Acórdão nº 08S4021 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 15 de Dezembro de 2009

Magistrado ResponsávelSOUSA GRANDÃO
Data da Resolução15 de Dezembro de 2009
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

S Privacidade: 1 Meio Processual: REVISTA Decisão: NEGADA REVISTA Sumário : I - Para que a cessação do contrato de trabalho por extinção do posto de trabalho seja lícita é necessário que, cumulativamente: a) se mostrem preenchidos os fundamentos económicos invocados; b) os motivos invocados não sejam imputáveis a culpa do empregador ou do trabalhador; c) seja praticamente impossível a subsistência da relação de trabalho; d) não se verifique a existência de contratos de trabalho a termo para as tarefas correspondentes às do posto de trabalho extinto; e) a extinção do posto de trabalho não seja subsumível a uma situação de despedimento colectivo e que seja colocada à disposição do trabalhador a compensação devida.

II - Na apreciação jurisdicional dos fundamentos económicos invocados para o despedimento por extinção do posto de trabalho ter-se-ão que respeitar os critérios de gestão empresarial, competindo ao julgador unicamente verificar a exactidão desses fundamentos e a existência de um nexo causal entre os mesmos e o despedimento.

III - Na avaliação dos motivos justificativos do despedimento por causas objectivas realizado por uma sociedade integrada num grupo económico, o tribunal deve ter em conta não só a situação económico-financeira da sociedade empregadora, mas também a situação global do grupo.

IV - A avaliação da impossibilidade de subsistência da relação de trabalho por não dispor o empregador de posto de trabalho compatível com a categoria do trabalhador está circunscrita à estrutura empresarial do empregador, ainda que esteja este inserido num grupo de empresas, a menos que se justifique o levantamento da personalidade colectiva por a mesma ter sido usada de modo ilícito ou abusivo para prejudicar terceiros.

V - Não viola o art. 20.º da CRP a defesa de que a legalidade do despedimento por causas objectivas deve ser aferida atendendo aos critérios da empresa.

VI - O princípio da segurança no emprego previsto no art. 53.º da CRP tem que se harmonizar com outros princípios igualmente presentes no nosso ordenamento constitucional, tais como o princípio da liberdade de empresa e da iniciativa económica privada, previstos, respectivamente, nos arts. 61.º nº 1 e 80.º, al. c) da CRP, daí que não viole aquele princípio a interpretação e aplicação do regime do despedimento por extinção do posto de trabalho efectuada pelo tribunal recorrido, na medida em que estabelece sempre a necessidade de um motivo que justifique o despedimento.

Decisão Texto Integral: Acordam na Secção Social do Supremo Tribunal de Justiça: * 1. Relatório * 1.1.

AA veio instaurar, no 3.º Juízo do Tribunal do Trabalho de Lisboa, a presente acção declarativa de condenação, com processo comum, emergente de contrato de trabalho, contra IMP - I... M.... P..., Lda., pedindo que o tribunal: - declare ilícito o despedimento do Autor por extinção do seu posto de trabalho; - condene a Ré a reintegrá-lo na mesma categoria profissional, retribuição e demais direitos e regalias; - condene a Ré a pagar-lhe as retribuições vencidas e vincendas, incluindo subsídio de férias e de Natal e bónus que se vencerem; - pagar ao Autor o bónus já vencido, no montante não inferior a 6.600,00 euros, pelos motivos indicados nos art°s 58° a 65° da p. i.; - condene a Ré a pagar ao Autor um montante de 6.000,00 euros, por violação do direito à ocupação efectiva; - pagar ao Autor a quantia de 6.000,00 euros, por desvalorização profissional.

Em alternativa à reintegração no seu posto de trabalho, pede seja a Ré condenada a pagar, além do pedido supra, uma indemnização de 60 dias de retribuição base por cada ano completo ou fracção de antiguidade, no montante de 20.736,69 euros.

Para fundamentar a sua pretensão, alegou, em síntese, que em 9 de Julho de 2004. a Ré lhe comunicou por carta a necessidade de extinguir o seu posto de trabalho com a consequente cessação do contrato de trabalho, acompanhada da respectiva fundamentação, e que o despedimento operado por esta via foi ilícito.

A R. contestou a acção, alegando, em suma, que o despedimento do Autor por extinção do posto de trabalho, na sequência do competente procedimento, foi justificado por motivos económicos e estruturais de natureza objectiva, sendo que a empresa não dispunha de qualquer outro posto de trabalho que fosse compatível com a categoria profissional do Autor.

1.2.

Instruída e discutida a causa, foi proferida sentença que julgou a acção improcedente, absolvendo a Ré do pedido.

* Inconformado, o A. interpôs recurso de apelação para o Tribunal da Relação de Lisboa que, por acórdão de fls 1195 e ss., negou provimento à apelação do A., confirmando a sentença recorrida.

1.3.

Novamente irresignado, recorreu o A. de revista, culminando as suas alegações com as seguintes conclusões: 1. Os pressupostos previstos no art. 403° do C.T. são cumulativos.

