Acórdão nº 7566/04.4TBVNG.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 15 de Dezembro de 2009

Magistrado ResponsávelURBANO DIAS
Data da Resolução15 de Dezembro de 2009
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

S Privacidade: 1 Meio Processual: REVISTA Decisão: ANULADO O ACORDÃO DA RELAÇÃO Sumário : I – Tendo a parte recorrida suscitado, subsidiariamente, a apreciação da matéria de facto, nas respectivas contra-alegações, ao abrigo do disposto no nº 2 do artigo 684º-A do Código de Processo Civil, não pode a Relação deixar de conhecer desta questão, fixando, definitivamente, a matéria de facto provada.

II – Conhecer directamente o mérito da apelação, desprezando totalmente o, neste caso concreto, vertido, pela parte apelada, nas conclusões das suas contra-alegações, gera nulidade por omissão de pronúncia.

III – Arguida esta mesma nulidade, a título subsidiário, nos termos do normativo legal citado, perante o Supremo Tribunal de Justiça, não pode este deixar de lhe dar razão, ordenando a baixa dos autos à Relação a fim de ser feita a reforma da decisão anulada, nos termos prescritos no artigo 731º, nº 2, do Código de Processo Civil.

IV – O conhecimento desta nulidade, por parte do Supremo Tribunal de Justiça, surge como questão prévia em relação às questões suscitadas pela parte recorrente.

Decisão Texto Integral: Acordam no Supremo Tribunal de Justiça: I.

AA-Comércio de Automóveis Lª intentou, no Tribunal Judicial da Comarca de Vila Nova de Gaia, acção ordinária, contra BB -Comércio de Automóveis, S. A., pedindo a sua condenação no pagamento de 85.102,62 €, a título de indemnização de clientela, e 11.995,30 €, relativamente ao custo que suportou de materiais adquiridos, bem como 4.165,26 €, de custos de obras efectuadas, tudo tendo em conta o contrato que ambas celebraram, e que, posteriormente, foi denunciado por esta.

A R. defendeu-se, pedindo a sua absolvição, impugnando, para tanto, parte da factualidade vertida na petição e alegando que a denúncia ocorreu por virtude da nova legislação comunitária.

Seguiu-se a réplica e toda a demais tramitação normal até julgamento, e, findo este, foi proferida sentença a julgar a acção parcialmente procedente e, consequentemente, a condenar a R. no pagamento à A. de 21.275,65 € e juros, a título de indemnização de clientela.

Ambas as partes manifestaram desacordo com o julgado e daí que tivessem apelado para o Tribunal da Relação do Porto, com vista a fazer vingar pretensões diametralmente opostas: a A. pretendendo obter ganho total de causa; a R., batendo-se pela absolvição pura e simples ou, no caso de condenação por virtude do reconhecimento do direito à indemnização de clientela, que esta seja fixada noutros moldes, com alteração de parte da factualidade dada como provada.

A Relação do Porto negou provimento à apelação da A. e deu parcial razão à R., absolvendo-a do pedido de indemnização a que havia sido condenada.

Continuando inconformada, eis que a A. pede revista a coberto das conclusões seguintes: - O contrato celebrado entre A. e R. qualifica-se como um contrato atípico de sub-concessão comercial, ao qual se aplicam, por analogia, as regras do contrato de agência, previstas no Decreto-Lei nº 178/86, de 03.07, desde logo, as regras respeitantes à indemnização de clientela e ao respectivo cálculo, constantes dos artigos 33° e 34° do mencionado diploma.

- O acórdão recorrido considerou, e bem, que a R. beneficiou da clientela que a A. fidelizou e angariou, a quem revende, após a cessação do contrato de sub-concessão, veículos adquiridos ao Importador, com o qual, aliás, a R. outorgou novo contrato de concessão.

