Acórdão nº 27/07.1TTFIG.C1.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 15 de Dezembro de 2009

Magistrado ResponsávelPINTO HESPANHOL
Data da Resolução15 de Dezembro de 2009
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

S Privacidade: 1 Meio Processual: REVISTA Decisão: NEGADA REVISTA Sumário : 1. Na acção de impugnação de despedimento, cabe ao trabalhador alegar e provar a existência de um contrato de trabalho e a sua cessação ilícita por iniciativa do empregador (artigo 342.º, n.º 1, do Código Civil).

  1. O despedimento é ilícito quando «forem declarados improcedentes os motivos justificativos invocados para o despedimento», pelo que o ónus probatório que incumbe ao empregador é precisamente para demonstrar em juízo a exactidão dos factos justificativos do despedimento e que se consideram susceptíveis de determinar a impossibilidade da subsistência da relação de trabalho.

  2. Improcedendo os motivos justificativos aduzidos pela ré para o despedimento por extinção do posto de trabalho do autor, o despedimento é ilícito, como resulta da alínea c) do artigo 429.º do Código do Trabalho.

    Decisão Texto Integral: Acordam na Secção Social do Supremo Tribunal de Justiça: I 1.

    Em 29 de Janeiro de 2007, no Tribunal do Trabalho da Figueira da Foz, AA instaurou a presente acção declarativa, com processo comum, emergente de contrato individual de trabalho contra SOCIEDADE F... P..., S. A., pedindo a condenação da ré: a) a reconhecer a ilicitude do seu despedimento; b) a reintegrá-lo no posto de trabalho, com a categoria e funções que desempenhava; c) a pagar-lhe as retribuições que se vencerem, no valor mensal bruto de € 2.132,38, desde a data do despedimento e até ao trânsito em julgado da sentença; d) a pagar-lhe os subsídios de alimentação em dívida até 31 de Janeiro de 2007, no montante de € 355; e) a pagar-lhe os juros de mora que se vencerem, desde a data da propositura da acção, em relação ao valor dos subsídios de alimentação, e desde o final de cada mês, quanto às prestações vincendas, e até integral pagamento; f) a pagar-lhe uma indemnização por danos não patrimoniais no valor de € 20.000.

    Alegou, em suma, que a ré o despediu, em 22 de Dezembro de 2006, por alegada extinção do posto de trabalho decorrente de esvaziamento das suas funções, o que não ocorria, pelo que tal despedimento é ilícito, daí resultando a obrigação de a ré o reintegrar, proceder ao «pagamento das retribuições que se vencerem a partir de 28/2/2007 e até ao trânsito em julgado da sentença» e, bem assim, de o ressarcir dos danos não patrimoniais causados pelo mesmo despedimento.

    A ré contestou, alegando que o despedimento do autor foi lícito, porquanto cumpriu todos os requisitos formais e substanciais legalmente previstos para operar o despedimento por extinção do posto de trabalho, não sendo «possível reafectar, requalificar ou reclassificar o A., atenta a centralização da actividade no jogo e o processo de redução de efectivos que caracteriza a empresa desde há vários anos a esta parte», modificações que determinaram «o esvaziamento progressivo das tarefas do A., tornando impossível, em termos práticos, a conservação do vínculo laboral existente», pelo que «[a] decisão de extinção da relação contratual decorreu […] — directa e causalmente — da extinção do posto de trabalho decidida pela empresa».

    Após o julgamento, foi exarada sentença que, julgando a acção parcialmente procedente, decidiu: a) declarar a ilicitude do despedimento do autor, condenando a ré a reconhecer essa ilicitude; b) condenar a ré a reintegrar o autor no seu posto de trabalho, com a categoria e funções que desempenhava à data do despedimento; c) condenar a ré a pagar-lhe as retribuições vencidas e vincendas, desde a data do despedimento e até ao trânsito em julgado da sentença, à razão de € 2.022,38 mensais ilíquidos, acrescidas de juros moratórios legais, a contar da data do trânsito em julgado da decisão que fixar o montante da dívida da ré para com o autor.

