Acórdão nº 09S0155 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 15 de Dezembro de 2009

Magistrado ResponsávelSOUSA GRANDÃO
Data da Resolução15 de Dezembro de 2009
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

S Privacidade: 1 Meio Processual: REVISTA Decisão: NEGADA REVISTA Sumário : I - No âmbito de uma acção de impugnação de despedimento, os vícios procedimentais relevantes são apenas aqueles pelos quais deva ser responsabilizado o empregador.

II - Tendo a Comissão para a Igualdade no Trabalho e no Emprego (CITE) deliberado não emitir parecer prévio relativo ao despedimento de trabalhadoras titulares de contrato de trabalho de serviço doméstico, que se encontrem grávidas, puérperas ou sejam lactantes, por entender que, no caso específico do trabalho doméstico, não há lugar à emissão do parecer a que alude o art.º 51.º do CT, tal deliberação corresponde à enunciação de um princípio geral extensível a todos os casos atinentes ao contrato de trabalho doméstico.

III - Assim, tendo, a propósito de outra infracção praticada pela trabalhadora em data anterior, a entidade empregadora obtido essa deliberação da CITE, não lhe é exigível que solicite novo parecer à CITE quando, mais tarde, está perante outra infracção disciplinar da trabalhadora, na qual fundamenta a justa causa para o seu despedimento.

IV - A não existência desse parecer, nestes casos, não determina a invalidade do procedimento disciplinar por corresponder a comportamento omissivo de terceiro, não imputável à entidade empregadora.

V - No contrato de serviço doméstico, o conceito de justa causa de despedimento é adaptado à natureza especial da relação em causa e a apreciação, em concreto, da justa causa deverá ser efectuada tendo em atenção o carácter das relações entre as partes, nomeadamente a natureza dos laços de relacionamento entre o trabalhador e o agregado familiar a que presta serviço.

VI - Constitui justa causa de despedimento o comportamento da trabalhadora de serviço doméstico, pese embora não particularmente detalhado, mas que determinou que o menor de 6 anos, filho do casal para quem aquela prestava o seu serviço e que por ela era acompanhado e cuidado desde os dois meses de idade, sem nunca anteriormente ter expressado qualquer medo de com ela conviver, passasse a reflectir uma atitude de ostensiva rejeição à presença e ao convívio com a Autora, consubstanciada num choro repetido e em dificuldades em conciliar o sono.

VII - Estando provado que essas reacções do menor decorreram do comportamento assumido pela trabalhadora, não pode deixar de se pressupor que a mesma assumiu para com o menor um comportamento diferente do habitual e suficientemente repercutível na alteração da sua estabilidade emocional, o que abala, em definitivo, a relação laboral pela perda de confiança na trabalhadora, no tocante à sua capacidade para continuar a cuidar do menor.

Decisão Texto Integral: Acordam na Secção Social do Supremo Tribunal de Justiça: 1 – RELATÓRIO 1-1 AA intentou, no Tribunal de Trabalho de Lisboa, acção declarativa de condenação, com processo comum, emergente de contrato de serviço doméstico, contra BB e CC, pedindo, com esteio na ilicitude do despedimento de que diz ter sido alvo por parte dos Réus – ausência de justa causa e violação procedimental – que os mesmos sejam condenados a reintegrá-la no seu posto de trabalho (sem prejuízo da eventual indemnização optativa) e a pagar-lhe as componentes retributiva (por trabalho suplementar), indemnizatória (por danos não patrimoniais) e moratória discriminados no petitório inicial.

Os Réus contrariam na íntegra a tese da Autora, de quem reclamam, em sede reconvencional, uma indemnização por danos patrimoniais e morais, bem com a sua condenação como litigante de má fé.

1-2 Instruída e discutida a causa, concluiu a 1ª instância pela improcedência total da acção e da reconvenção, do mesmo passo que considerou inverificada a má fé de qualquer das partes.

A Autora apelou da respectiva decisão, mas debalde o fez, porquanto o Tribunal da Relação de Lisboa confirmou “in totum” a sentença em crise.

