Acórdão nº 08S3534 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 15 de Dezembro de 2009

Magistrado ResponsávelSOUSA GRANDÃO
Data da Resolução15 de Dezembro de 2009
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

S Privacidade: 1 Meio Processual: REVISTA Decisão: CONCEDIDA PARCIALMENTE A REVISTA Sumário : I – A existência de uma queixa-crime só pode ser provada pela exibição de documento que contenha a respectiva participação, única forma de se apurar a identidade do denunciante e a sua correspondente motivação, sendo, para tal, irrelevante a confissão [artigos 354.º, alínea a), conjugado com o artigo 364.º, n.º 1, do Código Civil].

II – A lei possibilita a desvinculação contratual por declaração unilateral do trabalhador, sem necessidade de observar o prazo de aviso prévio previsto no artigo 38.º da LCCT, naquelas situações que qualifica de todo anormais e particularmente graves e em que, por via disso, deixa de ser exigível ao trabalhador que permaneça ligado por mais tempo à empresa.

III – Estas situações reconduzem-se aos comportamentos do empregador enunciados no artigo 35.º do citado diploma.

IV – Para que exista «justa causa» – cujo conceito, nos termos expressos daquele artigo 35.º e do seu precedente artigo 34.º, condiciona o direito do trabalhador a «rescindir» o vínculo – torna-se mister que aqueles comportamentos do empregador inviabilizem, de imediato e praticamente, a subsistência da relação de trabalho, que o contrato pressupõe.

V – Desempenhando o autor as funções de Director Geral da ré, a quem esta concedeu um estatuto de grande autonomia na direcção e supervisão da actividade por ela prosseguida, constatando-se que a mesma ré tinha recolhido um conjunto de indícios apontando para a existência de irregularidades no seio da empresa – irregularidades essas que, ao menos funcionalmente, recaíam sobre o autor –, justificava-se que aquela adoptasse medidas cautelares para a conservação da prova, durante dois dias (17 e 18 de Abril de 2001) e, com ela, o apuramento cabal dos factos, como ocorreu, no caso, ao guardar e pedir total confidencialidade sobre as investigações em curso e ao ocultar ao autor a vinda da Direcção (sedeada no estrangeiro) a Lisboa, do mesmo passo que reforçou a segurança física das instalações, substituiu fechaduras e alterou códigos de alarmes.

VI – No mesmo propósito se inserem reuniões promovidas nesses dois dias com advogados da ré, com os seus revisores de contas e com a empresa a quem a mesma encomendava habitualmente auditorias, após o que a ré procurou, sem sucesso, nos dias 19 e 20 de Abril de 2001, contactar telefonicamente o autor para lhe dar conta da sua suspensão preventiva de funções.

VII – Face a tal circunstancialismo, carece de justa causa a rescisão do contrato operada pelo autor no referido dia 20 de Abril – inviabilizando, assim, que a ré apurasse a veracidade dos indícios infraccionais recolhidos e, em caso afirmativo, a sua imputação subjectiva –, com fundamento na factualidade referida, e ainda por terem sido admitidos dois trabalhadores para cargos directivos na ré, à sua revelia – quando, é certo, tendo, embora, conferido ao autor poderes para contratar trabalhadores, a ré mantinha também tais poderes –, e por no referido dia 20 se ter deslocado à empresa e lhe ter sido inicialmente barrada a entrada na mesma, que só lhe veio a ser permitida mais tarde, embora nesse mesmo dia, sendo-lhe entregue em mão, nessa altura, uma carta em que o suspendia preventivamente de funções sem perda de retribuição.

VIII – A função do aviso prévio para a rescisão do contrato pelo trabalhador (artigo 38.º da LCCT) destina-se a possibilitar ao empregador destinatário a realização de diligências necessárias à substituição desse trabalhador, ou, até, à dispensa das funções por ele desempenhadas.

IX – Por isso, a indemnização prevista no artigo 39.º da LCCT, não representando uma mera contrapartida da desvinculação infundada pelo trabalhador, mostra-se injustificada quando o empregador assuma um comportamento prévio, do qual seja lícito inferir o seu propósito de dispensar no imediato – e ainda que temporariamente – a prestação laboral do seu funcionário.

X – Assim, tendo a ré suspenso preventivamente o autor e tendo-se logo apressado a implementar as medidas que julgou adequadas para colmatar a sua ausência, que previa estender-se por «alguns meses», inexiste nexo causal entre a posterior «rescisão» do contrato pelo trabalhador e a produção dos danos justificativos de uma indemnização por incumprimento do pré-aviso legal.

Decisão Texto Integral: Acordam na Secção Social do Supremo Tribunal de Justiça: 1-RELATÓRIO 1.1.

DR. AA intentou, no Tribunal do Trabalho de Lisboa, acção declarativa de condenação, com processo comum, emergente de contrato individual de trabalho, contra “O... – I..., T..., S.A.”, pedindo o reconhecimento da verificação de justa causa na “rescisão”, que operou, do contrato de trabalho aprazado com a Ré e que, por via disso, seja esta condenada a pagar-lhe as componentes indemnizatórias – por antiguidade e a título de danos não patrimoniais – e retributivas – reportadas a salários, férias, proporcionais de férias e subsídios pretensamente em dívida – discriminados no petitório inicial.

