.

    Decisão Texto Integral: Acordam na Secção Social do Supremo Tribunal de Justiça: I – A autora AA instaurou a presente acção emergente de contrato de trabalho, com processo comum, contra o réu BB, alegando, em resumo e com interesse: Trabalhou por conta, ao serviço e sob a direcção do Réu desde Junho de 1987.

    Ultimamente tinha a categoria profissional de “Técnica Adjunta Estatística” e auferia a retribuição mensal de € 1.077,00 à qual acresciam diuturnidades no montante mensal de € 85,50 e o subsídio de alimentação no montante diário de € 5,00.

    Em 16/7/2004, foi notificada da Nota de Culpa junta sob doc. n.º 3, à qual respondeu em 6/8/2004, e em 31/8/2004 foi notificada da decisão tomada pelo Réu e que se consubstanciava no seu despedimento com invocação de justa causa, com efeitos a partir daquela data.

    Tal despedimento é ilícito na medida em que devem ser considerados improcedentes os motivos justificativos invocados para esse efeito.

    Concluiu pedindo que a acção seja julgada procedente, que seja considerado ilícito o despedimento da Autora e o Réu condenado a pagar-lhe: a) todas as retribuições que se venham a vencer a contar desde o despedimento até à sentença que decrete a ilicitude; b) a. indemnização legal por antiguidade ou a reintegrá-la, conforme vier a optar; c) juros de mora à taxa legal.

    O R. contestou, alegando, em síntese e com interesse, que a A. só foi abrangida por um contrato de trabalho subordinado a partir de 24/11/1992. Inicialmente foi contratada como tarefeira ao abrigo de um contrato de prestadora de serviços.

    A A. confessou em várias passagens da sua petição poder desobedecer à entidade patronal e incorrer em reiteradas faltas de natureza injustificada, de forma a cumprir outras alegadas obrigações contratuais impositivas de assiduidade, a que estaria adstrita numa outra entidade que entendeu privilegiar.

    A A. sabia que, para poder praticar em cada ano um regime de horário excepcional, tinha de solicitar anualmente a prévia e expressa aprovação escrita à Direcção do RR.

    Não obstante saber que as aprovações ou indeferimentos eram anuais e só por período anual podiam ser consideradas, a A. decidiu incorrer em desobediência frontal, pondo em causa a autoridade e poder da direcção e gestão da sua entidade patronal.

    O R. concedeu à A. um prazo razoável de mais de um mês, contado após o indeferimento do solicitado horário privilegiado, para que retomasse o horário normal, bloco fixo, da generalidade dos seus colegas.

    A A. confessou ter-se ausentado do seu posto de trabalho nos dias referidos no art. 9º da petição, os quais correspondem a 14,5 dias, os quais foram considerados como faltas injustificadas, imputadas pela nota de culpa e, posteriormente, na decisão de despedimento.

    As faltas injustificadas ao trabalho constituem, objectivamente e para além de um certo número fixado na lei, justa causa para o despedimento do trabalhador, sem tão pouco haver necessidade de invocação ou prova da existência objectiva de danos ou prejuízos delas decorrentes.

    A A. tinha perfeita consciência de que não havia qualquer autorização plurianual para a prática de um horário diversificado, designadamente para o alegado fim de exercício de funções docentes paralelas e em pluriemprego.

    Ao agir assim, fê-lo a seu belo prazer, violando, deliberada e indisciplinadamente o horário fixo que lhe havia sido claramente definido, incorrendo em desobediência consciente ao regime de horário que lhe cabia ter voltado a cumprir a partir de 1 de Fevereiro.

    Antes de lhe ser instaurado processo disciplinar, o R., por várias vezes, advertiu a A. da sua desobediência e que se continuasse a incorrer no aludido procedimento e, porque as faltas lhe não seriam toleradas a qualquer título, incorreria em ilícito disciplinar com todas as inerentes consequências.

    O despedimento da A., levado a efeito através de processo disciplinar regularmente desenvolvido, é totalmente lícito e inquestionável.