  3. Inconformada, a ré apelou para o Tribunal da Relação de Coimbra, o qual decidiu «confirmar inteiramente a sentença impugnada, negando provimento ao recurso de apelação», sendo contra esta decisão que a ré agora se insurge, mediante recurso de revista, em que alinha as seguintes conclusões: «1. Em sede de processo de impugnação de procedimento de extinção de posto de trabalho, o cotejo que há que fazer é o de comparação entre aquilo que a empresa invocou na sua decisão, aquilo que o ex-trabalhador nela impugnou e aquilo que a empresa conseguiu demonstrar em juízo; 2. No caso dos autos, a recorrente demonstrou em juízo, salvo o respeito por melhor opinião, todos os requisitos legalmente previstos em torno da figura da extinção do posto de trabalho (mesmo os que o recorrido não colocou em crise), tendo, designadamente e por referência aos aspectos impugnados pelo recorrido, provado ter lançado mão, ao longo de vários anos, de um processo de reestruturação com redução de efectivos e extinção de postos de trabalho, decorrente da intenção de concentrar a sua actividade no seu core business, o jogo, ao ponto de este representar 95% da sua actividade, mediante extinção de actividades “não jogo”, de externalização de diversos sectores da empresa e da diminuição do número de eventos realizados pela recorrente; 3. Quando a empresa não alega esvaziamento funcional total, mas apenas um esvaziamento funcional progressivo, não é lícito ao tribunal fundamentar decisão de improcedência no facto de a empresa não ter logrado demonstrar um esvaziamento funcional total quando demonstrou um esvaziamento progressivo e não total; 4. Como vêm entendendo as nossas jurisprudência e doutrina, não cabe ao tribunal — como sucedeu nos autos — apreciar o mérito da gestão do empresário que decide instaurar processo de extinção de posto de trabalho, antes devendo verificar se o empregador não está a agir em abuso de direito, ou se o motivo não foi ficticiamente criado (comportamentos que a sentença a quo não imputa à recorrente) — cfr., entre outros, o Acórdão da Relação do Porto, de 05.05.1997 (CJ, XXII, tomo III, página 243), o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 13.01.1993 (CJ STJ, 1993, tomo I, página 222), o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 21.09.2000 (CJ STJ, 2000, tomo III, página 259) e, bem recentemente, o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 01.10.2003 (Rec. n.º 4494/02-4.ª: Sumários, Outubro de 2003), a tudo acrescendo a letra e o espírito do Código do Trabalho actualmente em vigor; 5. O acórdão a quo, ao aderir, sem mais, à sentença, esquecendo ter a recorrente provado tudo quanto alegou no procedimento de extinção do posto de trabalho, censura, de modo ilegítimo, a sua gestão, em defesa de uma opinião gestionária segundo a qual não é lícito reestruturar a empresa com redução de efectivos quando há lucros; não há necessidade de extinguir posto de trabalho quando não há esvaziamento funcional total de determinado trabalhador; não é preciso extinguir um posto de trabalho “não jogo”, só porque se está a tentar rentabilizar a área “jogo” e tentar concentrar aí os maiores esforços da empresa, até por esta ter lucros; 6. Ao contrário do que pretende o acórdão recorrido, a recorrente jamais alegou haver esvaziamento funcional total do recorrido, mas antes um progressivo esvaziamento, sendo certo que, segundo os Acórdãos da Relação de Lisboa, de 15.11.2006 (in, www.dgsi.pt.

    , Processo 6524/2006-A) e de 02.03.2005 (in, www.dgsi.pt, Processo 7406/2004-4), “a extinção de posto de trabalho concreto não implica a extinção de todas as funções que eram desempenhadas pelo trabalhador”; 7. Quando a empresa alega e demonstra em juízo: (I) que pretendeu racionalizar os seus recursos; que concentrou a sua actividade no jogo ao ponto de este representar 95% da sua actividade; (II) que extinguiu as actividades de discoteca; (III) que encerrou as suas salas de cinema (a que o recorrido estava afecto); (IV) que reduziu o número de eventos (a que o recorrido estava afecto); (V) que externalizou diversos sectores de actividade “não jogo”; (VI) que reduziu, ao longo de anos, de 238 para 175 trabalhadores o seu quadro de pessoal; (VII) que tudo fez para rentabilizar a empresa provendo permanentemente à sua sustentabilidade para não estar jamais em situação económica difícil e com vista a incrementar a sua produtividade; (VIII) que de tudo resultou um progressivo esvaziamento funcional do recorrido patente, além do mais, no facto de as tarefas que este ainda tinha terem sido redistribuídas pelos demais trabalhadores da mesma secção e sem que o recorrido haja sido substituído (a termo ou sem termo); (IX) que não existiam na secção postos de trabalho com conteúdo funcional idêntico às do recorrido; (X) que o recorrido não fora transferido para a secção há menos de 3 meses antes de iniciado o procedimento; (XI) que a extinção não resultou de culpa do empregador, ou do trabalhador; que nenhuma irregularidade processual existiu; (XII) que o despedimento do recorrido resultou causalmente da decisão de extinguir o posto de trabalho; (XIII) que não foram desrespeitados os critérios de prioridade (aliás reconhecidamente inaplicáveis ao caso); (XIV) que era impossível a conservação do vínculo e que foi disponibilizada a compensação legalmente prevista, deve ser declarada a licitude do despedimento por extinção do posto de trabalho; 8. O acórdão em crise mantém, portanto, dois equívocos da sentença a quo: o de que a recorrente invocou o esvaziamento total, o que não é exacto; que esse esvaziamento total seja requisito legal da extinção do posto de trabalho, o que muito menos é exacto; 9. O acórdão recorrido faz nascer um argumento de segurança de julgado — atinente ao requisito previsto no n.º 3 do artigo 403.º do Código do Trabalho — que o fere de nulidade, pois que não suscitado pelo recorrido, não tendo, ness[a] medida, integrado a sua causa de pedir; 10. Seja como for, se na categoria funcional o esvaziamento foi progressivo, na categoria interna — nominativa, formal — a que o aresto em crise se agarra esse esvaziamento é total, pois que o recorrido viu desaparecer a competência das bilheteiras, a das limpezas, a do cinema e...

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