Acórdão nº 08S3047 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 15 de Dezembro de 2009

Magistrado ResponsávelMÁRIO PEREIRA
Data da Resolução15 de Dezembro de 2009
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

S Privacidade: 1 Meio Processual: REVISTA Decisão: NEGADA REVISTA Sumário : I - A fundamentação das respostas, prevista no n.º 2 do art. 653.º do CPC, destina-se à análise crítica das provas e à especificação dos fundamentos que foram decisivos para a convicção do julgador, distinguindo-se, pela sua natureza, função e valor, da parte da sentença em que o tribunal responde à matéria de facto – em que consigna que factos dá e não dá como provados – que delimita os factos que irão servir de base à aplicação do regime jurídico do caso, ressalvada a possibilidade de, na sentença, dar como provados outros factos, nos termos do n.º 3 do art. 659.º do CPC ou noutras disposições legais.

II - É de considerar não escrito e inatendível, o facto afirmado na sentença que não foi objecto de ampliação da base instrutória nem consta das respostas à mesma, não obstante ter sido consignado na fundamentação da matéria de facto.

III - É de qualificar como acidente de trabalho o sinistro ocorrido no tempo e no local de trabalho ou na execução de serviços espontaneamente prestados pelo sinistrado e dos quais pudesse resultar proveito económico para a sua entidade empregadora, ou em execução de serviços por esta determinados ou consentidos ou em actos preparatórios para a execução desses serviços.

IV - Pressupondo a execução do trabalho deslocações frequentes ao estrangeiro e tendo o acidente consistido numa queda de escadaria de um edifício, não pode esse evento ser considerado como acidente de trabalho se não se demonstrou que o sinistrado se encontrava nesse local em virtude do seu trabalho, sujeito, directa ou indirectamente, ao controlo do empregador, ou em execução da missão que lhe tenha sido determinada ou consentida e se não se demonstrou que tivesse ocorrido no período normal de laboração ou nos períodos que o precedem (actos de preparação) ou seguem (actos de ultimação).

V - Acresce, ainda, que não se provou que a referida queda tivesse ocorrido num local que representasse um agravamento do risco genérico que recai sobre a generalidade das pessoas alojadas num local ou que o frequentem numa deslocação ao estrangeiro, em missão profissional.

Decisão Texto Integral: Acordam na Secção Social do Supremo Tribunal de Justiça I – As autoras AA e BB, respectivamente, viúva e filha do sinistrado João Augusto de Médicis, intentaram a presente acção declarativa com processo especial emergente de acidente de trabalho, contra a ré Companhia de Seguros F... M..., SA, pedindo que a ré seja condenada a pagar-lhes as seguintes prestações: à viúva: a) até atingir a idade da reforma, uma pensão anual e vitalícia de € 22.444,59 (vinte e dois mil quatrocentos e quarenta e quatro euros e cinquenta e nove cêntimos), com início em 15 de Abril de 2004, em duodécimos, no seu domicilio ou em conta bancária aberta em Portugal, acrescida nos meses de Julho e Dezembro de cada ano, de uma prestação de valor igual ao montante do duodécimo da pensão a que tiver direito; e a partir da idade da reforma, a pensão no montante de € 29.926,12, nos termos do nº 2 do artigo 20° da Lei 100/97, de 13 de Setembro, actualizável de acordo com os índices legais; b) a quantia de € 2.193,60 (dois mil cento e noventa e três euros e sessenta cêntimos), referente ao subsídio por morte, nos termos do artigo 22°, nº 1, da Lei 100/97, de 13 de Setembro; c) a quantia de € 2.924,80 (dois mil novecentos e vinte e quatro euros e oitenta cêntimos), a título de reparação por despesas de funeral e transladação do corpo, nos termos do artigo 22°, 3 da Lei 100/97, e artigo 50°, 1 do Decreto-Lei 143/99, de 30 de Abril; d) a quantia de € 436,42 (quatrocentos e trinta e seis euros e quarenta e dois cêntimos) a título de períodos de incapacidade temporária absoluta entre o dia 12 e 14 de Abril de 2004; e) as quantias que vierem a ser despendidas, a título de despesas com deslocações a tribunal; f) as quantias desembolsadas para pagamento de taxas, custas e preparos judiciais com o presente processo; g) juros de mora, contados a partir de 15 de Abril de 2004, contabilizados, até à presente data, no montante de € 1.141,93 (mil cento e quarenta e um euros e noventa e três cêntimos), e os que se vierem a vencer sobre todas as quantias peticionadas; à filha do sinistrado: a) a pensão anual e temporária de € 14.963,06 (catorze mil novecentos e sessenta e três euros e seis cêntimos), no período decorrido entre 15 de Abril de 2004 (dia seguinte ao óbito do sinistrado) até 31 de Agosto de 2004 (data da conclusão com aproveitamento do ensino superior).

  1. a quantia de € 2.193,60 (dois mil cento e noventa e três euros e sessenta cêntimos), referente a subsídio por morte, nos termos do artigo 22°, 1 da Lei 100/97; c) a quantia que vier a ser despendida, a título de despesas com deslocações a tribunal, e das taxas, custas e preparos judiciais que teve que desembolsar com o presente processo; d) juros de mora, contados a partir de 31 de Agosto de 2004 (data da conclusão com aproveitamento do ensino superior) até à presente data no montante de € 484,42 (quatrocentos e oitenta e quatro euros e quarenta e dois cêntimos) e os que vierem a vencer.