- Ocorreu, nesse contexto, após a cessação do contrato de sub-concessão, uma transferência da clientela da R. para a A., nas circunstâncias supra referidas, pelo que se encontra preenchido o requisito da angariação de novos clientes para a R., a que alude a primeira parte da alínea a) do nº 1 do artigo 33° do Decreto-Lei nº 178/86, de 03.07.

- O acórdão recorrido considerou igualmente, e bem, que se mostra preenchido o requisito negativo a que alude a alínea c) do nº 1 do artigo 33° do mencionado diploma, na medida em que, após o termo do contrato, não existiu qualquer acordo entre a A. e a R. no sentido desta continuar a pagar àquela uma certa quantia pelas operações negociais que levasse a efeito com os clientes angariados pela A..

- A consagração legal da indemnização de clientela exprime fundamentalmente uma preocupação de justiça, dirigida à protecção do interesse ou posição do agente, enquanto intermediário ou auxiliar no circuito de distribuição de bens ou serviços, em face de um resultado típico valorado pelo ordenamento como desvalioso.

- Esse resultado desvalioso consiste na privação, suscitada pelo termo do contrato, da possibilidade de o agente continuar a participar no aproveitamento do excedente produtivo gerado pelo fluxo de trocas com a clientela angariada e desenvolvida à custa do risco económico que suportou e através de uma actividade fortemente condicionada pela contraparte.

- Esta indemnização visa compensar o agente da actividade por si desenvolvida e de que o principal veio a beneficiar; é o ressarcimento de uma mais valia acrescida colocada ao serviço do principal, criada ou incrementada pelo esforço do agente.

- No que respeita aos benefícios a auferir pelo principal, nos termos e para os efeitos previstos na alínea b) do nº 1 do artigo 33° do Decreto-Lei nº 198/86, de 03.07, não se mostra necessário que eles tenham já ocorrido, bastando que, de acordo com um juízo de prognose, seja bastante provável que eles se venham a verificar, isto é, que a clientela angariada pelo agente constitua, em si mesma, uma chance para o principal.

- A recorrente não tinha qualquer possibilidade de diferenciar “os negócios eventualmente celebrados ou perspectivados celebrar de forma a ser possível a emissão de um juízo de prognose conducente à verificação ou não do requisito em análise”, como exigido pelo acórdão recorrido, uma vez que tais factos respeitam à actividade comercial da recorrida e a recorrente não tem conhecimento dos mesmos.

- Será, por isso, adequado fazer intervir aqui a presunção (natural ou judicial, na medida em que corresponde às máximas da experiência do mundo dos negócios) de que um aumento, reputado considerável, da procura dirigida à empresa se virá a traduzir em benefícios, também consideráveis, para o empresário.

- A recorrente logrou provar que em virtude do mérito com que exercia a sua actividade, conseguiu fidelizar, à marca Toyota e ao seu estabelecimento, diversos clientes com os quais sabia poder contar no futuro.

- Ficou igualmente provado que, ao longo de dezassete anos de duração do contrato de sub-concessão comercial estipulado entre a A. e a R., a A., com enorme esforço e de forma ininterrupta, angariou e fidelizou diversos clientes, a quem, desde 1 de Outubro de 2003, a R. revende veículos automóveis que continua a adquirir ao Importador; - Nestas específicas circunstâncias, é inequívoco que, depois da cessação do contrato, a recorrente deixou uma clientela para os veículos automóveis que a recorrida vende, continuando a recorrida a beneficiar da actividade angariadora e fidelizadora da recorrente.

- Nessas mesmas específicas circunstâncias, os benefícios da recorrida com a actividade da recorrente de angariação e fidelização de clientela são necessariamente consideráveis, uma vez que todos os diversos clientes angariados e fidelizados pela recorrente, ao longo de 17 anos de duração do contrato de sub-concessão, passaram a comprar, desde 1 de Outubro de 2003, veículos automóveis "Toyota" à recorrente nos seus estabelecimentos em Oliveira do Douro e em Espinho, sendo certo que, em 1995, a clientela da A. foi directamente disputada pelo próprio Importador à recorrente.

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