    Concluiu o R pela sua absolvição do pedido.

    Após julgamento, foi proferida sentença que julgou a acção totalmente improcedente e absolveu o R. de todos os pedidos.

    Dela apelou a A., tendo o Tribunal da Relação de Lisboa, por seu douto acórdão, confirmado a sentença.

    II – Novamente inconformada, a A. interpôs a presente revista, em que formulou as seguintes conclusões: 1.- Entende a Recorrente que a sua iniciativa de recurso deveria ter merecido uma análise mais cuidada e a fundamentação apresentada uma decomposição crítica.

    1. - O douto acórdão recorrido omite simplesmente essa análise da motivação de recurso da Recorrente, incorrendo dessa forma na nulidade prevista na alínea d) do n.° 1 do artigo 668.° do CPC.

    2. - A Recorrente expôs pormenorizadamente o seu entendimento e os fundamentos dos dois motivos que invocou para discordar da sentença recorrida.

    3. - Quanto ao primeiro motivo, transpôs essa motivação para as suas Conclusões, fazendo-o sob os n°s 1 a 10 das mencionadas Conclusões.

    4. - Todavia, o acórdão em crise omitiu pronunciar-se sobre essa matéria, dando assim corpo à nulidade já invocada – omissão de pronúncia, que se invoca para todos os efeitos legais.

    5. - Em idêntico vício incorre o acórdão recorrido quanto na "apreciação" que faz do segundo dos motivos do recurso de apelação da Recorrente.

    6. - A Recorrente que longamente expôs a motivação da sua discordância relativa aos fundamentos em que o Tribunal de Ia instância assentou a decisão de confirmar a justa causa de despedimento – fazendo-o pormenorizadamente em mais de 10 páginas, condensadas nas Conclusões constantes dos n°s 11 a 35 – viu análise crítica dos seus argumentos e decomposição dos mesmos reduzidos ao seguinte: " ... a sentença recorrida apreciou de um modo acertado, bastante bem estruturado e fundamentado quer em termos de facto quer em termos de direito, razão pela qual se torna perfeitamente despicienda qualquer outra consideração que aqui pudéssemos fazer a respeito da mesma, pois a assim suceder, seguramente não passaria de uma mera redundância." 8.- Simultaneamente, o douto acórdão recorrido ensaia uma espécie de adesão à fundamentação, invocando para o efeito o disposto no art. 713°, n.° 5 do CPC, que, no entanto, se entende nem sequer ser aplicável ao caso dos autos, e, mesmo que o fosse, não vir respeitado no exercício de fundamentação constante do acórdão recorrido.

    7. - É que, nos termos do disposto no n.° 2 do art. 713° do CPC, o tribunal de recurso não pode deixar de se pronunciar criticamente sobre a motivação da Recorrente, sendo que é nisso que consistirão os fundamentos da sua decisão.

    8. - E, aplicando-se-lhe o disposto no art. 659° do CPC, teria de ter tomado posição sobre as questões colocadas pela Recorrente "QUE AO TRIBUNAL CUMPRE SOLUCIONAR" (sublinhado e destaque nosso).

    9. - No caso em apreço não são necessárias mais quaisquer considerações para se verificar que o acórdão recorrido não respeitou as prescrições de fundamentação e análise a que legalmente estava obrigado este tribunal de recurso.

    10. - Caso por absurdo não se entenda procedente a nulidade invocada, na esperança de que se faça justiça ou de que, pelo menos, os seus argumentos de discórdia sejam objecto de uma apreciação judicial, permit[e]-se a Recorrente invocá-los de novo e na íntegra retomando a remissão para a sentença recorrida, que em face do procedimento do Tribunal da Relação se mantém válida e eficaz na sua plenitude.

    11. - A verdade é que a douta sentença comete inegável erro de julgamento ao concluir que a Recorrente terá faltado de forma interpolada a 14,5 dias, no período de Abril a Julho de 2004.

    12. - A matéria de facto dada por provada nos...

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