Acórdão nº 368/09.3YFLSB de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 15 de Dezembro de 2009

Magistrado ResponsávelSEBASTIÃO PÓVOAS
Data da Resolução15 de Dezembro de 2009
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

S Privacidade: 1 Meio Processual: REVISTA Decisão: NEGADA REVISTA Sumário : 1. Ainda na vigência do Decreto-Lei n.º 48051 de 21 de Novembro de 1967,a generalidade da doutrina passou a propender para que o artigo 22.º da Constituição da República abrangesse não só a responsabilidade do Estado por danos resultantes do exercício da função administrativa, mas igualmente das funções legislativa e jurisdicional, por não conter quaisquer restrições. Considera-se que a norma constitucional revogou os preceitos daquele Decreto-Lei que, eventualmente, impedissem essa interpretação.

  1. O artigo 22.º da Constituição da República é uma norma directamente aplicável cumprindo aos tribunais a sua implementação tendente a assegurar a reparação dos danos resultantes de actos lesivos de direitos, liberdades e garantias ou dos interesses juridicamente protegidos dos cidadãos.

  2. Para que não se corra o perigo de entorpecer o funcionamento da justiça e perturbar a independência dos juízes, impõe-se um regime particularmente cauteloso, afastando, desde logo, qualquer responsabilidade por actos de interpretação das normas de direito e pela valoração dos factos e da prova. Certo, ainda, que nesta perspectiva, o sistema de recursos, e a hierarquia dos instâncias, contribuem, desde logo, para o sucessivo aperfeiçoamento da decisão, reduzindo substancialmente a possibilidade de uma sentença injusta.

  3. Ponderando a data de entrada em vigor da Lei n.º 67/2007, de 31 de Dezembro e a data da decisão que a Autora entende ter-lhe causado danos é de aplicar o regime anterior por força do artigo 2º daquele diploma e do n.º 2 do artigo 12.º do Código Civil.

  4. A lei aplicável é – face à entendida parcial revogação do Decreto-Lei n.º 48051 – directamente, o artigo 22.º da Constituição da República.

  5. Porém, o novo Regime da Responsabilidade Civil Extracontratual do Estado na parte referente aos actos praticados no exercício da função jurisdicional, autoriza a criação de uma norma de decisão para a densificação do artigo 22.º da Constituição da República, como garantia o direito que este diploma consagra.

  6. Trata-se de valorar, por forma mais clara e delineada, o conceito de “erro judiciário” para assim lograr um dos pressupostos da responsabilidade civil do Estado nesta área. Socorremo-nos, então, dos novos conceitos para aquilatar da aplicação do artigo 22.º da lei fundamental, norma que, como se disse, é directamente aplicável consagrando um princípio geral e uma garantia constitucional.

  7. A falta de celeridade (ou decisão não proferida “em prazo razoável”) deve ser aferida casuisticamente, na ponderação da dificuldade da causa, dos incidentes suscitados, da logística acessível ao magistrado, da necessidade de cumprimento estrito do formalismo da lei, da cooperação entre os julgadores que integram o conclave, na busca de soluções que evitem jurisprudência contraditória, na racionalidade da distribuição e, finalmente, nas características idiossincráticas do julgador. Tudo isto sem aludir à necessidade de contingentação, aos apoios de assessoria e secretariado que a gestão e o legislador tantas vezes olvidam.

  8. A decisão não é inconstitucional, salvo se tomada por um órgão não competente segundo a lei fundamental. Poderá é aplicar uma norma, seu segmento ou interpretação, em violação do normativo constitucional.

    10) Porém, o que o legislador pretendeu foi sancionar a decisão assim viciada se na sua origem está um “erro grosseiro na apreciação dos respectivos pressupostos de facto.”.

    11) O erro grosseiro é o que se revela indesculpável, intolerável, constituindo, enfim, uma “aberratio legis” por desconhecimento ou má compreensão flagrante do regime legal.

    12) Não se trata de erro ou lapso que afecta a decisão mas não põe em causa a sua substância (“error in judicio”).

    13 )Não será, outrossim, um lapso manifesto. Terá de se traduzir num óbvio erro de julgamento, por divergência entre a verdade factica ou jurídica e a afirmada na decisão, a interferir no seu mérito, resultante de lapso grosseiro e patente.

    Decisão Texto Integral: Acordam, no Supremo Tribunal de Justiça: “G. M... e M... – Sociedade de M... I... Limitada” intentou acção, com processo ordinário, contra o Estado Português, pedindo a sua condenação a pagar-lhe a quantia de 68.298,78 euros (sendo 32.646,32 a título de capital e 25.652,42 de juros de mora, contados desde 27 de Maio de 1996 até 12 de Outubro de 2004, data de entrada desta lide) acrescida de juros de mora vencidos desde 13 de Outubro de 2004.

    Alegou, nuclearmente, ter intentado uma acção, com processo ordinário, no 1.º Juízo Cível de Vila Nova de Gaia (à qual foi atribuido o n.º 2/96) contra AA e sua mulher BB, pedindo a sua condenação a pagarem-lhe a comissão devida por um negócio imobiliário.