Fundamentam as suas pretensões nos seguintes factos: O sinistrado CC faleceu, em Roma, a 14 de Abril de 2004, no estado de casado no regime de comunhão parcial com a A. AA, residentes, à data do óbito, em Lisboa; Sobreviveu-lhe também a filha BB, ora 2a autora, nascida a 10 de Janeiro de 1983, que, à data do óbito, frequentava o último semestre do seu curso superior de Belas Artes na "The School of the Institute of Chicago", concluído com aproveitamento, em 31 de Agosto de 2004; À data do óbito, o sinistrado era embaixador e trabalhava para a Comunidade dos Países de Língua Oficial Portuguesa (CPLP), exercendo aí as funções de diplomata e Secretário Executivo, mediante o salário mensal líquido de € 5.343,95.

A CPLP tinha transferido a responsabilidade emergente do acidente de trabalho para a R., mediante contrato de seguro.

No dia do óbito, o sinistrado encontrava-se em missão no exterior representando a CPLP em negociações com organizações internacionais, nomeadamente a UNESCO e a FAO, o que fazia em execução de uma ordem de trabalho da CPLP: o sinistrado participou em reuniões com a UNESCO, em Paris, durante o período de 8 e 9 de Abril de 2004 e, após essas reuniões, deslocou-se a Roma, nesse mesmo dia 9 de Abril de 2004, realizando-se a reunião com a FAO a partir de segunda-feira, dia 12 de Abril de 2004; Pelas 21 horas do dia 11 de Abril de 2004, o sinistrado sofreu queda acidental de uma escadaria do edifício sito na Comuna de Viterbo, Lazio, Itália, e foi logo transportado em helicóptero para o Hospital San Camillo, em Roma, onde foi submetido a intervenção cirúrgica e ministrados tratamentos médico; Daquela queda resultou a morte do sinistrado, pelas 23 horas e 30 minutos do dia 14 de Abril de 2004, morte que teve como causa a lesão crânio encefálica sofrida na queda. Concluem que sendo o “acidente de trabalho” o acontecimento súbito e imprevisto, sofrido pelo trabalhador, no local e no tempo de trabalho, é delimitado por três elementos cumulativos: um elemento espacial - (local de trabalho); um elemento temporal - (tempo de trabalho); e um elemento causal - (nexo de causa efeito entre o acidente e as suas consequências) .

Quando ao elemento espacial, argumenta que tem sido reconhecido, quer pela doutrina, quer pela jurisprudência, que o conceito de local de trabalho é relativo ou "elástico", na medida em que pode abranger áreas mais ou menos extensas, “desde que corresponda a um interesse da empresa ou resulte da própria natureza da prestação, o local de trabalho acordado pode ser mais ou menos extenso” .

A profissão do sinistrado constitui uma profissão que, pela natureza das funções exercidas, não se compadece com um local de trabalho confinado à sede da organização, competindo ao secretário executivo, nos termos do artigo 12° dos Estatutos da Comunidade dos Países de Língua Portuguesa, (assinados por todos os Estados Membros, em Lisboa, a 17 de Julho de 1996, e Ratificados por todos os Estados Membros, em Lisboa, a 12 de Novembro de 1998), entre outras funções, (i) empreender, sob orientação da Conferência ou do Conselho de Ministros ou por sua própria iniciativa, medidas destinadas a promover os objectivos da CPLP e a reforçar o seu funcionamento; (ii) realizar consultas e articular-se com os Governos dos Estados membros e outras instituições; e (iii) representar a CPLP nos fóruns internacionais pertinentes.

O cargo de secretário executivo de uma organização internacional exige por natureza uma mobilidade espacial e uma flexibilidade geográfica. Um embaixador duma organização internacional e multilateral como a CPLP está sempre ao serviço da mesma, onde quer que se encontre, no desempenho de tarefas do interesse da sua empregadora e próprias da sua profissão.

O acidente ocorreu no local de trabalho, entendido no sentido amplo da norma do art. 284°, n.º 2, alínea a), do CT porquanto era indispensável ao sinistrado que, na data do acidente, se encontrasse na região uma vez que, no desempenho das suas funções de diplomata e secretário executivo em representação da CPLP esteve em reunião de trabalho com a UNESCO, em Paris, e à qual se seguiria, na segunda-feira, com a FAO (em Roma).

Defendem que ocorreu no tempo de trabalho, “elemento que não se compadece com a exigência de um horário de trabalho rígido, devendo, antes, assumir a maleabilidade que lhe for exigida pelo desenvolvimento, num contexto temporal, de certas e determinadas profissões, atentas as respectivas características específicas”, como é o caso do sinistrado cujas atribuições e competências, pela sua peculiar natureza, não podem estar temporalmente confinadas a um período de tempo previamente estabelecido e pré-determinado.

Concluem, assim, que o sinistrado estava no período normal de trabalho, inerente à execução das tarefas para que foi confiado: representar a CPLP em...

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