A Ré contaria frontalmente, na sua contestação, os fundamentos aduzidos em abono da apontada “rescisão” – de onde extrai, desde logo, a necessária improcedência dos pedidos indemnizatórios – do mesmo passo que questiona o montante da retribuição devida ao Autor – com óbvia repercussão nos montantes que, porventura, lhe sejam devidos – reclamando, por fim, a compensação entre esses eventuais créditos e a quantia, que se arroga, por falta de cumprimento de “aviso prévio” na rescisão produzida.

1.2.

Instruída e discutida a causa, foi lavrada sentença, de que se transcreve o respectivo segmento decisório: “Pelo exposto, julgo a acção parcialmente procedente, porque provada apenas em parte e, em consequência, declaro que a cessação por iniciativa do trabalhador, em 23 de Abril de 2001, do contrato de trabalho que unia o A. à Ré ocorreu por rescisão com justa causa, e condeno a R. O... – I... T... de P..., S.A. a pagar ao A. AA: a) € 42.172,26 (quarenta e dois mil cento e setenta e dois euros e vinte e seis cêntimos) a título de indemnização de antiguidade pela rescisão com justa causa, calculada nos termos dos arts. 13º n.º 3 e 36º da LCCT; b) € 26.064,82 (vinte e seis mil e sessenta e quatro euros e oitenta e dois cêntimos) a título de 23 dias de retribuição do mês de Abril de 2001, subsídio de férias vencido em Janeiro de 2001, férias vencidas em Janeiro de 2001 e não gozadas, proporcionadas do serviço prestado em 2001 relativamente a férias, subsídio de férias e subsídio de Natal; C) € 20.000,00 (vinte mil euros) a título de danos não patrimoniais”.

Sob apelação da Ré, o Tribunal da Relação de Lisboa confirmou a justa causa rescisória mas, porque aderiu à tese da empregadora sobre o montante remuneratório do Autor, reduziu para € 23.859,35 e € 16.650,33, respectivamente, as quantias mencionadas supra sob as alíneas a) e b), do mesmo modo que também fixou em € 10.000,00 o montante ressarcitório dos danos não patrimoniais.

1.3.

Mantendo-se irresignada – por continuar a defender a ilicitude da rescisão imediata – a Ré pede revista a este Supremo Tribunal mas, desta feita, acompanhada do Autor, que também o faz a título principal – com expressa censura ao valor retributivo mensal fixado no Acórdão, com a inerente repercussão no ressarcimento por antiguidade e nos quantitativos remuneratórios, a ao valor indemnizatório por danos não patrimoniais.

Nesse sentido, coligem os seguintes núcleos conclusivos:

  1. REVISTA DA RÉ1- os factos constantes do art.º 86º da P.I., aceites pela R. nos termos dos arts. 100º e 103º da contestação, constituem confissão judicial, não exigindo a Lei Civil “animus confidendi”; 2- a confissão judicial escrita, feita nos articulados, tem força probatória plena contra o confitente; 3- o ofício do Sr. Procurador da República dirigido ao Sr. Juiz da 1ª instância, a fls. 779 dos autos, dá como certa a existência do processo de inquérito e, portanto, da participação “sub judice” que o determinou; 4- o referido ofício constitui um documento autêntico com força probatória superior à participação, que é apenas um documento particular, pelo que substitui esta quanto à prova da sua existência, nos termos do art. 364º n.º 1 do C.C.; 5- por outro lado, a mera existência de uma busca no domicílio do Recorrido constitui um facto passado, objectivo e confessado pelo A., nada se referindo sequer ao seu resultado, pelo que não ofende o segredo de justiça; 6- o Acórdão recorrido violou a lei substantiva expressa nas normas do C.C., com maior relevo dos arts. 356º n.º 1, 358º n.º 1 e 364º n.º 1, ao não atender à requerida alteração da matéria de facto, ou seja, que “a R. fez participação crime contra o A. da qual resultou uma busca no domicílio conjugal do A.”, matéria muito relevante para enquadrar a razoabilidade da conduta da empresa; 7- as providências investigatórias e securitárias tomadas pela R. nos dias que antecederam a suspensão preventiva do A., foram justificadas à face dos direitos e deveres desta concernentes à sua defesa e, consequentemente, dos postos de trabalho pelos quais é responsável; 8- para o efeito, deve considerar-se certas circunstâncias, fundamentalmente a especial posição do A. na empresa e o seu procedimento durante a visita a este dos Srs. BB e Director do Grupo O... na Europa, acompanhados de 3 individualidades do grupo; 9- a situação do A. na R. era a de Director Geral, dotado da maior autonomia, porquanto os membros do CA a quem reportava residiam no estrangeiro; 10- sendo certo que a R. foi constituída para explorar separadamente os dois mercados ibéricos e, a partir de Portugal, também o mercado brasileiro; 11- para a realização deste projecto da OHI, o A. foi incumbido dos poderes necessários contidos no objecto social da R., compreendendo designadamente, o de contratar e despedir pessoal; 12- em suma e como vem provado, enquanto Director Geral, o A. “tinha um estatuto de grande autonomia, de direcção e supervisão dos negócios da R...

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