    Então, a 1.ª Instância, a Relação do Porto, e, finalmente, este Supremo Tribunal de Justiça, em recurso de revista, condenaram o Réu e absolveram a Ré; apenas divergiram no montante da condenação já que a 1.ª instância o relegou para execução de sentença (com o limite de 13.090.000$00), a Relação do Porto liquidou-o em 1.485.000$00, com juros desde a citação, fixando em 29.700.000$00 o valor do negócio; e este Supremo Tribunal manteve o julgado pela Relação do Porto e considerou insindicável o valor do negócio.

    Mas a Autora imputa este aresto de “clamoroso erro judicial, grosseiro e manifesto”, já que no negócio por si mediado o Réu teria recebido não só as fracções incluídas na permuta (no valor de 29.700.000$00) mas mais outras dez fracções (cada uma comercializada, no mínimo, por 13.090.000$00) pelo que a sua comissão teria de incidir sobre 160.600.000$00, devendo o Estado ser condenado a pagar-lhe o remanescente (6.545.000$00, ou 32.646,32 euros).

    O Tribunal Cível da Comarca de Lisboa absolveu o Réu-Estado do pedido.

    A Autora apelou para a Relação de Lisboa que confirmou o julgado.

    Pede, agora, revista.

    E conclui deste modo as suas alegações: - Tendo a factualidade não podemos perfilhar o entendimento do douto acórdão, já que o valor que os Réus, clientes da Autora, receberam não foi apenas o preço de 29.700.000$00 corresponde ao valor dado às fracções aí mencionadas) referido na acção que com o n° 2/96 correu termos pelo 1.º Juízo do Tribunal Judicial de Vila Nova de Gaia, mas, também, as fracções autónomas aí discriminadas que foram comercializadas pelos Réus, - Sobre esse preço e sobre os valores das fracções autónomas que os clientes da Autora receberam é que devia, como é óbvio, incidir a retribuição estipulada para a Autora como mediadora no negócio.

    - Esta matéria de facto, que se encontrava totalmente clarificada quando o processo 2/96 estava ainda na primeira instância, não pode deixar de conduzir à conclusão de que a comissão da Autora teria de incidir sobre o valor de tudo quanto os clientes desta receberam por virtude do contrato celebrado devido à sua mediação.

    - Isso resulta do mais elementar sentido de justiça, do mais elementar bom senso, do acordo que a Autora celebrou com os seus clientes e do disposto em preceitos como o art°. 939.º do C. Civil, de que resulta a equiparação do tratamento jurídico da permuta ou troca à compra e venda e da boa fé com que os contratos devem ser cumpridos, tal como determina o n.º 2 do art°. 762° do mesmo diploma.

    - Assim, o valor dos bens recebidos pela cliente da Autora em troca do terreno que esta alienou por virtude da mediação daquela, não pode deixar de equivaler ao preço do terreno e seria, pelo que foi, uma clamorosa injustiça, que qualquer jurista incipiente não seria capaz de cometer, fixar, neste contrato misto de compra e venda e troca, a comissão da Autora apenas sobre a parte do preço e não também sobre a parte da troca, como se esta não tivesse contribuído para que os Réus recebessem não só o preço mas também os bens que, de valor muito superior, vieram a receber.

    - Face aos elementos de facto dados como provados na acção que a Autora moveu aos seus clientes e de que emerge este processo é um erro evidente, notório alarmante mesmo considerar para efeito da fixação de retribuição da Autora, a pagar pelos seus clientes, apenas a quantia pecuniária que esta recebeu e não, também, o valor muito superior a essa quantia dos imóveis que a adquirente do terreno dos Réus, complementarmente, lhes deu em troca.

    - Desta forma, é incompreensível que o acórdão recorrido entenda que o caso foi bem decidido, desde à 1.ª à última instância, sendo de sublinhar que o Supremo não podia qualificar de questão de facto a interpretação de um contrato e as consequências jurídicas dele emergentes, entendendo que o preço sobre o qual devia incidir a comissão da Autora era apenas a quantia pecuniária que os clientes desta receberam.

    - Lamenta-se dizê-lo, mas não pode deixar de ser considerado desprestigiante para a justiça, em termos objectivos, isto é, que se impõem a toda e qualquer pessoa que faça uso da razão no conhecimento dos problemas, a solução dada da 1.ª à 3.ª instância ao problema que a Autora submeteu à apreciação dos Tribunais na acção que moveu contra os seus clientes e de que emergiu este processo.

    - Assim, pela injustiça flagrante dessas decisões a Autora viu-se privada da quantia de 6.545.000$00, equivalente a € 32.646,32 (trinta e dois mil, seiscentos e quarenta e seis euros e trinta e dois cêntimos), diferença entre o valor da comissão que lhe foi reconhecida e aquela a que, manifestamente, tinha direito. (1.485.000 + (10 x 13.090.000$00 x 5%)).

    - E o Estado Português não pode deixar de ser responsável pela reparação de tal prejuízo, porque foi através da actuação de um dos órgãos pelos quais exerce a sua soberania que a Autora sofreu tal prejuízo, de forma perfeitamente incompreensível, pelo que a solidariedade dos Juízes entre si, como fazendo parte do espírito de classe, não pode -permitir que se repudie esta análise objectiva da situação.

    - Como tal, não se poderá deixar de entender que estamos perante um manifesto erro grosseiro e clamoroso das instâncias...

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