  1. A não verificação de um dos pressupostos enunciados no artigo anterior acarreta a ilicitude do despedimento operado.

  2. Não se verifica nos presentes autos a impossibilidade de subsistência da relação laboral.

  3. Tal prova cabia à Recorrida.

  4. Ademais, cresceram em Itália dois postos de trabalho, como ficou provado, e não foi dada ao Recorrente a possibilidade de ser transferido, pelo que novamente queda o argumento de impossibilidade de subsistência da relação laboral.

  5. Não se verificando tal impossibilidade, ou não sendo cabalmente feita essa prova, o despedimento do Recorrente é nulo.

  6. A Recorrida teve um lucro de 3,5 milhões de euros em Portugal.

  7. Pelo que são improcedentes os motivos económicos alegados.

  8. Os postos de trabalho que se fizeram cessar em Portugal deram origem a dois novos em Itália pelo que não é possível calcular qualquer benefício na extinção operada.

  9. A Recorrida paga ainda uma mensalidade a uma conhecida empresa para lhe fazer a contabilidade, tal como ficou provado.

  10. Tal montante é superior aos vencimentos do Recorrente e sua colega.

  11. Esta questão é sindicável pelo Tribunal.

  12. A não ser assim, experimentar-se-ia uma verdadeira falta de controlo sobre qualquer extinção do posto de trabalho.

  13. O despedimento do Recorrente é ilícito porque não ficaram provados os fundamentos alegados pela Recorrente.

  14. O Recorrente tinha direito ao bónus que peticionou.

  15. Tendo o ano fiscal da Recorrente terminado a 31 de Agosto de 2004 tal determina que aquando da cessação do contrato de trabalho do recorrente o seu direito já se havia vencido.

  16. Pelo que o despedimento do Recorrente é igualmente ilícito por não terem sido colocados à sua disposição todos os créditos exigíveis à data da cessação do contrato.

  17. O douto acórdão recorrido viola o disposto no artigo 402° e 403 n° 1 al. b) do Código do Trabalho.

  18. O direito à tutela efectiva, plasmado no artigo 20° da C.R.P, impõe a sindicância das razões económicas, estruturais ou de mercado aduzidas pelo empregador em sede de despedimento por causas objectivas.

  19. O douto Acórdão recorrido, na forma como foi interpretado, viola os princípios de justiça completa e material ínsita a um verdadeiro estado de direito, à tutela de segurança no emprego e aos princípios da dignidade da pessoa humana, plasmadas no artigo 53° e 1° Constituição da República Portuguesa.

Termina defendendo a revogação da decisão recorrida, determinando-se a condenação da R. no processamento da extinção ilícita do posto de trabalho com todas as legais consequências advenientes.

* 1.4. A recorrida contra-alegou pugnando pela improcedência do recurso.

* 1.5. A Exma. Procuradora-Geral-Adjunta emitiu parecer no sentido de que a revista merece parcial provimento.

As partes foram notificadas do aludido parecer, apenas se pronunciando sobre o mesmo a Ré, em sentido discordante.

* 1.6. Colhidos os "vistos" legais, cumpre decidir.

* * 2. Fundamentação de facto * O acórdão recorrido considerou assente a seguinte factualidade: * 2.1 - A ré é uma empresa multinacional que cria e vende produtos editoriais na área do entretenimento familiar, através de canais de marketing directo; 2.2 - Em 17/4 de 2001, a ré admitiu ao seu serviço, mediante contrato de trabalho e por tempo indeterminado, o autor para, sob as suas ordens e direcção, com a categoria profissional de Chefe de Secção, exercer as funções de Responsável Financeiro; 2.3 - O autor era responsável pelas seguintes actividades: responsável pela contabilidade, pelas declarações fiscais, pelos assuntos fiscais, pela gestão das contas bancárias, pelo processamento de salários, e, até Outubro de 2003, responsável pelo controlo financeiro, através de envio de relatórios mensais e trimestrais para a sede do grupo; 2.4 - O autor auferia uma retribuição mensal ilíquida de 2.954,29 euros, a que acrescia subsídio de alimentação, no montante diário de 4,49 euros; 2.5 - O local de trabalho do autor era na sede da ré; 2.6 - Em 9/7/04, o autor recebeu em mão carta da ré em que a mesma lhe comunicava a necessidade de extinguir o posto de trabalho com a consequente cessação do contrato de trabalho do autor, acompanhada da respectiva fundamentação; 2.7 - Por carta datada de 17/7/04, o autor deduziu oposição à intenção da ré fazer cessar o seu contrato de trabalho por extinção do posto de trabalho; 2.8 - Em 22/7/04, o autor recebeu em mão carta da ré e respectiva fundamentação, em que a mesma o informava da cessação do seu contrato de trabalho por extinção do posto de trabalho, a partir de 22/9/04, por motivos económicos e estruturais, invocando, para tal, que os serviços financeiros da empresa tinham sido transferidos para Itália; 2.9 - Na mesma carta, o autor foi informado que a compensação legal e os créditos vencidos ou exigíveis em virtude da cessação do contrato de trabalho tinham sido colocados à disposição do autor através de transferência bancária; 2.10 - Os valores pagos ao autor, e mencionados no recibo de Setembro de 2004, foram os seguintes: - vencimento: 2.680,00 euros; - subsídio de alimentação: 67,35 euros; - compensação legal: 10.141,71 euros; - subsídio de Natal: 2.144,90 euros; -...

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