1-3 Continuando irresignada, a demandante pede a presente revista, onde convola o seguinte quadro conclusivo: 1 – uma das causas da cessação do contrato de trabalho de serviço doméstico é a rescisão, por uma das partes, ocorrendo justa causa (al. c) do art. 27.º do D.L. nº 235/92, de 24/10); 2 – os exemplos vertidos no art. 30.º do mesmo diploma não são de “justas causas objectivas”, mas antes de justa causa subjectiva; 3 – os comportamentos dos trabalhadores, enumerados nesse referido art. 30º, terão assim de ser analisados, para constituírem justa causa de despedimento lícito, à luz da cláusula geral do art. 29º do mesmo diploma, tendo ainda de se recorrer ao art. 396º do C.T., aplicável aos contratos de trabalho de serviço doméstico nos termos do seu art.º 11º, para melhor interpretação do conceito de justa causa; 4 – o primeiro requisito para que se esteja perante uma rescisão com justa causa pelo empregador é, assim, a existência, de actos atribuíveis ao trabalhador, que possam considerar-se como tal; 5 – a justa causa para o despedimento pressupõe um comportamento culposo do trabalhador. E esse comportamento culposo compreende a ilicitude e a culpa; 6 – o comportamento do trabalhador será ilícito quando violador dos deveres legais ou obrigacionais a que está vinculado. E poderá derivar não só do desrespeito dos deveres principais, mas também dos deveres acessórios de conduta; 7 – o comportamento do trabalhador será culposo quando, atendendo à diligência média exigível a um trabalhador daquele tipo, nos termos em que se desenvolve a relação laboral e atendendo às circunstâncias do caso, fosse exigível do mesmo outro comportamento; 8 – o outro requisito para a rescisão com justa causa é a impossibilidade de manutenção, atenta a natureza especial da relação em causa, do contrato de trabalho (art. 29.º nº 1 in fine do D.L. nº 235/92); 9 – cabia aos recorridos o ónus da prova da existência de justa causa para a rescisão do contrato de trabalho de serviço doméstico (art. 342.º do C.C.); 10 – não foi provado nenhum facto e/ou comportamento que fosse violador de um dever da trabalhadora, nem principal nem acessório; 11 – igualmente não foi provado ter existido um comportamento culposo por parte da ora recorrente; 12 – não tendo os ora recorridos feito prova da justa causa, como lhes cabia, deverá a justa causa do despedimento ser julgada improcedente; 13 – em consequência, deverá ser declarado ilícito o despedimento da ora recorrente, nos termos do art. 429.º al. c) do C.T., e deverão os recorridos ser condenados no pagamento da indemnização prevista no art. 31.º do D.L. nº 235/92; 14 – a recorrente estava grávida, com sete meses e meio, à data do despedimento; 15 – para o despedimento de um trabalhador de serviço doméstico, apesar de não se exigir o processo disciplinar complexo que é exigido para os contratos de trabalho que seguem o regime geral (arts. 411.º a 418.º do C.T.), não deixa de ser necessário um procedimento, embora mais simplificado, em virtude da especialidade deste tipo de contratos, conforme o art. 29.º nº. 3 do D.L. nº 235/92; 16 – dispõe o art. 51.º do C.T. que o despedimento de trabalhadora grávida, puérpera ou lactante carece sempre de parecer prévio da entidade que tenha competência na área de igualdade de oportunidade entre homens e mulheres (CITE); 17 – O C.T. dispõe, no seu art. 11.º, serem aplicáveis aos contratos de trabalho com regime especial as regras gerais desse código, sob pena de ser inconstitucional, por violação do art. 13.º da CRP; 18 – O procedimento exigido não é incompatível com a especialidade dos contratos de serviço doméstico. Pelo que deve, obrigatoriamente, aplicar-se aquele art. 51.º ao contrato de trabalho de serviço doméstico; 19 – o parecer emitido pelo CITE, a solicitação dos recorridos, em procedimento...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT